Aprimeira parede de escalada adaptada do País é hoje inaugurada no sempre inovador Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA). São dez metros a trepar até ao topo, esse lugar onde se recuperam a autoestima e a mobilidade perdidas.
Célia Castilho, 43 anos, é uma das utentes do CMRA, em que se encontra há dois meses e onde experimentou escalar pela primeira vez na vida. “Tudo pode mudar de um momento para o outro”, garante Célia, a partir da própria experiência. Teve um acidente de mota em Menorca, Espanha, a 19 de setembro, foi operada num hospital em Maiorca dois dias depois e repatriada para Portugal. “Entre as várias sequelas, a mais grave é uma lesão da vértebra D12. Numa fase inicial não conseguia andar, tinha dificuldades na perna esquerda. Fiquei com o ‘pé pendente’, ou seja, não fazia a contração e extensão do pé”, explica.
Foi internada no CMRA no dia 16 de fevereiro e teve um acompanhamento cinco estrelas: “Recuperei muito bem, a equipa é fantástica e os serviços são ótimos. Antes de vir para Alcoitão fiz fisioterapia noutro sítio, por isso, tenho essa base.” A recuperação é feita de forma intensiva em Alcoitão. “Estando internada, há um acompanhamento muito próximo por parte dos médicos, terapeutas e auxiliares. Estão todos muito bem preparados. As equipas são multidisciplinares e a informação flui muito bem entre eles. Todos os dias trabalhamos e isso contribui largamente para evoluir de forma positiva e reduzir ao máximo as sequelas do acidente. Dois meses aqui equivalem a oito ou 10 fora daqui”, assegura Célia.
Quase a ter alta, esta utente diz que passou a “ter consciência” e a “valorizar ainda mais o corpo”. Para isso, também contribuiu uma experiência nova que teve no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão: a escalada. “Foi um desafio”, diz. “Nunca tinha feito escalada na vida. Surgiu o convite da Dra. Filipa Dionísio. A parede tem 10 metros… e subi-la dois meses depois de ter sido internada, para mim, foi uma prova de superação”.
Melhora física e psicológica
Filipa Dionísio, médica interna de medicina física e reabilitação neste hospital da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de Lisboa, é a responsável pelo projeto da primeira parede de escalada adaptada do País, que teve o apoio da Câmara Municipal de Cascais e da Associação de Desportos de Aventura Desnível. “É uma parede de escalada normal. A diferença está na prática”, afirma Filipa Dionísio. “É uma prática de exercício físico que promove o ganho de força muscular, a flexibilidade, melhora a preensão [ou seja, a forma de agarrar], a coordenação motora, a agilidade… e um aspeto muito importante que é a inclusão social. Após o evento que as conduziu à deficiência, estas pessoas têm tendência para se isolarem. O desporto acaba por ser uma forma de se reintegrarem na sociedade.” Outra vantagem, para a médica, é o estímulo da parte cognitiva: a pessoa tem de pensar como é que vai fazer aquele movimento, como é que vai agarrar. “Tem de estar concentrada, focada no que vai fazer. Há uma resolução de problemas. Há também uma melhoria na autoestima, na confiança, na capacidade de superação,”
A médica interna de medicina física e reabilitação no centro, Filipa Dionísio
O Centro de Medicina de eabilitação de Alcoitão completa hoje 57 anos de um serviço de excelência
A utente Célia Castilho revê-se nessa descrição. “Consegui perceber o meu corpo, dosear a força entre os braços e as pernas… Percebi que se fizer mais força numa perna estou a descansar a outra; se fizer um movimento de rotação controlado, consigo evitar comprometer a rotação do joelho e sobrecarregar a lombar. Ter consciência do corpo faz com que possamos poupar os membros que estão mais sobrecarregados. É algo que os terapeutas também nos ensinam ao longo do tempo.
No dia anterior, o terapeuta André esteve comigo a fazer exercícios para perceber se a escalada ia comprometer as minhas lesões e ajudou-me a equilibrar a força entre braços e pernas. Fui uma cobaia muito bem acompanhada”, comenta, com sentido de humor. Agora, confia em si própria e no futuro: “Acredito 102% que vou recuperar e que tudo vai correr bem.” Alcoitão é um hospital um pouco ‘particular’ porque dedica-se à reabilitação e tem um espaço exterior grande”, afirma Filipa Dionísio, médica no centro e coordenadora da primeira parede de escalada adaptada do País, procurando salientar o CMRA como um hospital de exceção.
“Há vários hospitais na Europa e nos Estados Unidos que já têm paredes de escalada instaladas e a escalada é usada como uma terapia, em particular, nas alas pediátricas. Pela estrutura e pelas cores, torna-se uma forma muito apelativa de fazer terapia com as crianças”, explica. Esta modalidade deveria ser implementada também em “hospitais que tratam doenças graves”, como o IPO, “em que a parte desportiva pode ser um auxílio terapêutico na luta contra a doença”. Já Maria de Jesus Rodrigues sublinha que é “essencial” continuar “a apostar em campanhas de sensibilização, de forte impacto, junto da população em geral para que melhor se compreenda os benefícios e as alegrias que a prática desportiva acarreta às pessoas portadoras de deficiência física”. E dá o exemplo do próprio CMRA, “que decidiu este ano inaugurar a sua parede de escalada, com vista a desafiar as vicissitudes dos seus utentes e fazê-los acreditar na sua recuperação máxima”.
Maria de Jesus Rodrigues, diretora clínica e administradora do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, garante que os ótimos resultados com os utentes se devem às equipas multidisciplinares
“A nossa taxa de sucesso continua elevada”, garante Maria de Jesus Rodrigues, diretora clínica do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) há 15 anos e administradora há mais de 10. O êxito na recuperação dos utentes deve-se, na sua opinião, “às extraordinárias equipas multidisciplinares de que o centro dispõe e que, em conjunto, procuram sempre alcançar os melhores resultados possíveis junto de cada um dos nossos utentes”.
Os tempos pandémicos e pós-pandemia não foram fáceis, mas “o CMRA conseguiu manter vivo o seu marco de excelência, tanto a nível nacional, como internacional”.
Maria de Jesus Rodrigues, diretora clínica e administradora do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão
O centro tem cerca de 98.500 utentes e, todos os anos, atende entre 4.000 e 4.500 pessoas.
Alcoitão está organizado em três serviços: dois destinados a adultos e um pediátrico. Nos internamento, a patologia mais frequente é a lesão encefálica não traumática (65%), sendo as sequelas de lesões provocadas por AVC a que tem maior expressão. Seguem-se lesões medulares (15%), doenças neurodegenerativas (6%), lesão encefálica traumática (6%), amputações, entre outras.
Perante a celebração do 57.º aniversário, a administradora assegura que “57 anos de vida” representam “muitas histórias”. Prefere simplesmente agradecer a quem garante histórias com finais felizes: “Neste dia, temos a honra de felicitar a Grande Equipa do CMRA. Sois os melhores profissionais. Neste dia são para vós os nossos parabéns.”