Aumentar o bem-estar dos mais idosos através do canto e da expressão vocal foi a ideia que esteve na base da criação do ‘Grupo de Canto para Seniores’.
02 de janeiro de 2020 às 10:541 / 6
Já diz o ditado: "Quem canta seus males espanta." Foi por acreditar neste lema que a conhecida cantora Anabela – figura assídua nos musicais de Felipe La Féria e que, em 1993, representou Portugal no Festival da Eurovisão com o tema ‘Cidade (até ser dia)’ - concorreu ao Orçamento Participativo com o projeto ‘Grupo de Canto para Seniores’. A ideia passou por aumentar o bem-estar dos mais idosos através do canto e da expressão vocal e foi prontamente reconhecida pelo júri do concurso que atribuiu à Direção-Geral das Artes (DGARTES) a gestão do projeto.
Durante a apresentação pública da iniciativa, no Centro Social de São Boaventura, o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho, sublinhou que este projeto "encaixa-se na perfeição" naquele que é um dos grandes objectivos da instituição: "Transformar os Centros de Dia em espaços que envolvam a comunidade."
Recordou, ainda, que ele também segue a linha do Programa ‘Lisboa. Cidade de Todas as Idades’, da Santa Casa e da Câmara Municipal de Lisboa, que pretende diminuir o isolamento dos idosos que vivem na capital.
A intervenção desenvolveu-se durante 34 sessões ao longo de quatro meses e consistiu num programa de canto em grupo com componentes de aquecimento e relaxamento, técnica vocal, memorização de músicas e letras, ensaio de reportório.
Nele participaram 40 idosos, utentes da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e também da Misericórdia de Almada, que foi parceira no arranque deste projeto nos seus centros de dia. No final, houve um concerto público, que aconteceu no passado dia 28 de junho no Auditório Fernando Lopes-Graça. Mas além da vertente humanista e social, este projeto – tema da tese de mestrado da cantora Anabela - teve também como objetivo a produção de matéria científica, através de um estudo que procurou identificar os efeitos causais da participação de seniores em grupos de canto, através de uma intervenção e estudo experimental com grupo de controlo, com maior validade do que os resultados disponíveis na literatura científica.
Segundo a literatura existente sobre o tema, cantar em grupo é uma atividade culturalmente universal, com benefícios potenciais para a saúde de seniores. E isto porque o canto em grupo envolve uma combinação de componentes cognitivos, psicossociais e físicos associados a múltiplos benefícios para a saúde e bem-estar. No campo do funcionamento cognitivo, a atividade de canto em grupo envolve processos cognitivos estimulados pela concentração (na música, instruções do professor, outros cantores), memorização de letras, tonalidade e ritmo, esperando-se promover as funções executivas, atenção, aprendizagem verbal e memória. Na saúde, a participação em grupos de canto pressupõe uma atividade regular que exige a alteração das rotinas diárias, movimento, postura e equilíbrio, esperando-se ter um impacto na força e estabilidade física dos participantes, pois o canto envolve actividade respiratória intensa e activação do corpo, esperando-se ter um impacto nos sistemas coronário e imunitário.
Nunca é tarde demais para aprender a cantar
Foi uma tarde atípica aquela que se viveu no Auditório Fernando Lopes-Graça, em Almada, no passado dia 28 de junho, quando os 40 cantores seniores do projeto liderado pela cantora Anabela e pelo maestro Sérgio Fontão tomaram o palco para apresentar em concerto o resultado final desta maratona musical.
A plateia encheu-se de filhos, netos e bisnetos curiosos e entusiasmados com a nova vocação artística dos avós, tornando o evento também um ponto de encontro e partilha entre gerações. Muito afinados, os utentes interpretaram canções tradicionais portuguesas. Para a maioria dos participantes, esta foi a primeira vez que pisaram um palco a "sério". A iniciativa permitiu-lhes "concretizar um sonho" que acalentavam secretamente desde a infância e que já não imaginavam ter a possibilidade de concretizar, conforme confessaram no final alguns dos intervenientes.
Na primeira pessoa
Concerto final aconteceu no Auditório Fernando Lopes-Graça."Registámos na grande maioria dos participantes uma mudança para melhor na forma de se relacionarem com outras pessoas e até na sua condição física. A música tem esse poder transformador de nos tornar pessoas melhores."
Anabela, cantora
"Fiz a minha tese de mestrado precisamente sobre o impacto dos grupos de canto no impacto subjetivo dos idosos e de facto deu resultados muito positivos.
Cantar em grupo aumentou o afeto positivo e desceu o afeto negativo, por isso foi muito importante."
Rosa Nunes, utente
"Melhorei sobretudo a nível de cabeça. Sinto que agora tenho melhor memória do que tinha antes."
Amorosa Padeiro, utente
"Agora na velhice estava muito metida em casa e isto foi um estímulo, um bocadinho de ar novo. É isso que este projeto tem de mais gratificante: tira-nos do isolamento e vai-nos dando uma outra forma de ver as coisas. Isso é muito válido."
Elsa Vieira da Rocha, utente
"Serve para me distrair e aprender a cantar. Gosto muito do maestro."
Sérgio Fontão (diretor musical)
"Registámos na grande maioria dos participantes uma mudança para melhor na forma de se relacionarem com outras pessoas e até na sua condição física. A música tem esse poder transformador de nos tornar pessoas melhores."