A funcionar desde setembro de 2021, a Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) Rainha Dona Leonor, antigo complexo do Hospital Militar da Estrela, em Lisboa, tem algo de especial. Neste edifício luminoso, aconchegante e com uma vista soberba sobre a Basílica da Estrela e sobre o rio Tejo, os festejos de Carnaval estão a postos, com máscaras feitas pelos utentes a ladear os corredores e o refeitório transformado em “Casino de Veneza” com tudo a que têm direito: lanche, “bar aberto de groselha”, jogos de cartas, dominó e roleta.
Ali, a reabilitação é o foco e a componente humana e o ambiente envolvente fazem toda a diferença. Gonçalo Santos, 38 anos, chegou aqui há cerca de oito meses e quando pesava 200 quilos. A obesidade mórbida, seguida de um linfoma e de uma infeção numa perna, levou-o ao internamento de urgência e a ficar acamado durante seis meses. Quando chegou à UCCI Rainha Dona Leonor não se movia. Hoje, com menos 100 quilos e 80% da sua mobilidade normal, consegue andar com canadianas, subir escadas e fazer a sua higiene pessoal. Um feito incrível da equipa multidisciplinar que o acompanhou. “Quando entrei, chorei muito a pensar que nunca mais ia sair da cama. Nas primeiras duas semanas, estive no quarto a fazer fisioterapia e iam lá todos os dias para me incentivar a levantar para comer ou para o mínimo que fosse. Com a força deles conseguimos lutar mais”, conta Gonçalo. Continua com a fisioterapia e a terapia ocupacional, “a evoluir a cada dia que passa e a ficar pronto para ter uma atividade lá fora.”
Gonçalo Santos (utente) junto do Painel dos Afetos
Fernanda Prudêncio (utente) com Sérgio Sebastião
Fernanda Prudência, 65 anos, chegou há dois meses, depois de ter sido hospitalizada na sequência de uma perna partida. Já sente as melhorias. Além da fisioterapia, faz terapia ocupacional e não poupa elogios à equipa “muito competente e carinhosa” que a apoiou na recuperação. “Neste espaço há carinho, há amor, e sinto-me como se estivesse em casa”, afirma.
Gonçalo e Fernanda são apenas dois dos muitos utentes da Rainha Dona Leonor, que, a par das outras unidades de Cuidados Continuados Integrados da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (UCCI São Roque e UCCI Maria José Nogueira Pinto), assume a missão de prestar cuidados de saúde continuados e integrados a pessoas que, independentemente da idade, tenham ficado dependentes na sequência de internamento hospitalar por episódio de doença aguda. E que muitas vezes trazem consigo um historial clínico de outras doenças.
“Têm aqui um apoio de vida”
A UCCI Rainha Dona Leonor é mais do que uma mera unidade de cuidados de saúde. É uma casa onde cada pessoa é cuidada no seu todo e tem, literalmente, aquilo que merece. Ciente de que um tratamento integrado das condições físicas, psicológicas, emocionais e sociais é a única forma de promover a vida dos utentes, a equipa que aqui trabalha é vasta e pluridisciplinar. Além dos médicos (internistas, de medicina geral e familiar, fisiatras), fisioterapeutas, nutricionista e o corpo de enfermeiros, o grupo de psicólogos e os terapeutas da fala e da terapia ocupacional são essenciais no apoio emocional e na capacitação dos doentes. Outros pilares são os assistentes, as auxiliares de ação médica e os animadores socioculturais. “É este trabalho de sinergia entre muitas disciplinas que faz com que as pessoas vivam o melhor possível e sejam muito estimuladas. Têm aqui um apoio de vida”, reforça Ana Gomes, diretora das três unidades de cuidados integrados da Misericórdia de Lisboa.
Este profissionalismo pleno de humanidade está visível no “Painel dos Afetos” (atividade que os utentes fizeram no Dia dos Namorados), onde estão destacadas palavras como esperança, amor, respeito, dedicação ou alegria.
Percorremos o edifício com Ana Gomes, Sara Santos (diretora da UCCI Rainha Dona Leonor) e Sérgio Sebastião (enfermeiro-chefe e diretor técnico da Rede). Cada um dos sete pisos onde se encontram as camas possui uma sala de tratamento e um gabinete de enfermagem. Nos restantes três pisos, além da receção, da área técnica e da farmácia central, encontram-se o refeitório, o ginásio equipado para a fisioterapia, a “escola” com cozinha e casa de banho adaptadas onde reaprendem atividades diárias e a sala de animação sociocultural. Usufruem, também, de outras salas: a do “bem-estar” com a recente biblioteca, a sala de culto e o cabeleireiro e barbeiro, que, em breve, incluirá serviço de podologia, além de um belíssimo espaço exterior.
Naquela casa transitória criam-se laços duradouros. “Temos tido muitos agradecimentos, muitas pessoas que mantêm o contacto connosco”, refere a diretora Sara Santos. Como Gonçalo, que reconhece ter despertado ali para outra vida: “Passei por muitos centros e nenhum foi igual a este. Esta casa significa uma família.”
Para Ana Gomes, diretora das três unidades desde a criação dos Cuidados Continuados da Santa Casa em 2021, a crescente qualidade e a uniformização dos cuidados nas várias unidades são objetivos bem traçados. Por isso, existe um plano de atividades para 2023, e não três planos, o que é uma marca histórica numa instituição onde a interajuda, a partilha de boas práticas e o alinhamento de perspetivas e procedimentos são a cultura vigente. Com uma taxa de ocupação muito alta e uma lista de espera enorme, fala-nos dos desafios e de novas soluções que devem ser ponderadas.
Ana Gomes, Diretora das três UCCI da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Todas as unidades estão contratualizadas com a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados?
As unidades Rainha Dona Leonor e de São Roque estão contratualizadas com a Rede. A unidade Maria José Nogueira Pinto também está, mas tem algumas camas em regime privado. É a única exceção.
Existem custos associados para os utentes?
Os doentes em convalescença não têm qualquer custo. Já para os de média e longa duração, os custos são tripartidos pela Segurança Social, ARS e pelo utente, cuja comparticipação é feita em função do seu rendimento.
Nesta área, quais são os obstáculos que enfrenta a Santa Casa?
Existe uma dificuldade com a contratualização que temos com o Governo. Ou seja, o valor pago pelo Estado é inferior aos custos, o que exige um esforço maior da nossa parte para mantermos a qualidade necessária.
Quais foram os principais desafios em 2022?
Em 2022, com a covid-19, não conseguíamos ter todos os pisos abertos devido à dificuldade na contratação de enfermeiros. Portanto, o maior desafio foi a abertura da Unidade Rainha D. Leonor na sua lotação completa (91 doentes).
E os desafios atuais?
Temos dez camas vagas e continuamos à espera que sejam integradas na RNCCI. Isto dói, porque há uma lista de espera imensa.
Nesta área, têm outros projetos em curso?
Neste edifício temos instalações preparada para a abertura de uma Unidade de Dia e Promoção de Autonomia que permitiria dar resposta a mais 60 ou 70 pessoas. É um grande sonho. As pessoas podem vir de manhã, sair ao fim da tarde e ir dormir a sua casa o que, a meu ver, evitaria alguns internamentos. Aguardamos orientações do Governo para nos podermos candidatar.
3 Unidades de Cuidados Continuados Integrados