
Depois da frustração da derrota na prova dos 10,000 metros nos Jogos Olímpicos de Montreal em 1976, Carlos Lopes estava decidido a fazer história.
Nessa prova, Lopes conquistou prata, um feito histórico para Portugal, a primeira medalha olímpica do atletismo nacional. Perdeu para o finlandês Lasse Viren.
Os treinos para Los Angeles começaram muitos meses antes da prova. Lopes treinava duas vezes por dia, treinos bi-diarios, de manhã e de tarde. Fazia cerca de 36 quilómetros por dia.
Muitos dos treinos eram realizados na Segunda Circular, em Lisboa. Chegou a sair do Estádio de Alvalade e foi até ao Estádio Nacional, no Jamor.
Estudar os adversários, os principais, e as distâncias, foi assim que se preparou durante os vários meses que antecederam a viagem para Los Angeles.
O Susto
Faltavam cerca de 15 dias para a prova para a qual vinha a treinar há vários meses, a maratona nos Jogos Olímpicos de Los Angeles de 1984.
Nos últimos dias de trabalho em Lisboa e depois de acabar o treino, em frente ao Estádio da Luz, Lopes foi atropelado por Lobato Faria, comandante da TAP e candidato à presidência do Sporting, clube que Carlos Lopes representava.
"Dei três cambalhotas no ar, tive o cuidado de meter a mão atrás da nuca", contou ao CM.
Milagrosamente, estava ‘tudo bem’, apenas ficou esfolado devido ao impacto da colisão. Só voltou aos treinos, reduzidos, três dias depois. Admite nunca ter perdido a esperança de ir aos Jogos.
Último dia dos Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles. Carlos Lopes, na altura com 37 anos, era o mais velho na prova da maratona entre os 114 participantes.
Tudo tinha sido preparado ao pormenor por Lopes. Em Portugal, treinava durante as horas de maior calor, entre as onze da manhã e a uma da tarde, era a temperatura esperada para o dia da prova em Los Angeles.
Para combater a forte humidade que sabia que ia enfrentar, Lopes decidiu perder um quilo, pesava 54kg e quando chegou a Los Angeles tinha 53kg.
No dia da prova foi levado para um pavilhão com os restantes participantes, era ali que deviam aquecer para a prova. Lopes rejeitou e arranjou maneira de se preparar fora do pavilhão. Antes da partida disse à mulher: "Vai andando e espera lá [no estádio] por mim".
Cerca das 17h00 em Los Angeles, madrugada em Portugal, dá-se a partida. Os primeiros cinco quilómetros foram os mais complicados, os que mais custaram, revelou Carlos Lopes em várias entrevistas.
"Treinei para ganhar nos últimos cinco quilómetros. Quando cheguei aos 37 quilómetros quem tinha de resolver era eu", assumiu em declarações.
"Aos 37 quilómetros, então sim, as hostes nacionais começaram a roer as unhas. Não estávamos juntos nem podíamos estar. Dirigentes, secretário de Estado e seu adjunto e diretor-geral dos Desportos na bancada dos ‘vips’.Nós, jornalista, distantes uns dos outros apenas alguns metros, trocando olhares de alegria, e no fundo de uma certa surpresa, passámos a contar os minutos e os segundos, enquanto o ‘écran’ gigante do estádio olímpico nos mostrava um Lopes a distanciar-se de John Treacy e Charles Sppeding, cada vez mais perto da meta", escreveu Moura Diniz, enviado especial do Jornal ‘Record’ a Los Angeles.
Quando arrancou para os últimos quilómetros, Carlos Lopes sabia que tinha de se controlar. O mais difícil estava feito, atacou e descolou dos dois concorrentes diretos, o irlandês John Treacy e o britânico Charles Spedding.
No estádio, a mulher, os jornalistas, toda a comitiva nacional e os vários portugueses nas bancadas olhavam para o ecrã gigante. Alguns contidos outros a adivinhar o que ali se viria a concretizar.
"Aqueles últimos instantes foram júbilo e sofrimento simultâneo. Uns gritando vitória antecipada, outros fazendo calar os mais emocionados, não fosse aquilo dar azar", desenhou o enviado especial do jornal ‘Record’, Moura Diniz.
Cerca das duas horas e sete minutos de prova, Lopes entra no estádio. Noventa mil pessoas esperavam a chegada dos atletas. "Uma coisa única. Não há palavras que descrevam a alegria", contou Carlos Lopes, anos mais tarde.
Carlos Lopes entra no estádio Olímpico de Los Angeles, o burburinho é imenso. Surpresa para muitos, mas para outros era a confirmação do trabalho e muito treino.
Meia pista feita em pleno Estádio Olímpico, Carlos Lopes olha por cima do ombro, os segundo e terceiro classificados não tinham hipótese.
Lopes corta a meta em primeiro com o cronómetro a marcar 2:09:20.42. Levanta os braços: "Porra, esta é minha, ninguém me a tira". O português enchia uma nação de orgulho. Em Portugal foram milhares os que acompanharam e festejaram o inédito ouro. A prova terminou às 03h10 da madrugada, hora de Portugal.
Carlos Lopes conseguiu 35 segundos de vantagem do segundo classificado, o irlandês John Treacy.
"O vencedor da medalha de ouro, a representar Portugal, o campeão olímpico… Carlos Lopes", foi assim que o português subiu ao pódio para receber a medalha de ouro inédita para Portugal nos Jogos Olímpicos.
Ainda debaixo de muitos aplausos, depois de receber a medalha de ouro, era tempo de escutar o hino.
Pela primeira vez nos Jogos Olímpicos, "A Portuguesa". A bandeira nacional foi içada e fez-se história nos Estados Unidos.
Carlos Lopes, aos 37 anos, conquistou o primeiro ouro olímpico para Portugal. Na prova da maratona, que terminou em 2:09:20.42, estabeleceu um tempo que só veio a ser batido em 2008 em Pequim.
Em entrevista à cadeia televisiva ABC, antes da prova, Carlos Lopes dizia que o adversário mais complicado seriam 42195 metros. E assim foi, mas nem a distância o bateu. O português eternizou o nome de Portugal nos Jogos Olímpicos.