Barra Cofina

Correio da Manhã

Desporto
4

“Jorge Jesus não merece o meu respeito”

Augusto Inácio, técnico da Naval, defronta a “melhor” equipa da Liga (Benfica) na segunda-feira. Assegura que não cumprimentará o técnico das águias, devido a uma história com mais de 20 anos.
3 de Abril de 2010 às 00:00
Augusto Inácio
Augusto Inácio FOTO: Duarte Roriz

Correio Sport – Antes do jogo da primeira volta com o Benfica (derrota por 1-0, na Luz), disse que os encarnados eram pior do que a roleta-russa. Mantém essa opinião?

Augusto Inácio – Sem dúvida. É a melhor equipa da Liga, a mais regular, e surpreende pela qualidade de jogo, que mantém desde Agosto.

- Onde pensa que possa estar o segredo?

- Mérito para quem fez as contratações e de quem trabalha com os jogadores no dia-a-dia. Hoje, no Benfica, o treinador pode pensar em tirar dois, três ou quatro jogadores que a qualidade mantém-se intacta. Por exemplo, se sair Javi García já existe Airton, um senhor jogador. Se sair Fábio Coentrão pode entrar César Peixoto. Se sair Ramires entra Rúben Amorim, e por aí fora. É impressionante. Uma autêntica máquina trituradora e que merece vencer o Campeonato.

- Vai jogar para o empate? Com ou sem ‘autocarro’?

- [risos] Acho piada que só a Naval é que usa autocarros. No jogo da primeira volta, andaram uma semana a falar disso. É óbvio que não posso jogar de peito feito com o Benfica, senão arrisco-me a encher o cabaz logo para a Páscoa. E ainda fico com comida para o Natal [risos]. Ganhar pontos aos ‘grandes’ é satisfatório, ainda para mais frente ao líder.

- Já pensou na estratégia?

- Sim, sabemos o que temos de fazer para contrariar algumas das investidas do adversário. Pensamos estar bem preparados. A concentração será a chave da partida, e acredito que o Benfica possa passar maus bocados na Figueira.

- Como olha para a calendarização do jogo? Segunda-feira, depois do Domingo de Páscoa…

- É uma tristeza. Então, não se pode jogar ao Domingo de Páscoa mas para os jogadores do Benfica e da Naval o feriado não pode existir porque estão em estágio. Vai dar ao mesmo, verdade? O futebol português no seu melhor...

- O 9º lugar (29 pontos) é suficiente para o deixar descansado relativamente à permanência ou sonha com outros voos?

- Quando cheguei, disse que o principal objectivo da Naval seria a permanência. Agora, o nosso objectivo é a presença na final da Taça de Portugal [joga ‘meias’ com o Chaves], uma vez que a permanência está praticamente assegurada.

- E não teme que o recurso rejeitado pelo Conselho de Justiça da FPF, na sequência da prestação de falsas informações pelo clube ao órgão que tutela todo o futebol profissional, possa interferir com a posição final da Naval na tabela?

- Falei sobre isso com o meu presidente [Aprígio Santos] e ele deixou--me descansado. Já sei, porém, que teremos de fazer mais alguns pontos do que aqueles que, à partida, seriam necessários [risos].

- Surpreendeu muita gente ao assinar pela Naval após a experiência no Inter de Luanda. Tinha saudades de casa?

- Muitas. E foi essa a principal razão do meu regresso. Queria voltar a Portugal, apesar da boa experiência em Angola. Tive mais opções mas gostei do projecto da Naval.

- Outras opções em Portugal?

- Sim, há pouco tempo soube que estive para treinar um clube com quem joguei há pouco tempo.

- Qual clube?

- Prefiro ficarpor aqui... [risos]

- Tem saudades de lutar pelo título de campeão?

- Muitas. É melhor não dormir a pensar no título do que ter pesadelos com a descida [risos].

- Admite treinar o Benfica ou o FC Porto?

- Não vejo qualquer problema. Colocaram-me um rótulo de sportinguista mas sou muito profissional. Visto sempre a camisola do clube que defendo.

- Por falar de possibilidade, na segunda-feira vai cumprimentar Jorge Jesus?

