Perfil: Jorge Nuno Pinto da Costa, o portuense que dedicou a vida ao FC Porto

Morreu este sábado, aos 87 anos.

15 de fevereiro de 2025 às 21:06
Pinto da Costa Foto: José Coelho/Lusa
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Morreu Pinto da Costa, ex-presidente do FC Porto, aos 87 anos. Nasceu a 28 de dezembro de 1937 em Cedofeita, no coração do Porto. Foi à cidade, e mais propriamente ao Futebol Clube do Porto, que dedicou toda a sua vida.

Figura absolutamente indissociável da ‘Invicta’, viu-lhe ser diagnosticado um cancro na próstata a 8 de setembro de 2021. Com muita devoção e um sentido de humor característico, enfrentou a possibilidade de morrer com naturalidade.

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“Que me adianta a mim estar preocupado com a morte. É inevitável”, disse várias vezes.

Os primeiros passos de Pinto da Costa no FC Porto começaram cedo, apesar de em casa o futebol ser um tema ‘tabu’. Viu - ou tentou ver - o clube do seu coração ao vivo, pela primeira vez, com oito anos. Era muito pequeno e no velho estádio da Constituição admite que só vislumbrou a bola e não os jogadores.

Cresceu numa família católica e da alta burguesia portuense, estudou no Colégio Almeida Garrett antes de entrar, em regime de internato, no Colégio das Caldinhas.

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O futebol começou a surgir como divertimento e paixão na instituição dos jesuítas em Santo Tirso, onde passava os dias com quatro irmãos.

A formação terminou abruptamente, contra a vontade da mãe, e não seguiu para a faculdade - mais tarde admitiria a intenção de estudar Direito, mas a necessidade de ir para Coimbra e deixar o ‘seu Porto’ falariam mais alto.

Trabalhou num banco, como vendedor de produtos químicos e mais tarde numa empresa de eletrodomésticos; tudo depois de já se ter tornado sócio do FC Porto, em segredo, com 16 anos, pela mão da avó.

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O momento que definiu o aprofundamento de uma relação já umbilical chegaria em 1958, quando foi convidado a ser vogal do hóquei em patins nos ‘azuis e brancos’. Três anos depois passou a ser chefe dessa secção.

Até chegar ao trono dos dragões, esteve ainda ligado ao hóquei em campo, ao boxe e ao futebol - este último no ano em que a modalidade quebrou um jejum de 19 anos ao conquistar o campeonato.

É em 1982, mais de duas décadas depois de ter entrado no clube, que se sente chamado a concorrer às eleições. Entre a dúvida e a certeza, soam mais alto as palavras da mãe: “Se o FC Porto precisa de ti, deves aceitar. É o teu destino”, confidenciou Pinto da Costa anos mais tarde, no Alta Definição, da SIC.

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Tomava posse, a 23 de abril desse ano, o 31.º presidente do FC Porto. Ficou no cargo 42 anos.

A presidência

Os anos de sucessivas vitórias elevaram-no a um patamar intocável nas presidências. Tornou-se no dirigente com maior longevidade e no que conquistou mais troféus.

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Na ‘era’ Pinto da Costa, o FC Porto dominou mais de metade (23 em 42) das edições da I Liga - acrescentando-se um ainda inédito Pentacampeonato. Ao sucesso em solo português, somaram-se as glórias europeias.

Em 1987 o “presidente dos presidentes” - como viria a ser apelidado por André Villas-Boas - conquistou o primeiro troféu europeu, cumprindo uma promessa eleitoral. Pinto da Costa admitiria que o que viveu em Viena, na vitória com reviravolta dos ‘dragões’ contra o todo-poderoso Bayern de Munique, foi uma das maiores alegrias da sua vida de associado.

Depois dessa Taça dos Campeões Europeus, vieram seis troféus que fazem do FC Porto o clube português com mais sucesso além-fronteiras. Outra Liga dos Campeões, já com esse nome, uma Taça UEFA, uma Supertaça Europeia e duas Taças Intercontinentais. Em 2011 chegou o último título europeu do FC Porto, de Pinto da Costa e do futebol português. Um jovem André Villas-Boas comandou uma equipa de sonho à vitória na Liga Europa.

