UM NEY DE SE LHE TIRAR A CARTOLA

"Cartola não existiu. Foi um sonho que nós tivemos". A frase tributo de Nelson Sargento pode muito bem simbolizar a plenitude da noite onírica que o músico brasileiro Ney Matogrosso proporcionou aos fãs que lotaram o Coliseu do Porto.

05 de fevereiro de 2003 às 00:00
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Para reinterpretar os cantos e desencantos de Cartola, ele despiu a extravagância das plumas e paetés e vestiu o despojamento de um figurino negro e prata. Como quem respeita um legado sagrado, Ney abdicou da exuberância do espectáculo carnavalizante, em favor da contenção do recital de serenata. O carisma da figura, a sedução da expressão corporal, a enfeitiçante acutilância da voz, o virtuosismo dos músicos estiveram tão afinados que até as rosas falariam se estivessem florindo na plateia.

Num alinhamento circular que abriu e fechou “a sorrir” com “O Sol Nascerá”, o cantor “mergulhou” no cancioneiro do trovador do samba e pescou um punhado de pérolas. Algumas “capturadas” após a edição do disco, como a eufórica “Basta de Clamares Inocência”, que Elis cantava. Outra – ”Preciso me Encontrar” – é de Candeia, mas tinha o afecto de Cartola.

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Embora recatado, Ney não deixou em casa os meneios dengosos, nem a teatralidade do jeito provocante de estar em cena. Um coreográfico contraponto que não dilui a singeleza destas canções de dor de cotovelo, interpretadas por um esteta dos palcos, em ritmo de samba e choro.

A pulsão dramática abriu até ensejo para que ensaiasse um sarau poético, na interpretação de “O Mundo é um Moinho”, cruzando a toada sincopada da declamação da lírica com um cativante embalo bolerístico.

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