João Lourenço salientou que se trata de "um sincero arrependimento".
O Presidente angolano, João Lourenço, pediu esta quarta-feira desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo após o alegado golpe de 27 de maio de 1977, salientando que se trata de "um sincero arrependimento".
"Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias", disse o chefe do executivo angolano.
João Lourenço dirigia-se ao país numa comunicação transmitida pela Televisão Pública de Angola, na véspera da data do alegado golpe de 27 de maio de 1977, que será pela primeira vez assinalado com uma homenagem em memória das vítimas.
"O pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras e reflete um sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que estas famílias carregam por falta de informação quanto aos seus entes queridos", acrescentou.
O pedido de desculpas era uma reclamação dos sobreviventes e das organizações que representam as vítimas e os seus descendentes, agrupadas na Plataforma 27 de Maio.
O chefe do executivo angolano anunciou também que na quinta-feira será iniciado o processo de entrega das primeiras certidões de óbito aos familiares e nos próximos dias terá início o processo de localização dos restos mortais e ossadas de figuras destacadas envolvidas na alegada tentativa de golpe, como Nito Alves, Sita Vales, José Van Dunem, ex-militares e outras vítimas do 27 de maio, para exumação e entrega aos familiares.
Serão ainda entregues as ossadas de Jeremias Chitunda (vice-presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola, oposição) e outros tombados em combate no conflito pós-eleitoral de 1992 na cidade de Luanda.
João Lourenço admitiu que, devido ao tempo decorrido, poderá não ser possível localizar todas as vítimas, mas garantiu que serão feitos todos os esforços para que as famílias possam realizar um funeral condigno e pediu a compreensão de todos para os casos em que não for possível atingir este objetivo.
"Acreditamos que este gesto carregado de emoção e de um grande simbolismo proporciona um grande alívio às famílias das vítimas, mas também ao Estado angolano que, através do seu executivo, decidiu quebrar um silêncio de mais de quatro décadas", salientou o Presidente de Angola, indicando que nos próximos dias serão iniciadas as escavações para materializar o que foi anunciado.
João Lourenço recordou os trágicos acontecimentos que enlutaram o país em 1977, num momento em que se passavam dois anos da proclamação da independência nacional e em que "ninguém imaginava que as divisões internas dos movimentos de libertação seriam transportadas para o interior do país no período pós-independência e com consequências tão trágicas que deixaram feridas profundas nos corações dos angolanos".
Lembrou que nessa altura "um grupo de cidadãos levaram a cabo uma tentativa frustrada de golpe de Estado, matando altas figuras do poder instituído", com destaque para o então ministro das Finanças, Saidy Vieira Dias Mingas, e reconheceu que a reação das autoridades da época foi "desproporcional e levada ao extremo, tendo sido executadas execuções sumárias de um número indeterminado de angolanos, muitos deles inocentes".
Para João Lourenço, a postura de um Estado "deve ser ponderada e comedida pelas responsabilidades que tem na defesa da Constituição, da lei e da vida humana".
Realçou que Angola tem desempenhado nos últimos anos um papel conciliador e apaziguador de conflitos internos na região e que é importante trabalhar continuamente para sarar as suas próprias feridas, tendo dado início a um processo de reconciliação e criado nesse contexto a CIVICOP (Comissão de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Políticos).
"Naquela altura pareceu ser mais um exercício de cosmética que não tinha um objetivo claro a alcançar, mas a pouco a pouco o ceticismo de muitos foi dando lugar à esperança de que o processo era sério. Hoje podemos dizer que a confiança superou o ceticismo e que o sucesso da comissão encorajou o chefe de Estado a dar este passo", considerou.
Encorajou todos os outros atores e participantes dos conflitos a fazer o mesmo e sublinhou que "a História não se apaga" e que "a verdade dos factos deve ser assumida para que as sociedades tomem medidas preventivas para evitar que tragédias idênticas se repitam".
Aludiu ainda às vítimas de outros acontecimentos como as mulheres das fogueiras da Jamba, passageiros do comboio do Zenza do Itombe e os mártires do Kuito e do Huambo, mostrando-se convencido de que "com este gesto as almas das vítimas dos conflitos políticos terão a paz necessária para o repouso eterno", num virar de página que conduza à reconciliação dos angolanos independentemente das cores partidárias.
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação que terá sido liderada por Nito Alves - então ex-ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto.
Seis dias antes, a 21 de maio, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MLPA, no poder) expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo paralelamente, o controlo da estação da rádio nacional, um movimento que ficou conhecido como "fraccionismo".
As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se, depois o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional em vários relatórios sobre o assunto.
Em abril de 2019, o Presidente angolano ordenou a criação de uma comissão (a CIVICOP), para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 04 de abril de 2002 (fim da guerra civil).
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