Green Book foi o Melhor Filme, mas Cuarón, Roma e Netflix foram vencedores
Bohemian Rhapsody leva para casa o maior número de prémios.
Os Óscares de todas as expectativas acabaram por resultar numa cerimónia previsível com poucos momentos memoráveis. Não que tenha sido uma má cerimónia, mas também não foi surpreendente. E no final, dificilmente será a edição pela qual a Academia será lembrada.
Começando pelo mais importante, foram entregues 23 estatuetas por desempenhos fenomenais no mundo do cinema. O grande vencedor (em termos absolutos) foi o filme Bohemian Rhapsody que, apesar das péssimas críticas da imprensa especializada que recebeu, conseguiu quatro Óscares (Melhor Ator, Melhor Montagem, Melhor Mistura de Som e Melhor Edição de Som).
O maior derrotado será certamente o filme A Favorita que das dez nomeações venceu apenas um prémio (Melhor Atriz para Olivia Colman). Black Panther, Roma e Green Book arrecadaram três estatuetas cada. O Melhor Filme foi entregue a Green Book, um filme sobre a segregação racial.
E este Óscar vale a pena, nem que seja para lembrar as atuações de Don Shirley sentado frente a um Steinway & Sons.
Esta foi ainda uma noite agridoce para Alfonso Cuarón. O realizador de Roma subiu três vezes ao palco para receber estatuetas (Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia e Melhor Realizador), mas nunca para receber o prémio que tanto almejava, o de Melhor Filme. No entanto esta não deixa de ser uma tremenda vitória para a Netflix que se posiciona assim lado a lado com os grandes estúdios e produtoras e mostra que tem cartas para dar no mundo dos blockbusters alternativos.
Já A Favorita não podia ter tido uma pior noite. Nomeado para Melhor Filme, Melhor Realizador, Atriz, Atriz Secundária, Argumento Adaptado, Fotografia, e outras três categorias técnicas, apenas Olivia Colman brilhou, tendo arrecadado o Óscar de Melhor Atriz, num dos momentos mais surpreendentes (era quase certo que Glenn Close iria vencer) e ao mesmo tempo humildes da noite. "Isto é genuinamente stressante. É hilariante. Eu ganhei um Óscar", disse uma emocionada Olivia Colman.
Houve ainda um grande espaço para a intervenção social nesta cerimónia dos Óscares. Logo a partir das nomeações deduzia-se que esta cerimónia estava a deixar um grande espaço para os grandes temas da atualidade. Black Panther, BlacKkKlansman e Green Book lidam com os temas da segregação racial e do empoderamento negro. Roma mostra a vida do lado sul da fronteira entre o México e os EUA e é um filme que tenta chamar a atenção para a condição feminina, outro tema abordado por A Favorita.
E nada mostra o quão politicamente engajado foram estes Óscares como dois discursos: o do histórico ativista pelos direitos civis dos negros nos EUA John lewis e o do realizador Spike Lee. Ao lado da deslumbrante e eloquente Amandla Stenberg, um envelhecido, mas decidido John Lewis (um dos grandes líderes da Marcha sobr Washington de 1963) apresentou o filme Green Book.
Se Amanda Stenberg lembrou que este era um filme sobre "intolerância, amizade e crescimento", John Lewis re-afirmou que aquele tempo foi bastante real na história dos EUA. "Está gravado na minha cabeça as nossas irmãs e irmãos negros serem tratados como cidadãos de segunda. Serem agredidos e por vezes mortos pelo crime de tentarem viver uma vida com dignidade. A nossa nação ainda apresenta as cicatrizes desse tempo, como eu mesmo", disse John Lewis.
Stenberg, com menos 60 anos de história (tem apenas 20), emocionou-se com o discurso do gigante intelectual que a acompanhava no palco e teve até dificuldade em ler do teleponto para lembrar que "qualquer viagem que abra os olhos a alguém e lhes amoleça o coração vale a pena fazer". O discurso de ambos foi ovacionado, num dos aplausos mais expressivos da noite.
Uma cerimónia com pouco ritmo e pouco memorável
Uma cerimónia com pouco ritmo e pouco memorávelA noite dos Óscares começou com uma atuação da banda britânica Queen, com Adam Lambert a dar a voz ao hino rock "We Are the Champions". No final, os Queen serão provavelmente uns dos maiores beneficiados com a entrega de estatuetas, com o ressurgimento do interesse a traduzir-se em novos ouvintes e fãs.
Depois resolveu-se de imediato uma das questões que mais pesava entre os seguidores da Academia: quem seria o apresentador? Ou não ia mesmo haver um, este ano. Há exatamente 30 anos que os Óscares não tinham um mestre de cerimónias. E apesar de não ter sido um desastre tão grande como em 1989 (houve um número musical de 12 minutos que é considerado um dos maiores falhanços da história dos Óscares), a verdade é que não houve momentos memoráveis (para o bem ou par ao mal).
Com um apresentador seria melhor? Talvez se alongasse mais e pudesse tornar a cerimónia mais maçadora, mas certamente que seria responsável por também dar mais ritmo. A solução arranjada para este ano foi preencher os tempos mortos com separadores musicados e entrevistas pré-gravadas. É necessário esperar pelos resultados desta noite (nos últimos anos tem-se notado um interesse cada vez menor na cerimónia) para a Academia começar a planear a próxima edição.
Outra das constantes desta cerimónia foi um discurso político, mas estéril, sem um único ataque direto ao presidente dos EUA, ao contrário do que tem sido a norma. No entanto, enquanto apresentava o Óscar para Melhor Filme Estrangeiro, o ator Javier Bardem disse em Espanhol: "Não há fronteiras ou muros que possam restringir o engenho ou o talento", numa farpa ao muro que Donald Trump quer construir na fronteira com o México. Toda a intervenção política foi deixada para os filmes falarem por si mesmos.
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