A nova língua estrangeira
A partir de 2013, os alunos de São João da Madeira vão ter mandarim. Mas a tendência estende-se a todo o País
A crise económica deitou por terra o comércio de roupa de luxo para criança de Ana Paula Nunes, de 44 anos, "quando começaram a aparecer as lojas dos chineses com preços mais competitivos", mas esta empresária por conta própria pensou: ‘Se não os podes vencer, junta-te a eles'. E começou a importar vestidos de noiva da China. "Como nem sempre é fácil comunicar com os chineses porque nem todos falam inglês, resolvi eu própria aprender mandarim" para poder levar o negócio a bom porto. É uma entre os 259 alunos do Instituto Confúcio, da Universidade de Lisboa, onde vai quatro horas por semana. Em 2008, eram 140 os alunos.
Em cinco anos, também a Escola Chinesa de Lisboa passou de apenas uma turma de alunos portugueses (começaram em 2000 só com alunos chineses, imigrantes de segunda ou terceira geração) para sete. O cenário repete-se devido ao aumento da procura. Gente de todas as idades, profissões e objectivos vê o Oriente mais próximo do que nunca. "O que move muitos dos nossos alunos é o facto de a China ter investido em Portugal, na EDP e na REN, e até se falar de um banco. Estes anos vão ser difíceis e os alunos querem encontrar alternativas num eventual emprego que seja chinês: seja cá, seja na China", contextualiza Moisés Fernandes, director do Confúcio. A confirmar, Bárbara Teixeira, 20 anos e estudante de Biologia, vê no mandarim uma "ajuda para poder emigrar e para apostar na diferença no currículo".
CURRÍCULO ENRIQUECIDO
À chegada à aula, todos se cumprimentam com ‘ni hao' (olá). Sabem também dizer obrigado e meia dúzia de outras palavras. Sandra Cunha, de 34, coordenadora de marketing de uma marca japonesa, começou este ano "a aprender chinês porque disseram que era mais difícil do que o japonês. A China é a potência que mais cresce e convém estar preparada para o futuro".
Já António, filho do artista Pedro Cabrita Reis, tem 14 anos mas uma estratégia delineada para o amanhã. "Acho que o mandarim vai ser o novo inglês daqui a pouco tempo. Estudo numa escola inglesa e quero saber as línguas mais faladas do Mundo." António começou por ter aulas particulares com "uma amiga chinesa" dos pais, mas não aprendia a escrever. "Resolvi começar do zero no Confúcio e o mais difícil não é o mandarim, é mesmo conciliar a escola e o râguebi com as aulas."
Luís Raposo, de 66 anos, vive a situação oposta. "Sou técnico de administração reformado e o mandarim é uma língua tão difícil que mantém os neurónios a funcionar. E não se pense que são só os caracteres que requerem estudo, porque oralmente têm pronúncias diferentes."
Wang Jiangmei tem 43 anos e dez de Portugal. Do outro lado do Mundo era professora de chinês para estrangeiros e veio para a Europa com essa mesma missão. "Na primeira vez que vim, aproveitei um protocolo com o governo chinês que estava à procura de professores para aprender uma das línguas menores e eu escolhi o português." Natural do norte da China, filha de uma engenheira, explica que para "os alunos o mais difícil é a parte da escrita. Pronunciar também, mas não tanto como memorizar os caracteres". Durante a aula, Wang desdobra um conjunto de papéis colados que pretendem chegar à palavra água. Na lição, também se diz Putaoyá, que é Portugal, e os alunos vão acompanhando ritmados a pronúncia singular.
Zhu Li é vice-directora do Confúcio. Formada em Economia e com um currículo de impor respeito (é, entre outros cargos, vice-directora da Escola de Negócios Internacionais e vice-secretária-geral da Sociedade de Economia Mundial de Tianjin), veio com a filha no final do ano passado através de um protocolo. O marido é médico na China, mas vem visitá-las com frequência. "Acho que ele ainda é mais apaixonado por Lisboa do que eu", confessa. Aos alunos pede quatro passos: "A paixão, a paciência, a persistência e a prática até atingir a perfeição."
