Depois de passar pela Praça da Alegria, típica praça central de uma aldeia saloia, caminhamos por ruas ordenadas com casas brancas de barras azuis, espaços verdes, a fonte e o jardim sensorial. Estamos na Aldeia de Santa Isabel, um espaço com mais de seis hectares que pertence à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em Albarraque, Sintra. Ali, várias estruturas dão resposta a diferentes gerações carentes de apoio: crianças, jovens e idosos.
Há o Centro de Formação Profissional com cursos práticos para jovens vindos de meios desfavorecidos que ali aprendem um ofício; há a casa de acolhimento para crianças e jovens e ainda uma residência social e um lar para idosos.
As crianças residentes na aldeia saem cedo para a escola e regressam à tarde, os jovens entram de manhã e, até às 17h00, alternam a aprendizagem em oficinas e salas de aula com o lazer. Já os idosos que ali vivem passeiam pelas ruas e jardins, saúdam os amigos nas oficinas, tomam o seu café na Praça da Alegria ou reúnem-se no refeitório. Aqui, a intergeracionalidade não é um conceito. Vive-se com toda a espontaneidade, num ambiente propício ao convívio, ao cruzamento de saberes e aos afetos.
Liedson descobriu o interesse pela costura
Fernando, 93 anos, é um dos residentes idosos, com uma boa-disposição contagiante. Vive num dos chalés da aldeia e cuida da sua horta. “Ando entretido a semear cebola, alface, pepino, pimento, tomateiros, salsa, coentros e ainda vou ter cebolo. E é tudo para dar, nada para vender. E também fiz o meu jardim!”, conta, enquanto mostra o fruto do seu trabalho. Os mais jovens “vêm conversar comigo e eu gosto. Outras vezes sou eu que vou um bocadito ao lar. É bom.” Gosta de pintar e, como é autónomo, também viaja de camioneta até Rio de Mouro e participa nos passeios organizados pelo lar de idosos. “Estou aqui há 17 anos e gosto muito. A Aldeia de Santa Isabel trouxe- me carinhos. Estou acompanhado e contente de cá estar.”
Gonçalo está a “mudar a vida”
Mais à frente na caminhada pela aldeia chegamos ao contacto com os outros residentes, os jovens dos 15 aos 18 anos que frequentam o Centro de Formação Profissional da Aldeia de Santa Isabel, que conta com mais de 30 anos de história na educação e formação de jovens, onde aprendem ofícios tais como operador de jardinagem; cozinheiro/a; manicura/pedicura; carpinteiro/a de limpos e empregado/a de restaurante/bar. Um desses jovens é Gonçalo, que frequenta o curso de Jardinagem. “Não gostava de estar na escola, mas gosto de estar aqui. Esta aldeia está a mudar a minha vida. Agora dou valor a outras coisas como praticar, aprender e conviver.” Quando não está nas aulas, Gonçalo vai até aos matraquilhos, joga à bola como guarda-redes e convive com os mais velhos. “Não gosto que tratem mal os idosos e também sinto o facto de muitos deles estarem sozinhos, sobretudo quando fazem anos ou no Natal.” Lembra-se bem do que sentiu no dia em que leu uma história a uma residente idosa: “Não só podemos ser felizes, como os podemos fazer felizes.”
Liedson descobriu a costura
Liedson, outro dos jovens alunos do Centro de Formação Profissional, tem duas paixões: o desporto e a música. Na Aldeia de Santa Isabel, frequenta o curso de Costura. Descobriu, sem esperar, este novo interesse. “É bom aprender várias coisas e a costura tem grande saída”, diz. Gosta da “vida em comunidade” que ganhou ali. “Existe respeito pelos idosos. Eles têm uma experiência que nós não temos. Um dia, uma senhora contou-me como foi difícil a sua vida.”
“Esta aldeia está a mudar a minha vida” diz Gonçalo, que frequenta o curso de Jardinagem
No desfile de modelos intergeracional – evento promovido pela Aldeia de Santa Isabel no Dia Internacional da Mulher – convidaram Liedson para ser o DJ: “Fui pôr música e todos gostaram muito de mim. Isso marcou-me porque me deram valor.”
