Plano de Recuperação e Resiliência vai entrar na fase do cimento
A falta de mão de obra, a imigração, os atrasos e as demoras nas candidaturas e nos pagamentos, e o papel da Inteligência Artificial, marcaram o "Encontro Fora Caixa" sobre os fundos comunitários e o tecido empresarial português.
"A maioria da execução do Plano de Recuperação e Resiliência ocorrerá em 2025 e 2026. Para além das grandes obras públicas, como o metro e as barragens, será necessário construir 26 mil casas, construir e reabilitar 75 escolas, centros de saúde e diversas infraestruturas municipais. Para alcançar estes objetivos, será indispensável muita mão de obra e maquinaria, num contexto em que, nas últimas décadas, muitas empresas de construção civil encerraram atividade", referiu Hélder Reis, secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, durante o Encontro Fora da Caixa. Esta conferência, organizada pela Caixa Geral de Depósitos, com o apoio do Correio da Manhã, teve como mote: "Fundos Comunitários e a Transformação do Tecido Económico de Portugal", e teve lugar esta quarta-feira no Centro Multimeios de Espinho.
A mão de obra e o PRR também passaram pela intervenção de Paulo Moita Macedo, presidente executivo da CGD. "Não podemos dizer que a imigração é um problema, porque sem imigração o PIB de Portugal cai abruptamente. Na imigração, o que se pode discutir é a sua composição, a qualificação, os países de origem, porque precisamos de imigração tal como outros países", disse Paulo Moita Macedo. A imigração representa hoje quase 10% da população, "o que é um marco significativo e incluímos as pessoas, ou podemos ter um problema. Uma das formas de inclusão é na entrada e a outra é darmos-lhe oportunidades de qualificação", disse Paulo Moita Macedo.
Paulo Moita Macedo falou ainda do impacto dos fundos comunitários no crescimento da economia. No PRR foram despendidos "cerca de 5 mil milhões de euros de 19 mil milhões aprovados. É um fator que terá efeitos no investimento em 2024 e um efeito muito forte em 2025 e 2026. Esta dinamização do investimento é necessário, mas exige bastantes meios ao Estado e ao sistema financeiro".
A revolução da Inteligência Artificial
O presidente executivo da CGD sublinhou ainda o impacto da revolução tecnológica, revelando que "os bancos fazem hoje 89% do seu negócio por meio de meios digitais, 11% do seu negócio através dos balcões, em termos de transações com as pessoas". Referiu ainda o impacto da Inteligência Artificial (IA). "Em 2023 a nossa assistente falou com 1,5 milhões de clientes e resolveu as questões que as pessoas tinham", disse Paulo Moita de Macedo.
Hélder Reis disse haver atrasos na avaliação das candidaturas e nos pagamentos às entidades beneficiárias. A aceleração dos processos passará por "combinar o trabalho das equipas que temos com a utilização de nova tecnologia como a Inteligência Artificial que permita eliminar etapas do processo". Hélder Reis frisou que "nunca a máquina avaliará as candidaturas na sua globalidade, a máquina ajudará em algumas etapas da avaliação da candidatura e preparará o dossiê para os técnicos poderem apreciar e avaliar as candidaturas".
Revelou ainda que tem adicionado IA aos fundos comunitários, nomeadamente com a avaliação de risco, de incumprimento, de fraude. "Temos matrizes de risco que permitem aumentar a eficiência. O próprio modelo permite identificar projetos onde a probabilidade de risco é mais elevada e serem estes os selecionados para uma análise pelos técnicos", disse Hélder Reis.
A revisão dos prazos
"Temos 1/3 dos 463 metas e dos marcos cumpridos, que era o que estava acordado com a Comissão Europeia, o que significa que temos de cumprir 2/3 dos marcos e das metas", disse Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR. Assinalou que estas metas e marcos "são muito mais exigentes dos que já se cumpriram, mas com a previsível reprogramação o seu cumprimento ser feito. São mais exigentes porque têm a ver com a concretização de obras, de novos produtos, de processos inovadores, de descarbonização da indústria, com investimentos no hidrogénio e gases renováveis e da digitalização".
"Há muito projetos que pedem a revisão desta meta de 2026" afirmou Duarte Braga, CEO da Lifthium Energy (Grupo José e Mello). Acrescentou que esta alteração "depende da Comissão Europeia, mas também há outros países que estão neste barco de um possível adiamento, mas é um ponto que não está definido, será objeto de discussão futura". Duarte Braga salientou que no grupo José de Mello, "já fizemos reestruturações de projetos que nos foram concedidos, porque já mudamos o escopo para que essa meta fosse alcançada, mas há projetos em que isso não é possível, e sabemos haver agendas mobilizadoras que já caíram".
Os exemplos dos apoios
Os fundos comunitários são um dos vetores do desenvolvimento e da modernização do tecido industrial em Portugal. "Sou catedrático em empréstimos, desde 2008 que acedo a linhas de apoios e, agora, sou beneficiário do PRR num investimento de 5,6 milhões de euros, 2,7 milhões são a fundo perdido. Assenta muito na base da inovação do produto e na internacionalização e também em parcerias com universidades para conseguirmos desenvolver soluções e escalar negócio para fora de Portugal", referiu António Jorge Tavares, CEO da Perfinox-Indústria Metalúrgica.
Também Miguel Cardoso, administrador e COO do Grupo M. A. Silva, fez um elogio ao PRR porque permitiu à empresa dar um passo em frente na descarbonização, com uma central térmica interna e painéis fotovoltaicos que irão entrar em funcionamento dentro de nove meses. Eliminam 75% das emissões de CO2 desta unidade industrial da empresa, que faz rolhas de cortiça de valor acrescentado e tem três unidades produtivas.
Bernardo Maciel da Yunit Consulting falou sobre o papel das consultoras no apoio às empresas em projetos candidatos aos fundos comunitários. "A nossa experiência pode ser uma mais-valia, mas não conseguimos resolver as demoras e os atrasos". Contudo, "há uma linha condutora nos quadros comunitários que orienta as tipologias dos projetos que são apoiados. Esta ajuda pode ser relevante. Depois também nas boas práticas e no que a melhor forma de ter uma candidatura aprovada", referiu Bernardo Maciel.
A intervenção da CGD no âmbito de projetos apoiados pelo PRR, pelo PT2030 e outros quadros semelhantes, faz-se ao longo da cadeia de vida dos projetos. Pode começar com uma carta de intenção de financiamento, ainda que condicionado a uma análise mais detalhada dos projetos, a que se poderá seguir uma antecipação de fundos depois da aprovação do projeto.
"No tempo da execução, disponibilizamos recursos complementares, porque há muito projetos que, além da componente de capital próprio e de fundo perdido, têm necessidade de financiamento bancário. Depois há projetos que, numa fase posterior, as empresas têm de dar de garantias bancárias devido ao cumprimento de determinadas metas que estavam associadas ao investimento, para não ser necessário devolver parte do dinheiro", concluiu Francisco Cary, administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos.
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