Inês Mota, de 30 anos, espera que o esforço compense. "Tenho uma agência de viagens, e como ponderamos abrir um segmento da empresa que receba pessoas de fora, acho que o mercado chinês é dos mais atractivos. Espero em cinco anos estar a falar quase como um chinês." Será, segundo os entendidos, o mínimo preciso para manter uma conversação.
Lai Lam e Chen têm em comum o facto de terem vindo do Oriente por terem casado com portugueses. Chen é hoje a directora da Escola Chinesa de Lisboa. "Quando cheguei, há 17 anos, não tinha trabalho. Ajudei uma amiga numa loja, mas depois comecei a trabalhar como professora". A escola, na avenida Almirante Reis, zona onde se concentra a maior comunidade chinesa da capital, abriu em 2000 e só em 2005 tiveram a primeira aluna portuguesa. "Em 2008 abrimos a primeira turma exclusiva para portugueses e temos parcerias com vários colégios privados", conta a directora. Hoje recebem cerca de cem portugueses. "A crise em Portugal também tem ajudado. Os pais querem abrir horizontes aos filhos", diz a professora. Lai Lam tem 29 anos e partilha o ensino com a gestão de compras de uma marca portuguesa que tem ligações com a China. "É mais fácil ensinar o mandarim às crianças portuguesas porque as chinesas acham o português mais fácil, muitas não querem aprender, os pais é que insistem. As portuguesas estão mais motivadas."
É o caso de Beatriz Fernandes, de 12 anos. Conta o pai, Paulo, que em 2009 brincava com ela quando a ouviu dizer palavras em mandarim. No dia seguinte chegou a explicação mais natural do Mundo: "A minha melhor amiga é a Andreia Sun. É chinesa e ensinou-me." Daí à inscrição na escola chinesa foi um instante. Hoje, Beatriz está no 4º ano de mandarim.
Também foi Tomaz, na altura com 10 anos, que insistiu com a mãe para o inscrever no mandarim. Tem agora 15 anos e está no quinto nível. "Quando vamos a um restaurante chinês pede a lista em chinês. Sabe as coisas básicas da conversação, mas a sensação dele é que não sabe quase nada, o que é normal dada a diferença da língua", conta a mãe, Rosário Lucena.
COLÉGIO EM LEIRIA
"O facto de o mandarim se apresentar como uma língua do futuro e da facilidade das crianças do pré-escolar em interiorizar conhecimentos" levou Filomena Silva, directora do colégio infantil Chicoração, Leiria, a proporcionar estas aulas, gratuitamente, a crianças entre os 3 e os 5 anos. Contactou com a Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria, propondo uma parceria. Por outro lado, os pais acolheram "a ideia com satisfação e as crianças logo no primeiro dia não se cansaram de repetir a palavra ‘olá' em chinês". Para facilitar o ensino usam "pinturas, imagens e muita conversa. Começamos por dar nomes chineses a cada criança para criar interesse e entusiasmo", partilham os professores chineses deste colégio.
João Massano é advogado, com escritório firmado na av. 5 de Outubro, em Lisboa. Aos 41 anos sentou-se pela primeira vez, em Setembro, num banco da Escola Chinesa de Lisboa, decidido a entabular conversa com os clientes chineses que cada vez em maior número lhe chegam ao escritório. "Eles falam português, mas poder estabelecer uma conversação ajuda a criar empatia rapidamente e a resolver situações", diz. Até agora, João tem contado com a ajuda de um amigo chinês, sempre que alguma coisa fica perdida nos meandros da tradução. Até agora, a primeira impressão não desilude. "Quero poder manter uma conversação razoável até ao final do ano", declara.
Natércia Lam herdou o nome próprio de uma avó alentejana, de Beja, cidade onde ela própria nasceu há 36 anos. Mas a professora do Centro de Cursos Livres do ISCTE tem outro nome, mais intrincado, na versão chinesa: Lin Ying Hua. Uma dupla nacionalidade que o formato dos seus olhos denuncia à primeira vista. Em Pequim ensinava português a chineses, agora ensina mandarim a portugueses. "Antes vinham por curiosidade, agora querem tentar a sua sorte no mercado de trabalho chinês", admite.