- [risos] Vocês querem sempre festa... Mas não. É de todo impossível. O que esse senhor fez não merece o meu respeito.

- Vamos a factos…

- Estávamos em Fevereiro de 1997 e eu era o treinador do Felgueiras. Estávamos muito bem lançados para alcançar a subida de divisão. Entretanto, recebi um convite do Marítimo. Falei com o presidente da altura e ele disse-me que não deveria perder essa oportunidade.

- Foi substituído por Jesus...

- ... e poucos sabem como é que ele lá chegou. Enfim, isso são outras histórias. Quando chegou, a equipa estava a escassos pontos da subida. Ele [Jorge Jesus] perde com o Beira-Mar e Académica e falha o objectivo. E sabe o que é que veio dizer para os jornais no final do jogo? Que se tivesse entrado mais cedo teriam subido facilmente. Passei-me da cabeça. Só podia estar a gozar comigo.

- E não falaram mais até hoje?

- Para quê? Sempre pensei que tivesse a decência de me dizer que as palavras tinham sido mal interpretadas ou algo do género. Mas não. Não falámos nem vamos falar. Passou-se muito tempo e não será agora que ele me irá abordar.

- Seria, de facto, hipocrisia cumprimentá-lo?

- Claro. É uma pessoa que não merece o meu respeito.

- Mas já foram amigos…

- Sim, fomos. Ele era o ‘Carinhas’ [alcunha dada a Jorge Jesus há mais de 20 anos] e sempre nos demos bem. Até àquele dia.

- Da Luz para o outro lado da Segunda Circular. Como olha para a crise do ‘seu’ Sporting?

- Do meu...? [risos] Agora já não é meu. Aliás, nunca foi. Mas algo não foi devidamente planeado no início da época. Houve precipitações e acabaram por pagar os do costume.

- Os treinadores...

- Claro. Primeiro Paulo Bento e depois Carvalhal, que foi vítima de uma emboscada à moda antiga.

- Aconselhou Diego Ângelo ao Sporting?

- Não. Quando o Sporting veio jogar com a Naval, estive a conversar com o Sá Pinto e sabia da necessidade do Sporting em contratar mais um central. Disse-lhe que o Diego Ângelo não os iria deixar mal. Tem porte físico, qualidade técnica, bom passe, e ao lado de um central ainda melhor do que ele daria muito boa conta do recado.

- Mas a conversa não passou daí, até porque Sá Pinto deixou o Sporting…

- Exacto. Mas o Diego está de saída.

- Para o Génova?

- Para Itália [risos].

- Já o vimos pouco crente quanto ao futuro do futebol português. Pensa emigrar?

- Estou condenado a isso. Pode não ser no final da época, nem daqui a duas, mas voltarei a emigrar.

- Tem recebido convites?

- Ainda há pouco tempo me ligaram do Irão e do Kuwait, e estou à espera de uma chamada da Arábia Saudita.

- As condições são melhores do que aquelas que tem na Naval?

- Falamos do triplo ou mais. Mas queremos sempre uma verba adiantada. Não se vai para um país desses de mãos a abanar.

- Qual o clube que mais o marcou?

- O V. Guimarães. Tem uma massa adepta fantástica mas que, por vezes, não é a melhor companhia dos jogadores...

- Refere-se à exigência?

- Para eles, ou oito, ou 800. Não existe o 80.

- O Marítimo também o marcou fortemente…

- E muito. Um grande clube e estrutura. O Beira-Mar também.

- Do que sente mais falta neste momento?

- De jogar mais vezes. Em Portugal joga-se pouco e treina-se demasiado. Queria jogar três vezes por semana, como em Inglaterra.

PERFIL

Augusto Soares Inácio nasceu a 1 de Fevereiro de 1955 (55 anos) em Lisboa. Formou-se no Sporting, clube onde jogou até 1982, altura em que se transferiu para o FC Porto, onde ganhou a Liga dos Campeões. Como técnico passou pelo Rio Ave, Marítimo, Felgueiras, V. Guimarães e Belenenses. Emigrou para a Grécia, Angola e Irão. Foi campeão nacional pelo Sporting (1999/00).

Ver comentários
C-Studio