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Na Malveira, há um refúgio para os traídos pela mente

Na obra social do Pousal, na Malveira, vivem homens e mulheres com de ciência intelectual que são incentivados à autonomia e ao sentido de pertença. Cada vez mais, o foco para estes doentes está no estímulo e num ambiente multissensorial.
9 de Fevereiro de 2023 às 17:53
A diretora da Obra Social do Pousal, Joana Lindim (no meio), com dois utentes da residência.
A diretora da Obra Social do Pousal, Joana Lindim (no meio), com dois utentes da residência.

São quase uma centena de homens e mulheres a quem a deficiência intelectual atirou para uma vida fora da caixa da “normalidade”, muitas vezes sem direito aos sonhos mais banais. Na residência da Obra Social do Pousal, um refúgio verdejante na Malveira, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) há já 40 anos, eles são a família uns dos outros e aquela é a comunidade onde vivem e se dedicam a oficinas de artesanato, ateliês de artesanato e cerâmica, teatro, entre outras atividades.

A Obra Social do Pousal (OSP) existe há 40 anos, desde 1983. Com capacidade para 101 utentes, atualmente vivem na residência da Malveira 98 pessoas: 52 mulheres e 47 homens.

Com o apoio de uma equipa clínica multidisciplinar, os utentes da Obra Social do Pousal têm sessões de fisioterapia e de terapia da fala e todo o apoio clínico de que necessitam. Mas, mais do que isso, estão ali como seres plenos, com sentido de autonomia e utilidade.

É, pelo menos, esta a filosofia terapêutica e de gestão da casa, cuja direção está a cargo da enfermeira Joana Lindim há já três anos. “Acredita-se que uma intervenção que valorize as capacidades da pessoa favoreça o sentimento de utilidade, com objetivos diários que motivem o início de um novo dia, do autocuidado e do cumprimento de tarefas domésticas como fazer a cama, arrumar o quarto, arrumar a loiça, entre outras, e através da realização de atividades estruturadas e muitas delas reconhecidas com atribuição de salário”, afirma Joana Lindim. “Esta intervenção só é possível numa abordagem multidisciplinar centrada na pessoa e nos vários domínios da sua vida”, sublinha.


O incentivo do salário

A instituição atribui um salário-estímulo sempre que um utente demonstre responsabilidade e autonomia para determinado trabalho. Para que seja considerado apto a trabalhar, a equipa multidisciplinar faz a avaliação da capacidade funcional e cognitiva e, em conjunto com o utente, define que atividade vai desempenhar.

Neste momento, segundo Joana Lindim, nove utentes recebem salário-estímulo e três estão em avaliação. “Exige um período de orientação e supervisão em que, em caso de confirmação do cumprimento de todos os critérios, é proposto a atribuição de mais um reconhecimento, que é o monetário”, explica a diretora.

Um dos utentes mais exemplares pela dedicação e simpatia é Rui Costa, 64 anos (ver texto secundário).

Os trabalhos que estão a ser desenvolvidos pelos residentes são jardinagem e manutenção dos espaços verdes, colaboração nas tarefas de transporte e reposição de stock de materiais, realização de encaminhamentos de utentes para as atividades, colaboração nas rotinas do refeitório. Pegam em carrinhos, transportam materiais, cuidam das hortas, sempre no cenário tranquilizante que a Malveira proporciona.


Estimulados a criar

Apesar de sofrerem de perturbações de desenvolvimento com deficiência intelectual associada, são muitos os homens e mulheres que ali produzem peças artísticas no artesanato, na cerâmica, a pintar telas em branco com a imaginação, a criar de raíz figuras para o teatro de fantoches ou mesmo a incorporar personagens de uma peça de teatro. Atividades às quais são incentivados pela direção e corpo clínico da Obra Social do Pousal.

“As atividades começaram a ser planeadas tendo em conta as necessidades individuais. Assim, são desenvolvidos projetos que os utentes integram de acordo com a sua escolha e as suas capacidades. Pretende-se que tenham princípio, meio e fim, sendo que esse fim deverá, idealmente, ter um propósito de utilidade”, refere a diretora da instituição. “Podem-se destacar projetos na área da cerâmica com venda ao público; a construção de teatro de fantoches com doações a serviços de pediatria dos hospitais. Já foi feita, por exemplo, uma doação ao serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Cruz e está a ser planeada outra doação este ano. Ainda, a reciclagem para reaproveitamento de materiais, o teatro, a pintura, entre outros”, destaca Joana Lindim.

A divulgação e exibição dos trabalhos artísticos dos utentes da residência da Malveira tem sido sobretudo interna e em períodos festivos. Algo que a diretora da Obra Social do Pousal gostaria de mudar: “uma das grandes dificuldades sentidas é a divulgação dos nossos trabalhos no exterior. Em 2023, estamos empenhados em estabelecer parcerias que permitam que os nossos trabalhos cheguem a mais pessoas”.

A Obra Social do Pousal presta cuidados de saúde 24 horas através da equipa de auxiliares de geriatria e apoio à comunidade, enfermeiros e médicos nas especialidades de medicina geral e familiar, medicina interna e psiquiatria.

