A ROSCA GAÚCHA
O provável novo seleccionador nacional, Luiz Felipe Scolari, foi um defesa medíocre, <BR>que mudou de clube à custa dos colegas. Apenas ganhou um título enquanto jogador.
Casado há quatro anos e profissional de futebol há 11, o objectivo de Luiz Felipe Scolari, 30 anos, era ter um filho. O problema é que os estágios do Caxias do Rio Grande do Sul coincidiam, muitas vezes, com o período fértil da mulher, Olga Pasinato Scolari. A boa relação com o treinador Carlos Froner e o estatuto de capitão de equipa, porém, permitiam-lhe abandonar as concentrações antes dos jogos para ter sexo.
“Deixava-o sair para que pudesse ter relações sexuais”, revelou o técnico Carlos Froner, pouco antes de falecer, em Agosto deste ano. Inconfidência que Scolari – o mais que provavelmente novo seleccionador nacional – confirmou, frisando, no entanto, que as suas saídas eram muito curtas: “Ele só me deixava sair durante 45 minutos.” Mas nem a benevolência de Froner valeu ao casal. Quando Olga Pasinato deu à luz Leonardo, 19 anos — mais tarde nasceu Fabrício, 11 — já Scolari tinha abandonado o futebol.
Para trás ficavam 14 anos de carreira como futebolista, marcados pela mediania, embora ‘Felipão’ tenha sido quase sempre titular nos cinco clubes que representou. À semelhança de muitos outros treinadores do mundo, entre eles o português Carlos Queiroz, Luiz Felipe Scolari foi um jogador pouco dotado e sem projecção. Para muitos, devido ao seu jogo duro e atabalhoado, ‘Felipão’ – alcunha só ganha quando treinador –, não passou de um defesa-central “medíocre”, como escreveu um dia a revista brasileira “Veja”.
TRANSFERÊNCIA PECULIAR
“Ele era o ‘Rosca’, porque de vez em quando chutava mal a bola”, confirma Claudinei de Oliveira, técnico e ex-companheiro de Scolari no Aimoré de São Leopoldo, onde o treinador que levou a selecção brasileira ao ‘Penta’ começou a jogar futebol. Chegou ao clube aos 17 anos, para jogar nos juvenis, estreando-se na equipa principal aos 19. Pouco depois, Scolari assegurou a titularidade e, apesar das suas limitações técnicas – que tentava compensar com uma forte personalidade e espírito de liderança dentro de campo —, nos seis anos que esteve no clube jogou quase sempre de início. Mas nem isso valeu a ‘Rosca’, que para se transferir para o Caxias do Sul teve de recorrer a outras capacidades que não as futebolísticas.
Nascido a 9 de Novembro de 1948, em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul — no seio de uma família de posses acima da média —, o gaúcho Luiz Felipe Scolari tinha tido uma formação diferente de muitos dos seus companheiros de equipa, pelo que era ele próprio que estava encarregue de gerir a carreira de alguns deles. E foi o que lhe valeu em 1973, quando se transferiu para o Caxias. O clube estava interessado somente no médio Maurício, mas durante a negociação, Scolari condiciona a transferência, impondo que esta só se concretize se também ele for contratado. Os dirigentes do Caxias acabam por aceitar e ‘Rosca’ fica seis anos no clube, no qual chega a capitão de equipa. É este o melhor período do central ‘Felipão’, mas mesmo assim muito longe das glórias vividas por seu pai, Benjamin Scolari, considerado um dos melhores defesas-centrais brasileiros da década de 40.
BRINCALHÃO E SOLIDÁRIO
Sem grandes motivos para festejar dentro de campo, Scolari exibe a sua faceta mais divertida – muito reservada desde que iniciou a carreira de treinador — fora dos relvados. “Dormíamos no mesmo quarto e um dia ele colocou uma tira de jornal entre os meus dedos dos pés e ateou-lhes fogo. Eu acordei assustado, louco de raiva. Ele sempre negou, mas tenho a certeza de que ele foi, pelo menos, o mentor intelectual da ideia”, conta César Bagattini, então guarda-redes do Caxias. Talvez por brincadeiras como esta, a mãe de Felipe Scolari nunca deixou de o chamar de Felipinho.
É também no Caxias que tem uma das mais nobres acções humanas da sua vida. Com dois ordenados — um como professor de educação física e outro como futebolista — e uma vida economicamente estabilizada, Scolari abdica de um salário para ajudar o colega de equipa Pompeia, que tinha a mulher doente. “No balneário, Felipe anunciou que lhe ia entregar o dinheiro do mês. Ficámos todos emocionados e fizemos o mesmo”, recorda César Bagattini.
A relação com o clube que mais o projectou termina em 1979, tinha ‘Felipão’ 31 anos. No ano seguinte transfere-se para o Novo Hamburgo, mas só de passagem – no decorrer da mesma época volta a trocar de equipa, desta vez rumo ao Juventude.
A idade agrava as limitações de Scolari, já incapaz de, como fizera durante grande parte da sua carreira, ofuscar a pouca habilidade futebolística com a força, a garra e a persistência. Apesar dos seus 32 anos, o defesa-central recebe ainda um último convite, que o leva a abandonar o Rio Grande do Sul — até então Scolari só tinha jogado em clubes da região.
O destino é o CSA, equipa onde, na mesma temporada, ‘Felipão’ conquista o Campeonato Estadual Alagoano — o seu primeiro e único título enquanto jogador — e abandona o futebol, sem nunca ter sido convocado para a selecção brasileira.
Treinador recordista
Luiz Felipe Scolari é, com 16 troféus conquistados, o treinador brasileiro com mais títulos ganhos. A caminhada triunfal arranca em 1982, no CSA — o seu último clube como jogador —, seguindo-se o Brasil RS e o Al Shabbab, da Arábia Saudita. No regresso às origens, Scolari assume o comando técnico do Grémio de Porto Alegre, clube onde vence o seu primeiro título, o de campeão gaúcho (1987), que se juntaria, anos depois, a mais seis, um deles (1995) com a ajuda dos golos de Jardel e do ex-benfiquista Paulo Nunes.
Ao longo dos anos soma títulos, até chegar a campeão do Mundo no campeonato da Coreia e do Japão, feito conseguido sem a bênção do rei Pelé. “Ele não sabe nada de futebol. Como técnico nunca fez nada e todas as suas análises são erradas. Se queres ganhar ouve o Péle e faz o contrário”, disse Scolari antes do Mundial 2002.
Conhecido por ser rigoroso, disciplinador, impulsivo e teimoso, Scolari — que um dia agrediu um jornalista a soco e no outro pediu aos seus jogadores para serem bem duros com os adversários — foi adoptado pelos laboratórios Pfizer como exemplo de liderança. Uma faceta que por vezes parece fraquejar, como aconteceu, por exemplo, no ano passado após o Brasil ser eliminado da Copa América pelas Honduras: “Não esperávamos isto, mas não é uma vergonha perder com as Honduras.”
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