O ESTRANHO FADO DE AMÁLIA

Há precisamente 40 anos, Amália Rodrigues surpreendia o meio musical português. O disco, sem título mas depressa baptizado de “O Busto” devido à imagem impressa na capa, foi uma autêntica pedrada no charco.

23 de dezembro de 2002 às 00:00
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Proibido pela censura (a PIDE pediu mesmo explicações à editora Valentim de Carvalho), “O Busto” incomodava ainda (e em particular) os puristas do fado, que logo trataram de apregoar que Amália estava agora a cantar “letras à Picasso”.

Musicalmente, a resistência fez-se também notar, com os guitarristas que acompanharam Amália nas gravações a baptizarem (diplomaticamente) os novos fados de “as Óperas”.

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Na base de toda esta reacção estava a ingénua ousadia de Amália, que por influência de Alain Oulman decidiu dar voz a poetas contemporâneos, no caso David Mourão-Ferreira, Luís de Macedo e Pedro Homem de Mello. O resultado não podia ser mais revolucionário para a época: os fados de “O Busto” - em que se incluem clássicos como “Estranha Forma de Vida” ou “Povo Que Lavas no Rio” -, evidenciavam um carácter nobre (reforçado pela presença do piano de Oulman), que chocava todos aqueles para quem o fado não podia ser senão ''castiço''.

É este registo, restaurado na sua total plenitude (atente-se, por exemplo, no timbre das guitarras), que agora chega ao mercado. Fruto de um aturado trabalho de pesquisa, o retrato de “Amália Rodrigues 1962” tem um valor acrescentado. Além de “O Busto” a edição recupera um outro trabalho contemporâneo deste e nunca editado em Portugal.

Trata-se de “Amália For Your Delight”, uma espécie de apêndice de “O Busto” no qual se incluem relíquias como “Espelho Quebrado” ou “Rasga o Passado”. Aos nove fados da edição original juntam-se ainda duas versões inéditas (”Espelho Quebrado” e “Eu Queria Cantar-te Um Fado”) e uma faixa extra (”Dura Memória”).

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Num lançamento que é uma pertinente acção de defesa do património, realce para o CD extra em que se incluem alguns ensaios (íntimos) de “as Óperas”, com Oulman ao piano, e uma entrevista a Amália, David Mourão-Ferreira e o próprio Oulman, conduzida por Henrique Mendes.

Quarenta anos depois, esta é uma obra imprescindível para entender o papel de Amália na (r)evolução da canção nacional.

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