Como refere Joana Lindim, “o plano de cuidados que é realizado ao utente inclui sempre a família, só assim faz sentido”. Essa ponte de contactos está sempre garantida. “Em geral, o contacto com as famílias é de grande proximidade no geral e particularmente pelo serviço social e equipa de saúde”, enfatiza.

“Em relação aos utentes cuja família não é conhecida ou não é presente, existe uma preocupação acrescida no sentido de tentar ao máximo mitigar esta ausência. É comum os profissionais da equipa tornarem-se pessoas de referência eleitas pelos utentes e esta ligação deve ser valorizada”.

É uma ligação que se nota nos sorrisos abertos e na colaboração que há entre todos. No fundo, o mesmo laço que une as famílias.




“O grande objetivo é uma vida com qualidade”



A enfermeira Joana Lindim dirige a Obra Social do Pousal (OSP) com a preocupação de elevar ao máximo o potencial das 98 pessoas com deficiência intelectual que ali vivem.


Que patologias específicas têm os utentes?

A Obra Social do Pousal é para pessoas com perturbações do neurodesenvolvimento com deficiência intelectual associada, são défices das capacidades mentais genéricas e alterações da função adaptativa. São perturbações do neurodesenvolvimento (PND) as do espectro do autismo, Deficiência Intelectual (DI) congénita, DI resultante de uma lesão adquirida à nascença ou no período de desenvolvimento.


O modelo interventivo virado para a autonomia dos utentes está em vigor desde quando e com que resultados?

Este novo modelo interventivo começou a ser implementado em 2016 e assume uma prestação de cuidados centrada no utente e nas suas necessidades, de forma integrada e para que o utente sinta e transmita que vive uma vida com qualidade. Os resultados são evidentes e orientadores acerca do caminho a seguir. A avaliação é feita através da partilha e feedback dos utentes nas reuniões comunitárias e da monitorização de indicadores de saúde mental. Os comportamentos disruptivos e de agitação psicomotora têm diminuído.


Que programas foram implementados?

Foram implementados, em 2020, o Programa de Promoção da Autonomia e Independência (PPAI) e o Programa de Estimulação Multissensorial (PEM). O objetivo do PPAI é a maximização das capacidades através do treino de competências sociais e de autocuidado e o apoio na construção do seu projeto de vida. Já o objetivo do PEM é garantir a sensação de conforto e bem-estar através da estimulação dos sentidos.


Há quanto tempo dirige a Obra Social do Pousal e de que forma se sente realizada?

Faço parte da equipa da OSP há alguns anos como enfermeira e enfermeira em funções de chefia. Embora existam dificuldades inerentes, encaro como positivo o conhecimento prévio da equipa quando assumi a direção em 2020, uma vez que tem permitido alavancar estes programas com maior fluidez. O desafio é enorme pela sua complexidade. A OSP é uma instituição grande na sua estrutura, tem capacidade para 101 utentes e a equipa multidisciplinar é composta por 114 trabalhadores. Exige uma grande maturidade profissional onde diariamente as nossas emoções são postas à prova. É, também, fisicamente exigente.


Qual é o grande objetivo desta obra social?

O grande objetivo é garantir que a pessoa que vive na residência tenha uma vida com qualidade e garantir a melhor performance da equipa multidisciplinar através da manutenção de um ambiente de trabalho tranquilo que valorize os seus inputs.




Quando a maior alegria é cumprir a rotina


No terreno com vista para as colinas verdes da Malveira, os utentes da Obra Social do Pousal ocupam-se com o cultivo dos legumes, as pequenas obras e reparações ou a alegria do trabalho em grupo. Um dos utentes mais bem-dispostos e realizado com a vida e a família que ganhou ali é Rui Costa, 64 anos. Originário do bairro social Padre Cruz, em Carnide, Lisboa, Rui teve uma vida fora da OSP, em que trabalhou como vigilante noturno para uma empresa. Mas depois teve de ser operado e perdeu o emprego. Esse foi o momento de rutura, como o próprio contou. “Já não tinha pais nessa altura e foi então que a minha irmã e a minha sobrinha perguntaram se eu queria ir para um lar. Viram o anúncio deste lar no jornal, ligaram para cá e marcaram para eu vir visitar a casa. Eu vim e depois perguntaram-me se eu gostava e eu disse que sim”, contou. “Estive aqui a trabalhar muito tempo… na sala, a fazer tapetes, depois cheguei a ir para o bar tirar cafés, era pegar às 6h00 da manhã até acabar. Depois acabou o trabalho no bar.”


O que por vezes damos como adquirido, a realização de tarefas rotineiras, é, para Rui, um entusiasmo. Agora trabalha como auxiliar na organização da residência. “Às 9h00 da manhã tenho de vir preparar as salas, abrem as salas e vou buscar o pessoal lá acima ao salão. Vou a uma sala de cada vez buscar o pessoal, depois corro as salas para ver o que é preciso”, conta, de sorriso aberto. Rui tornou-se indispensável e encontrou na Obra Social do Pousal um propósito e um sentido de pertença.

Por Boas Causas