No ISCTE, depois de apresentar à turma novo vocabulário, com o seu equivalente em caracteres (novo e antigo), forma de escrita e pronunciação, uma aluna da primeira fila insurge-se: "Isto é preciso uma elasticidade mental..." A professora acena que sim, é mesmo isso. "A este nível mais básico a gramática é muito simples. O mandarim não tem singular nem plural, masculino ou feminino, nem conjugações verbais. Essa é a boa notícia", diz, sorrindo. Mas segue-se, claro está, a má notícia: "Os estrangeiros - não apenas os portugueses - têm muita dificuldade com a pronúncia, porque temos quatro tons diferentes, além do neutral. Ou seja, uma mesma palavra pode ter cinco significados diferentes", explica.
Aprender mandarim é descobrir "uma cultura surpreendente e até misteriosa", diz Maria Inês Dias, 23 anos, finalista de Direito, que se inscreveu nas aulas da professora Lin Ying Hua por razões de pura perspectiva profissional. "Foi-me aconselhado porque a comunidade chinesa procura bastante advogados em Portugal."
Lá dentro, o tom da voz da professora contrasta com os arquejos gaguejantes dos alunos. Na fila atrás de Inês está sentado Luís Mendes, 37 anos, que trabalha numa empresa de consultoria financeira. "Recorremos sempre a um tradutor-intérprete e vamos continuar a fazê-lo, mas não substitui um cumprimento, um breve diálogo com o cliente. Quero, pelo menos, desenvencilhar-me em pequenas conversações", confessa Luís. Já Maria Lopes, 55 anos, que trabalha na REN, está ali para aprender coisas novas. "Já tirei um mestrado, uma pós-graduação, agora aprendo mandarim."
Também na Bristol School, no Porto, a procura por aulas aumentou nos últimos anos. "O contacto com uma imensa comunidade chinesa que aqui vive também tem influência. Depois conta o interesse profissional, até porque a norte há mais indústria", afirma Sofia Meireles, coordenadora pedagógica.
A professora Jessica Zhu (ou Zhu Qi em mandarim) frisa: "Muitos alunos desistem após o primeiro módulo de trinta horas, porque não sentem evolução. Só que o chinês é difícil de começar mas, uma vez tendo as bases, é muito fácil de desenvolver", desmistifica. Zhu dá aulas no centro Linguagest e na Escola Chinesa de Lisboa. "Os chineses gostam de negociar com amigos. Não quer dizer que um estrangeiro vá firmar um negócio em mandarim, isso acontecerá certamente em inglês. Mas os chineses são muito orgulhosos da sua cultura e apreciam a atitude de qualquer estrangeiro que se interesse por ela", diz Zhu Qi. Mas é uma das alunas de Zhu Qi, Helena Puentes - uma mexicana licenciada em História - que resume tudo: "É preciso uma predisposição mental especial para aprender mandarim. Não nos permite fazer associações com a nossa própria língua."
O CASO DE SÃO JOÃO DA MADEIRA
A partir de Janeiro, cerca de 300 alunos do ensino básico em São João da Madeira vão passar a ter aulas de mandarim na escola. A iniciativa, inédita, é da autarquia, que, num futuro próximo, quer ver o sector das exportações crescer, o que passa pelas relações com a China.
A supervisão e coordenação do currículo de mandarim, disponível nas escolas públicas, estará a cargo do Departamento de Línguas e Cultura da Universidade de Aveiro, e nos 3.º e 4.º anos do básico será essa instituição a escolher os docentes.
Segundo Castro Almeida, edil de São João da Madeira, numa segunda fase o "objectivo é a criação de turmas bilingues até ao 12.º ano" e, na terceira fase, disponibilizar aulas a toda a população, através da parceria com uma escola privada.
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