Os rappers brasileiros Emicida e Rael juntaram-se aos Portugueses Valete e Capicua no projeto Língua Franca
Como é que quatro rappers, dois portugueses e dois brasileiros, se entendem quando chega a hora de escreverem juntos?
Valete – (risos) Até não foi nada difícil, sobretudo porque há muitos pontos em comum entre nós. Somos todos rappers mais ou menos da mesma linhagem. Mas uma coisa muito engraçada que aconteceu foi ver, por exemplo, quatro abordagens diferentes ao mesmo tema.
Como por exemplo?
Valete – Olha, no single ‘Ela’ o tema central era a música, e eu, que sou dos subúrbios de Lisboa, escrevi muito sobre a importância que a música teve para mim, quase como salvação. Muitos dos meus amigos hoje estão presos ou são toxicodependentes…
Capicua – Já eu escrevi mais sobre as minhas referências dentro da música. Mas é engraçado pois cada tema foi discutido em conjunto. Houve sempre um trabalho de brainstorming muito grande entre todos. Depois, cada um fez a sua abordagem….
…porque as realidades de cada um também são diferentes!
Valete – Exatamente. Eu, por exemplo, sou filho de emigrantes dos subúrbios de Lisboa, a Capicua vive no Porto e o Emicida e o Rael são da periferia de S. Paulo. Há realidades sociais, culturais e económicas diferentes para todos nós.
E houve essa preocupação de escreverem de forma a serem entendidos lá e cá?
Capicua – Sim. Falámos muito sobre isso, mais no sentido de poder criar referências que fossem entendidas por todos. Enquanto eu, por exemplo, falo de Caetano, o Emicida fala da ginjinha ou da Carminho. De resto, nem nós quisemos abrasileirar o nosso português, nem eles aportuguesar o deles.
O próprio Caetano já elogiou muito este vosso disco. Como é que receberam isso?
Valete – Bem acima do Caetano só há Deus (risos). O que percebemos é que a atração do Caetano pelo disco foi mesmo genuína. Acho que o que ele sentiu é o que todas as pessoas vão sentir, que este é um projeto realmente luso-brasileiro.
Mas chegaram a falar com ele?
Capicua – Sim. Ele convidou-me para ir ver o espetáculo dele no Porto. No final encontrámo-nos e falámos sobre o disco. Eu estava numa euforia pura, parecia uma adolescente à frente dos One Direction (risos). Sinceramente, acho que, até mais do que a música, o que lhe agrada é esta ideia de militância da língua portuguesa. Este não é um disco português que vai ser exportado para o Brasil, nem um disco brasileiro que vai ser importado para Portugal. Este é um disco sem fronteiras.
Há grande diferença entre o rap brasileiro e o português?
Valete – Há uma grande diferença, sobretudo no tratamento da língua portuguesa. Os rappers da periferia de S.Paulo, por exemplo, têm criado quase novos dialetos e o Emicida e o Rael têm veiculado muito isso na música deles. Neste momento não é muito fácil para um português entender o rapper brasileiro. Daí, eu vejo este disco como uma aproximação do português do Brasil e de Portugal. Acho que era uma aproximação urgente para conseguirmos comunicar. Tenho a certeza de que, se neste momento surgisse um novo Gabriel o Pensador no Brasil, ia haver muita dificuldade em entendê-lo, porque o que se está a falar no Brasil, sobretudo na periferia das grandes cidades, já é muito diferente.
Como é que se deu uma mulher entre três homens num projeto com estas características?
Capicua – Bem! Eu já estou habituada a estar em minoria no rap português e por isso esta situação não me é estranha. A verdade é que eu também tenho tido a sorte de trabalhar com pessoas que me tratam de igual para igual e que não têm qualquer tipo de preconceitos. São homens feministas que percebem que esta coisa do género nunca foi bom critério para avaliar ou distinguir a música de ninguém. Por isso, fui muito bem tratada. Se soubesse que seria de outra forma também não teria aceitado.
Mas há uma forma feminina de fazer rap ou isso é mito?
Capicua – Eu não acredito nisso. Não acredito que exista uma forma feminina ou masculina de fazer música. A escrita não tem a ver com genética, depende sim das nossas vivências. Há, aliás, muitos MC homens que fazem se calhar um rap mais sensível, mais emocional ou mais comercial, e depois há mulheres a fazer rap muito hardcore e mais pesado, eventualmente características mais associadas ao masculino.
Valete – A Capicua deu um contributo fundamental para este disco, até porque ela é, para mim, um dos pilares mais importantes do hip-hop em Portugal. Eu acho que um dos grandes problemas que nós temos na música em Portugal em 2017 é a escassez de mulheres a fazer hip-hop. E isso às vezes é capaz de nos levar a ter um discurso sexista.
Como assim?
Valete - Por exemplo, o Kendrick Lamar lançou um tema em que dizia que estava cansado de ver as mulheres com silicone e photoshop e o movimento feminista nos EUA atacou-o logo, como se ele quisesse definir os comportamentos das mulheres. Por isso eu acho que é importante que as mulheres ensinem o feminismo aos homens. Sabendo que os miúdos aprendem hoje muito através do hip-hop, se nós tivéssemos mais mulheres a fazer rap provavelmente até já estávamos mais avançados nesta questão do feminismo.
E as mulheres têm sempre coisas para ensinar!
Valete – Sim, sem dúvida.
Alguma vez a Capicua sentiu que nunca a levaram a sério por ser mulher?
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