“A sustentabilidade é uma questão de bom senso”
A Inteligência Artificial poderá ajudar as empresas na sustentabilidade, mas Paulo Macedo alertou que a “IA vai ter uma implantação exponencial tanto em produtos e serviços mas, em termos de aplicações muito concretas, vai demorar tempo”.
“A sustentabilidade na Europa e em Portugal não é opcional”, disse Paulo Macedo, CEO da Caixa Geral de Depósitos, na abertura do Encontro Fora da Caixa, dedicado à “2.ª edição dos Prémios Caixa ESG: Os Desafios das Empresas na Era ESG”, que se realizou ontem no Teatro José Lúcio da Silva em Leiria.
Explicou que as razões são várias. Os consumidores querem saber se as empresas cumprem este tipo de regulamentação e se são amigas do ambiente. As pessoas, quando procuram emprego, designadamente os jovens qualificados, querem saber o posicionamento da empresa na área da sustentabilidade e do verde. “As pessoas visualizam riscos e materializam-se riscos que, há alguns anos, não víamos a sua materialização da mesma maneira”, afirmou Paulo Macedo, que apontou ainda para a criação de “um mercado para os investidores através de obrigações e fundos de investimento e há uma procura clara por parte de obrigações e dívida verdes, empresas que respondem à sustentabilidade”.
Referiu-se também à revolução contra a regulação, que não é apenas um apelo à diminuição da regulação, com o qual muitos setores concordam, mas “existe um backlash, uma reação adversa à regulação, principalmente por parte dos Estados Unidos, para o qual o clima não é uma prioridade e não deve haver custos imputados às empresas para elas se adaptarem”.
O excesso de regulação?
Para Paulo Macedo, a dúvida é se a regulação, em que há uma grande exigência, se mantém ou se se ponderarão alterações quando a regulação for excessiva. “Temos de acreditar que temos de fazer por questões de solidariedade e de lógica. Por exemplo, Portugal contará para a pegada de carbono com menos de 0,01%, o Reino Unido faz cerca de 2 a 3%. A Europa, como um todo, não é o grande poluidor. Os grandes poluidores são os Estados Unidos, a China e, depois, a Índia e a Rússia.”
Assunção Cristas, sócia da Vieira de Almeida e professora da Nova School of Law, começou por considerar que as “empresas com excesso de regulação também se inibem de fazer investimentos”. Considera que a legislação europeia nesta área da sustentabilidade, ESG, está “muito virada para fomentar os melhores investimentos do ponto de vista da sustentabilidade. Isto traz exigências grandes para as empresas, sobretudo para um tecido empresarial feito de PME, que têm muita dificuldade em poder acompanhar porque são temas muito técnicos e exigentes”.
Salientou que “a arquitetura legislativa europeia assenta em dois pilares, o setor bancário e financeiro e as grandes empresas, que acomodam a generalidade das obrigações. Mas estas estão desenhadas de maneira a repercutirem-se ao longo da cadeia”. Na prática, as grandes empresas e o sistema bancário e financeiro têm a responsabilidade e a capacidade de contagiar com a sustentabilidade o restante tecido empresarial.
“Fazer negócios de forma sustentável é mais exigente, mas a exigência, tal como a competição, torna-nos melhores. A relação está montada para ter um efeito mais imediato nas grandes empresas e, através do canal do sistema bancário, os requisitos de sustentabilidade serem canalizados para a restante componente económica. As PME não têm um efeito tão direto da regulação, mas sofrerão muito rapidamente o efeito das cadeias de valor das grandes empresas e das exigências que os bancos financiadores e as empresas lhes vão colocar”, defendeu Filipe Santos, dean da Católica Lisbon Business School.
Como explicou Francisco Cary, administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos, esta criou um modelo proprietário de rating ESG com o qual classifica as 400 mil empresas, e que se traduz em quatro ratings: Fraco, Satisfatório, Bom e Forte. “Depois, na avaliação dos projetos, fazemos uma diferenciação positiva. As empresas que têm ratings Bom e Forte obtêm um pricing mais favorável tanto nas condições de financiamento como na remuneração das aplicações financeiras. É uma forma de dar um estímulo financeiro ao seguimento das práticas sustentáveis”, afirmou Francisco Cary.
