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Elegância e inteligência

As probabilidades são muitas de Paul Julian Stroheymer, galês (de Cardiff) de 51 anos, mais conhecido como Green Gartside, e de Neil Hannon, irlandês (de Derry) de 35 anos, nunca se terem encontrado. Apresentados desta forma, como indivíduos, é igualmente provável que muitos não os reconheçam – afinal de contas, são dois daqueles sujeitos que, atraídos pelo chamamento encantatório da música pop, sempre preferiram pensar e agir atrás de um nome colectivo.

05 de agosto de 2006 às 00:00

Até na escolha dos nomes para as bandas (ambas rotativas e recrutadas de acordo com as necessidades momentâneas dos líderes), têm algo em comum e algo que difere da mediania do mundo das canções. Gartside optou por uma transcrição, propositadamente errada, do título dos escritos do intelectual marxista italiano, Antonio Gramsci – dos seus ‘scritti politici’ nasceram os Scritti Politti. Hannon não fez a coisa por menos, ao cativar o título da obra monumental de Dante Aligheri, ‘A Divina Comédia’, dando origem a The Divine Comedy.

Mais importante é a circunstância de, em conjunto com Paddy MacAloon (Prefab Sprout), Roddy Frame (com os Aztec Camera e a solo), Ian Broudie (Lightning Seeds), Ricky Ross (com os Deacon Blue e a solo), Neil Tennant (Pet Shop Boys, Electronic) e mais uns quantos (poucos), estes homens terem chamado a si a cruzada de salvaguardar a elegância inteligente que há na música pop. Gartside e os Scritti Politti, vistos como politicamente empenhados, à esquerda, são mais radicais: a voz do galês é sempre de uma suavidade linear, mesmo quando ele canta ‘Petrococadollars’ (dispensa tradução) ou ‘Robin Hood’, duas das boas canções de ‘White Bread, Black Beer’, que assinala a ressurreição da banda, silenciosa desde 1999 e de ‘Anomie & Bonhomie’. O resto são batidas leves, efeitos com base nas teclas e nos sintetizadores, um sentido melódico invulgar e um apuro entusiasmante na escolha dos temas – ‘The Boom Boom Bap’, ‘Snow In Sun’, ‘After Six’, ‘Window Wide Open’, ‘Road To No Regret’ (a pérola máxima) e ‘Mrs. Hughes’ completam a meia dúzia de propostas antológicas.

Do lado de Hannon e dos The Divine Comedy, o parâmetro não difere muito, apesar de uma componente mais sensível reservada para humor e sarcasmo – ‘To Die A Virgin’, ‘Diva Lady’ e ‘Arthur C. Clarke’s Mysterious World’ triunfam neste sector, enquanto ‘A Lady Of A Certain Age’, ‘The Light Of Day’ e ‘Snowball In Negative’ são as pedras de toque sérias do álbum ora em questão, ‘Victory For The Comic Muse’. Sinal evidente de um final de ciclo – a carreira da ‘banda’ iniciou--se, há 16 anos, com ‘Fanfare For The Comic Muse’. Subtil mas não adormecido, Hannon mantém-se em plena forma, provando (outra vez) como a pop pode, e deve, ser inteligente.

Nenhum deles grita, nenhum deles cansa. As angústias são resolvidas com um sorriso, as lutas são travadas com melodias e textos inspirados. E é por isso que os Scritti Politti e os The Divine Comedy são argumentos claros, irrefutáveis, para construir um dia de festa. Pode ser hoje, se não se importam.

Há uma geração de novas cantoras irlandesas capazes de encantar, no seu suave toca-e-foge com a folk e com a pop. Tal como as suas compatriotas Eliza Carthy e Kate Rusby, CARA DILLON recusa as complicações e opta por fazer brilhar uma voz de cristal. ‘After The Morning’, terceiro álbum, é excelente.

TARKAN é, aos 33 anos e com 15 milhões de discos vendidos, um dos ídolos turcos. Em ‘Come Closer’, canta em inglês, sobretudo para fazer dançar, usando pequenos pormenores que o aproximam da música árabe, sem fugir a uma base quase disco-sound – tem tudo para irritar, mas é bem feito e convincente.

Há memórias que, pelo valor ou pelo gozo, deveriam ficar quietinhas, saindo do armário só quando necessário. É o que acontece com os CHEAP TRICK, os velhinhos rockers de ‘I Want You To Want Me’. Triste é ouvi-los agora, em ‘Rockford’, a repetir receitas, sem chama nem ponta por onde se lhe pegue.

Os CD das telenovelas da TVI continuam a misturar trigo e joio da música feita em Portugal, um pouco à semelhança do que acontece com os argumentos (de altos e baixos) e com os actores. ‘Fala-me de Amor’ não escapa à regra – não há disco que resista a juntar MÓNICA SINTRA, Beto, Nuno Barroso, Tucha…

Com ‘Catalpa’ e ‘Escondida’, a texana JOLIE HOLLAND já tinha conseguido o seu lugar, mostrando ao que vinha: canções sem pressa, reflexões íntimas ou análises sobre o que a rodeia. Folk, blues, canção, bluegrass, tudo tem o seu lugar, com horizontes abertos e estradas infinitas – mas nada é puro. O nome de Tom Waits vem à memória. É uma Natalie Merchant mais radical na fuga à urbanidade e uma óptima banda sonora para filmes de Jarmusch. ‘Springtime Can Kill You’ é soberbo, ideal para serões longos e solitários.

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