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Quando a deficiência faz parte do currículo

Pedro tem paralisia cerebral e trabalha na área da comunicação. Ricardo tem deficiência cognitiva e é ajudante de chef na cozinha do Hotel Pestana Palace, em Lisboa. A vida destes dois jovens mudou por causa da Valor T, a agência de empregabilidade, da Misericórdia de Lisboa, para pessoas com deficiência
27 de Abril de 2023 às 16:24
Ricardo Pacheco, ajudante de cozinha no Hotel Pestana Palace, tem uma deficiência cognitiva
Ricardo Pacheco, ajudante de cozinha no Hotel Pestana Palace, tem uma deficiência cognitiva

Pedro Teixeira, 29 anos, tem paralisia cerebral “devido a uma asfixia pré-natal, que deixou sequelas”. “Vivo com esta condição desde sempre, não me conheço de outra maneira”, afirma Pedro, de sorriso espontâneo. Quem o conhece, facilmente esquece essa sua condição orque ele é, acima de tudo, um comunicador nato. Registou-se na Valor T, a agência de emprego da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que coloca no mercado de trabalho pessoas com deficiência procurando fazer o match entre os candidatos e as empresas. Curiosamente, no caso de Pedro o seu match foi com a própria Valor T.

Ricardo Pacheco, de 21 anos, deficiente cognitivo, está a aprender a alquimia dos sabores com um chef conceituado na prestigiada cozinha do Hotel Pestana Palace, em Lisboa. Ambos tiveram acesso a uma janela para o futuro por causa da Valor T.

Pedro Teixeira foi contratado para tratar da atualização do site da agência de emprego da Santa Casa e partilha da informação nas redes sociais e, ainda, para fazer apresentações oficiais ao vivo, sobre a missão da Valor T, a empresas.

Mas o jovem comunicador admite que, antes desta oportunidade que mudou a sua vida, “a entrada no mercado de trabalho foi complicada”. “Foi a primeira vez que senti discriminação. Nunca escondi a deficiência, está referida no CV e na carta de apresentação. As empresas que me chamavam para entrevista pediam-me sempre experiência profissional, mas só depois de abordarem o facto de eu ter paralisia cerebral e ser disléxico. No CV dizia que eu tinha acabado o curso há dois meses, pelo que perguntarem- me pela experiência profissional soava a desculpa. Como se tentassem justificar ‘não é pela deficiência, é por não teres experiência’.

Houve mais episódios do género. “Tive outra pessoa que disse que eu tinha talento, mas que era difícil confiar em mim porque eu podia falhar… Podia estar aqui o dia todo a contar histórias semelhantes”.

Desmotivado, Pedro resolveu dedicar-se a um projeto pessoal: “Durante quatro anos não procurei emprego. Criei um projeto de ativista onde abordo os direitos da pessoa com deficiência, apoios, tecnologia acessível, etc. Tenho um canal no Youtube chamado Tecla3”. Do ponto de vista financeiro, “tinha um apoio do Estado que qualquer pessoa com deficiência pode pedir”, mas optou por pedir “só a base” porque “se pedisse o apoio completo era uma complicação se arranjasse trabalho”.

Com o avançar dos anos, começou a pensar no futuro: “Uma pessoa com deficiência também tem objetivos. Quero ter casa, mulher, filhos. É um direito. E, perante esta situação, registei-me na Valor T.”


“Estou a viver um sonho”

Confessa que “a ideia inicial” era arranjar um emprego que lhe permitisse “sair às 5h00 da tarde” e continuar a trabalhar no seu projeto. Até que a realidade o surpreendeu: “Para meu espanto, o match deu-se com a Valor T. Senti que o projeto era completamente diferente. Quando abordava as minhas deficiências, diziam que eu era forte numas coisas e os outros noutras. Nunca me senti excluído. Estou a viver um sonho que nunca sonhei. Estou a trabalhar na área para a qual estudei e na área da deficiência, que é algo que eu já fazia”

Começou a trabalhar na Valor T há menos de um ano. No entanto, talvez por sentir que está a cumprir o seu propósito de vida, Pedro abraçou o trabalho e a causa de tal forma que já faz demonstrações e workshops em empresas para dar a conhecer a Valor T: “Muitas vezes, as empresas têm medo de empregar pessoascom deficiência.

Ultimamente, tenho sentido que algo mudou. Há interesse em conhecer-nos, em trabalhar connosco, em evoluir para um mundo mais inclusivo”.


“A ver se um dia chego a chef”

Na cozinha do Hotel Pestana Palace encontramos o jovem Ricardo Pacheco 21 anos, a trabalhar com entusiasmo com o chef executivo Pedro Inglês Marques. “O Ricardo não tinha grande noção de cozinha. Então, foi preciso começar do zero. Mas, às vezes, começar do zero é mais fácil do que trabalhar com pessoas que já sabem”, explica Pedro Inglês Marques, chef-executivo do Hotel Pestana Palace Lisboa há 13 anos.

Ricardo tinha, apenas, passado por um curso de cozinha “durante um mês”, de onde saiu para ir trabalhar “nas obras”. Nos outros trabalhos por onde passou, ninguém sabia das suas limitações. No Pestana Palace, sabem. E isso não faz qualquer diferença. “Dou-me bem com os colegas, falamos muito, brincamos. Ajudamo-nos uns aos outros. Aqui somos todos iguais. Somos pessoas normais. E o chef é 5 estrelas”, garante o jovem ajudante.

Através da Valor T, chegou à cozinha do Hotel Pestana Palace Lisboa, onde trabalha há cerca de três meses: “Estou a gostar muito. Sinto que estou a evoluir e quero continuar para ver se, um dia chego a chef”, admite, sorridente.

