Outras Histórias de Abril
José Guilherme estava a fazer a recruta na polícia militar, Manuela Cruz descobriu que tinha um vizinho pide. Conheça outras histórias que ajudam a traçar o retrato do dia em que Portugal respirou Liberdade.
José Guilherme estava a fazer a recruta na polícia militar, Manuela Cruz descobriu que tinha um vizinho pide. Há dezenas de histórias sobre o 25 de Abril de 1974 que fazem parte da memória coletiva do País, muitas imortalizadas pela lente do fotógrafo Eduardo Gageiro. Foi na exposição "Factum"*, onde Gageiro expõe algumas das imagens mais icónicas da revolução, que nos cruzámos com outras histórias que ajudam a traçar o retrato do dia em que Portugal respirou Liberdade.
"Queríamos correr com o almirante [Henrique Tenreiro] de lá para fora"
José Guilherme Gomes era recruta na polícia militar e estava no quartel da Ajuda, em Lisboa, onde um dos homens fortes de Salazar se refugiou na madrugada de 24 para 25 de Abril de 1974. O almirante Henrique Tenreiro, presidente da Junta Nacional de Fomento das Pescas e figura destacada do regime, era amigo do comandante, mas os polícias queriam-no fora do quartel: "Queríamos correr com o almirante de lá para fora porque não queríamos que estivesse lá a fazer barulho". Tenreiro viria a ser detido e preso em Caxias, antes de fugir para Espanha, já em 1975, e se exilar depois no Brasil. Recordando aquela madrugada já longínqua e os tempos que se seguiram, José Guilherme suspira: "Foi uma sensação de liberdade que as pessoas nem sabem o que era isso".
"Dezanove anos, a vida pela frente e um País novo"
A emoção toma conta de Manuela Dias, médica cirurgiã, quando recorda os tempos vividos em abril de ’74. Com 19 anos, sentiu a esperança de ter a vida pela frente num País que se libertava das amarradas da ditadura. Aluna na Faculdade de Medicina do Porto, Manuela viva tempos intensos na universidade, que tinha sido ocupada por pides. Faziam reuniões em segredo e, com frequência, alguns colegas mais interventivos acabavam presos. No dia 25 de Abril, na Invicta, sentia-se a agitação, mas Manuela garante que a informação sobre o que se passava "não era muito consistente". E recorda que só no 1.º de Maio houve a certeza de que a liberdade e democracia tinham vindo para ficar.
"Ficámos com muita curiosidade e acabámos no Largo do Carmo"
Na noite de 24 de abril, quando já havia movimentações e os militares estavam a postos para fazer a revolução, José Mendes Ribeiro, na altura com 17 anos, saía da ópera "La Traviata" no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Foi de metro até casa, no Campo Grande, e não se apercebeu dos ventos de mudança que soprariam no dia seguinte. Movido pela curiosidade adolescente, na manhã do dia 25 acabou com os colegas no coração da revolução. Esteve no Largo do Carmo até soar a rajada de metralhadora que levaria o presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, a render-se.Esse dia e os que se seguiram foram vividos com grande emoção, mas José não esquece a "memória amarga" de ter visto um homem a ser espancado no Rossio. Desconhece se seria um pide, mas lembra-se que o chocou a violência e ver um Alfa Romeo Berlina 2000, que tanto cobiçava, ficar totalmente destruído.
"Portugal era um País triste"
Na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, Artur Pinto, publicitário com 32 anos, foi acordado com um telefonema do pai, cerca das 5 horas, a avisá-lo que havia tanques na rua. Ficaram ambos apreensivos, com receio de que o golpe pudesse ser da extrema-direita, descontente com as políticas de Marcello Caetano. Artur Pinto, que já tinha pertencido ao PCP e estado preso durante uns meses, em 1965, foi ter com um amigo e pegaram no carro para ir sentir o pulso à cidade. Aos 81 anos, o antigo publicitário – que chegou a integrar a equipa do secretário de Estado da Organização Regional e Local no IV Governo Provisório – recorda como o país era triste e fechado e como o 25 de Abril permitiu "outro prazer de viver".
"Soubemos que a PIDE estava a resistir e ouvimos tiros da [rua] António Maria Cardoso"
Agostinho Monteiro foi acordado pela mãe, mais cedo do que o habitual, naquela manhã que mudaria o País. Foi ter com um colega de liceu e correram para o Rossio, na baixa lisboeta, para perceber que movimentações eram aquelas. Esteve perto da sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, onde ouviu os tiros e assistiu a uma "correria louca" e recorda o momento histórico em que o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares pegou no megafone, no Largo do Carmo, e explicou à população o que se estava a passar. Sempre que vê fotografias do 25 de Abril no Largo do Carmo, Agostinho tenta descobrir-se por lá. Nunca se encontrou, mas nesta exposição de Eduardo Gageiro acabou por ser surpreendido por velhos amigos retratados numa fotografia.
"Soube que tinha um pide no prédio"
Aos 15 anos, Manuela Cruz ia com uma colega a caminho do liceu, em Lisboa, quando começou a perceber que algo se estava a passar. Já não houve aulas nesse dia e quando regressou a casa, Manuela viu o prédio cercado por polícias e a porteira muito preocupada. Descobriu que vivia um pide no prédio, que entretanto tinha fugido. "Foram umas vivências fortes", recorda, 50 anos depois.
"Ainda hoje considero [o 25 de Abril de 1974] o dia mais feliz da vida"
A liberdade só se instalaria no País a 25 de Abril, mas o atual ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa já "era uma ilha de liberdade". Quem o garante é Carlos Bastien, que estava a terminar o curso de Economia quando a revolução estalou na capital. No dia em que tudo aconteceu, Bastien, com 22 anos, percebeu que algo se passava ao início da manhã, quando se cruzou com veículos militares e viu o banco fechado. No meio da incerteza, passou o resto do dia fechado numa casa em Alcântara com outros camaradas do PCP e só ao final do dia é que saiu para a rua, para dar início a uma festa que se estenderia pelos dias seguintes. "Ainda hoje considero o dia mais feliz da vida", confessa.
*A exposição "Factum", de Eduardo Gageiro, está patente até ao dia 5 de maio de 2024 no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, em Lisboa
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