Manicura e futura artista
Stefanie está no curso de Manicura e Pedicura, mas quer seguir artes. Foi uma das modelos do desfile intergeracional. “O curso deu-me mais responsabilidade e contactar com pessoas de todas as idades é uma coisa positiva que nos ajuda”, afirma. “Esta escola é um passo para o futuro que vou levar comigo.”
Em Albarraque, na periferia de Lisboa, mas onde já se respira o ar da serra de Sintra, o antigo Orfanato-Escola de Santa Isabel, edificado em 1927 pelo Padre Agostinho da Motta, deu lugar a este projeto transversal de educação-formação e ação social comunitária. Na Aldeia de Santa Isabel, um espaço em pleno contacto com a natureza, a solidariedade dá resposta às mais diversas formas de exclusão. Uma aldeia única onde convivem crianças, jovens e idosos e que é, nas palavras do seu diretor, António Duarte Amaro, uma “casa para todas as idades”.
António Duarte Amaro, director da Aldeia de Santa Isabel, explica como concebeu o modelo de ensino com a componente escolar a contribuir para a profissão.
Quando iniciou a Aldeia de Santa Isabel?
Começou em 1986. Criei um sistema de oficinas, pondo a componente escolar a contribuir para a profissão. Olhando para estes seis hectares vi que tinha potencial para desenvolver um ambiente comunitário. Propus o termo “Aldeia” à mesa e o então provedor Padre Melícias acarinhou a ideia, mantendo o nome de Santa Isabel.
Quantas pessoas são apoiadas?
A lotação global para os jovens em formação é de 300. A Casa de Acolhimento Padre Agostinho da Motta está preparada para acolher 20 crianças (agora temos 15) e o Lar São João de Deus (lar e três chalés) tem capacidade para 52 idosos. A trabalhar, há cerca de 120 pessoas em permanência e as edificações são 45 no total, incluindo oficinas, edifícios técnicos e administrativos, a igreja, o centro intergeracional, entre outros.
Que respostas é possível encontrar?
Oferece um Centro de Formação Profissional com 14 cursos (do nível 1 ao 4, com equivalências do 6.º ao 12.º ano) que, sendo tradicionais e ainda estigmatizados, são muito procurados pelo mercado: jardinagem, costura, cozinheiro/a, empregado/a de restaurante/ bar, manicura e pedicura, cabeleireiro e estética, carpintaria, pintura e construção civil, técnico elétrico, pintura de automóveis, além da oficina das artes. Todas as oficinas têm parceiros que colaboram connosco, não só enquanto fornecedores, mas também na lógica do estágio e tem havido grande recetividade. Damos resposta a crianças, selecionadas no âmbito da Misericórdia, que necessitam de acolhimento. Todas as atividades (escola, natação, música) são lá fora. É sempre uma casa de transição. Quanto aos idosos, são acompanhados por uma equipa de psicólogos, médicos, enfermeiros, assistente social e terapeuta ocupacional.
O diretor da Aldeia de Santa Isabel, António Duarte Amaro
Como caracteriza o modelo de ensino?
Partilhamos um modelo descolarizado: a base do projeto da aldeia é a oficina, não a sala de aula. A vertente teórica tem de estar aliada à prática e os programas desenhados com base na necessidade do seu percurso profissional. A manutenção da aldeia é, em grande parte, feita pelos jovens. Além disso, há uma pluralidade de atividades (25% do currículo está afeto às artes), ações de formação (como a violência no namoro) e equipas que os acompanham (psicólogos, assistentes sociais, equipa educativa).
Como se manifesta o contacto entre gerações?
Se algum idoso tiver um problema em casa recorre aos jovens das oficinas; as senhoras usufruem do cabeleireiro, manicura, pedicura e estética enquanto conversam com as alunas; encontram-se no café, nos jardins ou na cerâmica. Também há uma participação conjunta em atividades variadas, como leitura de livros, passagem de modelos intergeracional, a festa da entrega dos diplomas, além do Natal, Páscoa, Dia do Idoso, Dia da Criança, Dia da Mulher, Dia do Pai ou dos Namorados, e até um jovem ardina que percorre as ruas de bicicleta para deixar a revista “Ecos da Aldeia” em todas as paragens.
(Ano lectivo 2023/2024)
• Inscrições abertas a partir de 10 de Abril
• Consulte em scml.pt