Estudou até ao 12º ano, apesar de ter “dificuldade na leitura e na escrita”: “Sei ler alguma coisa. Consigo ler palavras pequeninas. Escrever não consigo mesmo, só a copiar”, explica

Apesar das limitações, nunca virou as costas ao trabalho:passou pela construção civil durante “três ou quatro meses”, esteve “uma semana numa empresa de limpeza de vidros” e, depois, ficou “um ano em casa à procura de emprego”: “Cheguei a ir a uma entrevista no aeroporto- acho que era para limpeza de aviões - mas, na hora de assinar o contrato, disseram que não podia porque não sabia ler nem escrever”, conta.

O chef Pedro Inglês Marques também garanteque “a integração foi muito saudável”, até porque, na sua equipa, “ninguém coloca ninguém de parte”: “Se conseguirmos chegar às dificuldades do próximo, é fácil ajudar. Há respeito mútuo e todos nos valorizamos enquanto seres humanos. Às vezes, é mais difícil conseguir isso em cozinhas ex-libris, aqui somos simples. Temos muito trabalho, mas fazemos acontecer”.




“Procuramos o melhor match possível”



A Valor T, agência de empregabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para pessoas com deficiência, assinou um protocolo com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e mais 37 entidades com o intuito de promover a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência no acesso ao mercado de trabalho.


Vanda Nunes, diretora da agência Valor T

Quase a assinalar dois anos de existência, a Valor tem 180 empresas registadas, embora só cerca de 50 estejam a colocar candidatos no mercado de trabalho. Vanda Nunes tem “esperança que, daqui a algum tempo, todas estejam a recrutar” até porque - assegura - o objetivo é alargar esta missão a todo o país.

Como é que funciona a Valor T?

A plataforma tem duas entradas. Uma para candidatos que são pessoas com deficiência que procuram trabalhar e concretizar os seus sonhos e outra entrada onde se registam as empresas que querem trabalhar connosco.

Como tem sido a experiência durante estes dois anos?

Antes de nos lançarmos, ouvimos algumas empresas que já tinham boas práticas nesta experiência de integração de pessoas com deficiência, para ver como faziam e como envolviam as equipas neste processo. As coisas foram evoluindo e já temos 180 empresas registadas.

Do total de empresas registadas na plataforma, quantas estão, efetivamente, a contratar?

Das 180 empresas registadas, só cerca de 50 estão a colocar candidatos no mercado de trabalho. A partir do momento em que se registam na Valor T, começam por ter ações sensibilização. Já aconteceu os candidatos serem colocados e a experiência não correr bem. Nesse caso, procuramos encontrar uma nova oportunidade para a pessoa e um novo candidato para a empresa. Existe um trabalho contínuo e procuramos seguir um caminho positivo.

O que é que falta para as restantes empresas registadas também contratarem?

Temos esperança que, daqui a algum tempo, todas as 180 empresas estejam a recrutar. Para já, a maioria está numa fase de preparação para o recrutamento. Não as pressionamos para a contratação, somos parceiros da empresa.

Em que sentido?

Imagine-se que uma empresa precisa de um rececionista. Trabalhamos com a empresa em backoffice e vamos ver que candidatos temos. Por exemplo, um rececionista para uma empresa como a Sonae não é igual a um para uma empresa como o Pestana Hotel… procuramos o melhor match possível.

O que é que muda com a assinatura deste protocolo?

O facto de, a partir de agora, podermos ter connosco as associações e entidades financiadas pelo IEFP e com experiência na colocação de pessoas com deficiência. É tudo feito de uma forma ainda mais próxima.

Em que setores colocam os candidatos?

São vários setores empresariais: a grande distribuição é um deles. Existe a Sonae, o Pingo Doce, etc, que têm oportunidades de trabalho em todos os pontos do país. No dia da assinatura do protocolo, 11 de abril, dois trabalhadores do Grupo Pestana colocados ali pela Valor T receberam a visita da ministra [da Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho]: o Ricardo, que tem deficiência cognitiva, e está na cozinha a trabalhar com o chef no Pestana Palace Hotel e a Elizabete, de 48 anos, que é surda e está na copa do Pestana Palace CR7, na Baixa de Lisboa. Aqui fizeram adaptações na copa: em vez da entrada a toque de campainha - não podia ser porque a Elizabete não ouve - passaram a comunicar uns com os outros através de post-its.

É um exemplo de boa integração…

Muitas vezes, temos nós de ultrapassar a presunção de incapacidade em relação às pessoas com deficiência. Na Valor T, estão a trabalhar duas pessoas com paralisia cerebral: a Cátia é assistente social e está na área do match. O Pedro é um criativo, especialista em dar apoio no website da Valor T. Ele e a Cátia vão muitas vezes apresentar a Valor T às empresas e falam da sua própria experiência.

Em que é que consistem essas apresentações às empresas?

Uma vez disse ao Pedro: “Vamos ter uma ação de apresentação da Valor T numa empresa. Temos 1h30 para fazê-la e temos de ser concisos”. Ele olha para mim e diz: “Para mim é muito simples explicar num minuto. Diga só isto: ‘Eu não quero ser um pensionista, quero ser um contribuinte’”.

Quais são os próximos desafios para a Valor T?

Os desafios da Valor T serão sempre muitos, para melhor responder às pessoas e empresas que nos procuram, no entanto salientamos dois: Contribuir para a coesão em todo o território e contribuir para a capacitação dos nossos candidatos, apoiando-os a adquirir mais competências para integrar o mercado de trabalho.”

Por Boas Causas