Assunção Cristas aludiu ainda ao papel que a Inteligência Artificial pode ter na simplificação de um quadro que “é bastante complexo”, e que uma IA “mais difundida, mais operacional e com pessoas mais capazes de a utilizar será mais fácil. Neste momento, estamos em tempo de transição e de expectativa”. Mas Paulo Macedo já alertara que a “IA vai ter uma implantação exponencial tanto em produtos e serviços, mas, em termos de aplicações muito concretas, vai demorar tempo. Há um potencial enorme na IA, mas a sua materialização demora mais tempo”. Deu o exemplo da construção de uma assistente digital para reclamações, à semelhança do JP Morgan, que, como é muito mais aberta, demora cerca de um ano. A assistente digital da Caixa já respondeu a mais de 900 mil perguntas.
Sustentabilidade e bom senso
Para Filipe Santos, a sustentabilidade é uma questão de bom senso que, no fundo, diz que não podemos fazer negócio no presente comprometendo o futuro. “Fazer negócio de uma forma sustentável é uma questão de puro bom senso e bom negócio. Colocar este nível de exigência auxilia-nos a ter um patamar de excelência maior no que fazemos, desde que a regulação esteja focada em temas objetivos, relevantes para o bem-estar das sociedades e das populações, e não em temas da moda, ideológicos ou outros. Tem de haver uma adequação da regulação com sensatez”, considera Filipe Santos.
Por sua vez, Inês Costa, associate partner na Deloitte Risk Advisory para a área de Sustentabilidade e Clima, considerou que “olhar para o ESG como sendo algo puramente de compliance, no entender da Deloitte, é um erro. Se não soubermos aproveitar a informação que é recolhida e está a ser trabalhada, ouvir os stakeholders, ouvir e perceber que riscos e oportunidades podemos agarrar num futuro bastante incerto, é um erro. Temos de olhar para essa abordagem de um ponto de vista estratégico, de criação de valor e de oportunidades”.
Referiu ainda que, pouco tempo depois de Donald Trump ter tomado posse como presidente dos Estados Unidos, o Departamento de Segurança dos Estados Unidos emitiu um documento que rapidamente foi retirado do online, mas que, entretanto, já tinha sido partilhado. Tinha como tema o impacto financeiro dos eventos climáticos extremos nos últimos 20 anos nos Estados Unidos. “A fotografia que apresenta é muito clara. Entre 1980 e 2024, os custos diretos e indiretos de 403 desastres relacionados com alterações climáticas ascendem a 2,9 biliões de dólares, já com ajuste de preços ao consumidor. Se a frequência destes eventos nos Estados Unidos era, em média, de nove entre 1980 e 2020, a frequência entre 2020 e 2024 foi de 23 eventos”, informou Inês Costa.
“Estes temas da sustentabilidade são, hoje em dia, muito falados, e bem, mas para nós, no Grupo DST, não são nada de novo, de ontem; é uma visão que já vem de décadas, de gerações”, afirmou Hélder Aguiar da Cunha, gestor de Sustentabilidade do Grupo DST. Referiu-se à intensidade dos desafios que são transversais ao setor da construção, como encontrar materiais alternativos aos que têm uma maior pegada de carbono, como o cimento e o aço, até à descarbonização da maquinaria pesada envolvida na construção. Salientou que “já começa a haver alguns fabricantes que apostam na eletrificação desses equipamentos, mas estamos ainda a falar de projetos-piloto, sem soluções viáveis atualmente para substituir maquinaria pesada por opções mais eletrificadas e sem pegada carbónica”.
Para Helena Costa, administradora da Luso Finsa, “o grande desafio é o envolvimento de todos, tanto dos colaboradores como da cadeia de valor, as empresas que trabalham connosco, colaboradores diretos e indiretos”. Acrescentou que “se não houver uma cultura de responsabilidade ambiental, social e de governance, é difícil realizar o que quer que seja. É muito importante que o ESG não seja algo que acontece em paralelo ao que é a empresa”.
Durante esta conferência, realizou-se a entrega dos Prémios Caixa ESG, a 2.ª edição de uma iniciativa da Caixa que visa reconhecer e estimular as empresas portuguesas que assumem um compromisso com os objetivos do desenvolvimento sustentável e que incorporam os critérios ESG na sua gestão e na sua atividade.
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