Meu querido Tutu, hoje contrais matrimónio. Escolheste-me para teu padrinho, o que me confere uma responsabilidade acrescida àquela que a amizade por norma impõe.
Habitualmente, essa responsabilidade cingir-se-ia ao papel de cabide humano que transportará as sete camisas sobresselentes que vais ensopar ao longo da cerimónia. Contudo, desta feita sinto o dever de ir um pouco mais além.
Não és o meu primeiro afilhado de casamento (o que não abona a favor do teu discernimento, és como aqueles clubes que insistem em contratar o Balotelli), mas és o primeiro que tenho desde que vi as fotos do casamento de António Costa e descobri que o seu padrinho era Diogo Lacerda Machado. Chocou-me que um homem que ganha a vida a dar bons conselhos tenha deixado o seu afilhado casar naqueles preparos.
Desde então, a minha postura enquanto padrinho alterou-se. Não posso, em consciência, calar a voz de algum traquejo que te pode auxiliar na etapa agora iniciada. Tenho, por isso, a obrigação de me dirigir publicamente a um afilhado, para transmitir algumas das lições que o casamento já me deu.
Não são conselhos sobre mulheres. Aí, não tenho nada a ensinar-te, meu gostosão. Sucede que, se sabes muito sobre conviver com mulheres, ainda sabes pouco sobre viver com elas.
Digamos que o teu conhecimento na óptica do utilizador advém de teres andado a utilizar uma versão demo. Ao casar, instalas mesmo o software e, com o acesso a novas funcionalidades, a prática altera-se.
O principal alerta que te quero fazer concerne a experiência traumática que crismei de Paradoxo da Unha. Presta bem atenção, se faz favor.
Durante a fase do namoro, as mulheres apreciam que lhes façamos cócegas nas costas. Está cientificamente comprovado ser das carícias predilectas.
Julgo que a utilidade evolutiva se prende com o facto de ser uma prática que é executada sem a mulher ter de ver a nossa cara, o que lhe é duplamente agradável. Cautela, porém! Depois do casamento, tudo muda.
Descobri-o no dia em que a minha mulher encontrou aparas das minhas unhas na sua almofada. A fúria dela surpreendeu-me. Expliquei-lhe que aquelas unhas eram as mesmas que lhe acariciavam as costas todas as noites, mas isso só piorou os vómitos.
Até hoje não percebo como é que a mesma estrutura de queratina, tão estimada quando usada em afagos, se desvaloriza apenas por já não estar apensa aos dedos.
Inesperadamente, aquilo que antes do casamento é uma valência altamente gabada, transforma-se, depois da boda, num enorme motivo de crítica. Não é razoável. Todavia, o nojo em seus olhos era bem real. E, segundo informações que recolhi junto de outros maridos, passa-se isto com todas as mulheres.
Como é evidente, há uma ilação a retirar. Sucede que ainda não consegui perceber qual. Mal descubra, aviso. Entretanto, peço-te cuidado.
CasamentoAlguns conselhos extra
Diz-se que a natureza tem horror ao vazio. Mas quem já observou uma mulher a açambarcar espaço num armário sabe que, comparada com esta voragem de preenchimento, a natureza é uma menina.
A repulsa que nutre ao vácuo não se compara com o desdém de uma mulher por sítios onde ainda pode arrumar coisas. Para a mulher não há espaço que sobeja, há roupa a menos.
A ocupação de um armário por uma recém-casada lembra o Exército Nazi a garantir espaço vital para o povo alemão.
É possível que o conceito de Lebensraum tenha sido inventado por um homem sem sítio para pendurar as camisas.
E maisEu sei o que é que o leitor está a pensar
"Lá vem mais um palerma com a falácia odiosa de reduzir o adversário à crueldade pura, comparando-o ao incomparável, equivalendo o seu comportamento ao comportamento das mulheres com coisas para arrumar." E tem razão, o leitor.
Cotejados com mulheres em arrumações, os nazis não eram assim tão implacáveis. Sim, senhor, ocuparam a Polónia, mas dividiram-na com os russos.
Nenhuma mulher aceitaria um Molotov–Ribbentrop. É óbvio que teria ficado com a Polónia inteira para si, com Cracóvia só para os sapatos.
Só para terminarAdeusEspaço, a última fronteira
Já o homem finge que não necessita de espaço. Não tem muita coisa e o que tem pode ser amontoado, como entulho.
Essa farsa tem como corolário a altura em que o homem pede à mulher que lhe guarde a carteira e as chaves do carro na carteira dela. Ele julga que está a transmitir um displicente:
"Vês? Não necessito de espaço pois tu, fêmea, arranjas-mo quando necessito de guardar algo."
Na realidade está a depositar as únicas marcas da sua independência nas mãos da mulher. É como se amputasse os seus próprios testículos e os entregasse voluntariamente.
"Olha, agora que já não preciso dela, podes acondicionar a minha masculinidade ao pé da maquilhagem, do telemóvel, da agenda e da barra de cereais, se faz favor?"