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Esse mesmo treinador, em 2024, destronaria o presidente Pinto da Costa, cujo nome se confundiu, sempre, com o FC Porto. No legado, deixou ainda o Estádio do Dragão - que recusou ser Estádio Jorge Nuno Pinto da Costa -, um museu, um pavilhão e o projeto de uma academia que não se construiu.

De entre todos os troféus conquistados pelo clube, recordou o primeiro campeonato que viu, com apenas 18 anos, como o momento mais feliz que viveu.

Apito Dourado

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Em 2004 o nome de Pinto da Costa ganhou ainda mais mediatismo. A Polícia Judiciária desencadeou a operação “Apito Dourado”, em abril, depois de já ter escutado telefonemas de Pinto da Costa a ‘oferecer’ “fruta” a um árbitro, na véspera de uma vitória.

A PJ realizou buscas em casa do dirigente portista meses depois, com um mandado de detenção. Porém, Pinto da Costa não estava em casa, tinha ido a Vigo no dia anterior.

“Há muitos anos que vou a Espanha no dia 1 de dezembro para fazer compras no El Corte Inglés. Já tinha quarto marcado no Parador em Tuy há muito tempo. E fui de carro, não fui escondido. E andei a passear no El Corte Inglés, não me escondi”, justificou em 2010, em entrevista ao Expresso.

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A cronologia do caso contou ainda com um interrogatório, do qual saiu em liberdade mediante o pagamento de uma caução. Um ano depois de ter sido desencadeada a operação “Apito Dourado”, o DCIAP arquivou o caso que envolve Pinto da Costa.

Além dos “inimigos” que dizia ter, o portista teve uma cara bem conhecida a acusá-lo de vários crimes. Em dezembro de 2006, Carolina Salgado, ex-companheira de Pinto da Costa, lançou um livro com revelações comprometedoras.

“Se me dissessem que um clube que ganhou o campeonato com não sei quantos pontos de avanço, um título europeu e tinha uma equipa fabulosa, subornou um árbitro para um jogo em casa com o último, eu dizia que era maluco”, explicou na mesma entrevista ao Expresso. Pinto da Costa nunca chegaria a ser condenado nos tribunais comuns.

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As polémicas nunca afetaram a popularidade do presidente junto dos portistas.

Azul Até Ao Fim

Pinto da Costa lançou, no final do mês de outubro de 2024, o livro "Azul Até ao Fim" na Alfândega do Porto. Na capa, a obra mostra o ex-dirigente portista apoiado sobre um caixão com a bandeira do FC Porto. 

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"A morte é uma circunstância natural e não devemos fazer dela uma tragédia. Todos teremos um fim e, com esta imagem, pretendo desdramatizar esse momento de passagem para uma outra vida", escreveu.

No livro, um diário que teve início quando soube que tinha cancro, o presidente descreve a convivência com a doença e o dia-a-dia no clube.

A mulher, Cláudia Campo, é um dos seus grandes apoios depois de ter saído da presidência do clube portista. O antigo líder dos dragões dedicou-lhe também algumas páginas.

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No livro, Pinto da Costa pede uma sucessão “discreta”, revela algumas contradições entre a decisão de se candidatar ou a renovação de Sérgio Conceição, o último de um longo historial de treinadores dirigidos pelo “presidente dos presidentes”.

O presidente dedica ainda várias palavras de carinho para amigos e familiares, desde os netos aos dois filhos - sobretudo ao filho Alexandre, com quem, por “discrepâncias”, não passou os últimos natais.

Foi depois do lançamento do livro que o estado de saúde do antigo líder portista se agravou. 

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"Dediquei, entre os anos 1962 e 2024, a minha vida ao FC Porto. Como qualquer mortal, fiz coisas melhores, outras piores.”

O próprio funeral mereceu largas páginas de “Azul Até ao Fim". Pinto da Costa escreveu tudo: quem pode ir, quem não pode e a cor a usar. Obviamente, a cor escolhida é o azul. Não só pelo FC Porto, mas também por Nossa Senhora de Fátima (representada com um manto azul).

A devoção mariana espelha-se no último desejo do ex-presidente. Ter as suas cinzas espalhadas na azinheira que se encontra no Santuário em Fátima.

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