Manoel de Oliveira: "Sou um grande lutador contra a morte"

Realizador foi entrevistado diversas vezes pelos Cahiers du Cinema.

02 de abril de 2015 às 14:28
Manoel de Oliveira, realizador, cineasta, Foto: José Coelho/Lusa
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Manoel de Oliveira, que esta quinta-feira morreu aos 106 anos, disse numa das entrevistas concedidas à revista francesa Cahiers du Cinema, ser "um grande lutador contra a morte", evocando todo o seu percurso no cinema.

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Numa entrevista publicada na edição de setembro de 2002 dos Cahiers, Manoel de Oliveira dizia que, "enquanto criança, tinha uma inclinação para a tristeza e para a melancolia". Com o tempo, acrescentou, ganhou "gosto pela vida", mas nunca viu "a melancolia afastar-se".

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O cineasta Manoel de Oliveira foi entrevistado diversas vezes pelos Cahiers du Cinema, a revista fundada por André Bazin, em 1951, que teve os cineastas da "nouvelle vague" no seu corpo redatorial. A revista considerou Oliveira "um dos maiores artistas da segunda metade do século XX", quando assinalou o centenário do realizador, em 2008.

Douro é "verdadeiramente sensual"

"O Douro é um local verdadeiramente sensual", disse o cineasta português na mesma entrevista de 2002, numa altura em que eram conhecidos os filmes "Porto da minha infância" e "O Princípio da Incerteza".

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"Os realizadores sentem-se sempre mais inspirados quando filmam em casa", confessou Oliveira, afirmando ainda que "um filme não surge exclusivamente do realizador, o espaço que ele filma produz também certas reações".

Sobre a morte, afirmou: "Creio que o amor por uma paisagem pode ser sensual. Muitas coisas relevam da sexualidade. É um abismo. Mesmo a morte é um ato sexual, o mais virtuoso, o mais belo, o último."

"Desconfio da imaginação"

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Na edição de abril de 1993 da revista, a propósito do destaque dado ao seu filme "O Dia do Desespero" (1992), Manoel de Oliveira disse: "Desconfio sempre da imaginação. (...) Todos os meus filmes são histórias de agonia, da agonia no seu sentido primeiro, no sentido grego, 'a luta'".

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FOTO: Lusa/Fernando Veludo
02-04-2015_13_48_50 CP homenageou o cineasta com um comboio com o seu nome FERNANDO VELUDOLUSA.JPG
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02-04-2015_13_48_54 Festival de Veneza distinguiu o realizador Português com Leão de Ouro. Agência Lusa  .JPG
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02-04-2015_13_49_02 Manoel de Oliveira com Fernanda Matos na celebração dos 70 anos do filme Aniki Bobo no Fantasporto, a decorrer no Rivoli, no Porto - Luís Vieira.jpg
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02-04-2015_13_49_06 Manoel de Oliveira homenageado com uma criação da Vista Alegre Manuel Azevedo.JPG
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02-04-2015_13_49_10 Manoel de Oliveira no Festival de Cannes, em 2007. ReutersJeanPaul Pelissier.JPG
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02-04-2015_13_49_14 Realizador português Manoel de Oliveira na antestreia de 'O Gebo e a Sombra', em Guimarães - Secundino Cunha.jpg
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"Todos os meus filmes mostram que, de facto, todos os homens entram em agonia no momento em que chegam ao mundo. Sou um grande lutador contra a morte. Passei a vida a observar a agonia, cada vez com mais experiência, com cada vez mais vontade de mostrá-la. Mas a morte acaba por chegar", disse, em 1993.

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"Reconheço a influência de Buñel, Dreyer e de outros no meu cinema. Desde logo, o meu primeiro filme foi influenciado por Chaplin. Mas eu nunca tentei escondê-lo. É a minha cultura, a minha conceção da arte".

"Imagem serve para mostrar coisas imateriais"

Os seus filmes, considerou na mesma entrevista, exprimem-se melhor do que ele: "A imagem é uma coisa muito concreta, mas serve para mostrar coisas imateriais. Veem-se fantasmas, personagens que deixaram de existir, que talvez já estejam mortas, mas que têm [ali] uma aparência de corpos concretos. (...) O cinema é um fantasma da vida que não nos deixa senão uma coisa sensível, concreta: as emoções".

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"Os rituais são muito importantes. Sem eles, a vida seria indecifrável. O cinema não filma senão isso, um conjunto de signos, de convenções. A vida é um enigma, não é legível. São os rituais que nos permitem lê-la", afirmou na edição de setembro de 2003.

"Os meus filmes têm histórias um pouco profundas, às vezes difíceis de compreender. Por isso, filmo-os da forma mais clara possível. É preciso que o cinema seja claro, porque tudo o resto (as paixões, a vida), não o é".

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"A crença no cinema está muito diminuída"

"Hoje vai-se ver filmes cada vez mais à pressa, cada vez com menos atenção, não exatamente predisposto a confiar [na projeção], a não ser nos efeitos especiais e nos efeitos sonoros espetaculares. A projeção já não chega. A crença no cinema está muito diminuída, [e isso] é terrível porque o que há de mais belo no homem é a sua humanidade, a sua capacidade de confiar nos outros, de ver a imagem dos outros", disse aos Cahiers, quando da estreia em França de "O Dia do Desespero".

Oliveira afirmou ainda não saber se pode descrever-se "como clássico ou como moderno". Disse apenas que "gosta de formas simples para mostrar coisas complexas".

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As paisagens, afirmou na mesma entrevista, interessavam-no "desde sempre, desde 'Douro, faina fluvial'". Interessava-lhe, concluiu, "mostrar as vidas, os rostos, os corpos, os sentimentos e as músicas através das paisagens".

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