Adeptos imortais
O português João Coutinho foi responsável por uma campanha publicitária no Brasil que já salvou vidas: um cartão de dador.
Adriano estava praticamente cego, à espera de um transplante de fígado e pâncreas. Dona Josina precisava de um coração com urgência. Uma campanha publicitária assinada por um português no Brasil, com os adeptos do Sport Club Recife, conseguiu salvar-lhes a vida.
‘Adeptos imortais' "puxa ao máximo pela paixão como nenhum outro clube de futebol fez antes. Criámos o primeiro cartão de dador de órgãos para um clube de futebol. O cartão de dador mantém a paixão viva através das vidas dos outros e, ao mesmo tempo, resolve o maior obstáculo aos transplantes de órgãos: a autorização da família, porque o cartão informa a família dos desejos de doação do adepto", explica o criativo João Coutinho, de 41 anos, a trabalhar na Ogilvy Brasil desde setembro de 2011. Ou seja, o cartão - e a campanha - mostram que a paixão por um clube não acaba com a morte. Que os órgãos doados continuarão a bater pelo clube após a morte do adepto. "Foi a experiência mais comovente que tive em toda a minha carreira. Quando estávamos no Recife a filmar com os pacientes da lista de transplantes sentimos que fazíamos algo que nunca nos passara pela cabeça em publicidade. Estávamos realmente a mexer com a vida das pessoas, pessoas desesperadas por um transplante."
Os adeptos aderiram em massa e já foram feitos mais de 51 mil cartões de dador, "um número superior à capacidade do estádio do clube, mostrando que não é à toa que são conhecidos como a maior torcida do Nordeste". Quando a campanha foi lançada, conta João, "os pacientes da lista de transplantes entraram em campo de mãos dadas com os jogadores das duas equipas (Recife vs. Santos) e as claques apoiaram a campanha exibindo uma bandeira gigante com a frase ‘Pelo Sport Tudo, até Depois de Morrer'". O clube que serviu de exemplo ao anúncio publicitário tem "alguns dos adeptos mais apaixonados do Brasil, eles são fãs desde o nascimento até à morte. Por outro lado, o sucesso da campanha deve-se em grande parte ao envolvimento do Centro de Transplantes do Recife. Sem eles a campanha não teria existido", assume o criativo.
IMPACTO NO BRASIL
Quando agarra num trabalho publicitário, João Coutinho tenta sempre "fazer um trabalho focado e sério. Procuro insights reais que conectem com o consumidor. Procuro que de preferência ultrapasse os objetivos do cliente e, se for o caso, que seja reconhecido nos principais festivais de criatividade".
Nesta campanha o reconhecimento foi mais longe. Apesar de ter sido lançada no final de 2011 e de na altura ter tido muito destaque no Brasil, nomeadamente nos canais desportivos, é agora, que são conhecidos os resultados - os 51 mil cartões de dador de órgãos -, que está a ter o impacto pretendido. "Está a passar nos principais canais de televisão e foi tema de conversa nos programas matinais. Abrimos o debate sobre um tema sensível que não era falado." E salvaram - e continuarão a salvar - vidas suspensas à espera de um transplante.
"Estas pessoas vivem com um relógio que a qualquer momento pode parar, se não forem transplantadas. Hoje, o Adriano, transplantado, está a recuperar aos poucos a visão e sente que renasceu. A Dona Josina também se encontrava numa condição muito débil, devido ao coração. Foi uma enorme alegria sabermos que, poucas semanas depois de a campanha ser lançada, Dona Josina tinha feito um transplante."
Quatro dos pacientes que protagonizaram a campanha conseguiram realizar os tão desejados transplantes. "Vidas foram salvas. Dona Josina recebeu um novo coração e já o sente a bater pelo Sport Club Recife. Pede que esta corrente não acabe e que sirva de exemplo para outros clubes." Na primeira fase da campanha João criou um filme protagonizado por pacientes na lista de espera de transplantes, onde eles convidam os adeptos a fazer o cartão de dador do Sport Clube Recife, prometendo que os seus corações, olhos e pulmões continuarão a vibrar pelo clube. A campanha incluiu uma aplicação no Facebook e no site oficial do clube, "que permite aos adeptos obterem os seus cartões de dadores de órgãos, partilhar o seu desejo de serem ‘Adeptos imortais' nos seus perfis nas redes sociais e convidar os amigos a obter os próprios cartões".
UM PORTUGUÊS NO BRASIL
Nesta campanha, João Coutinho fez dupla com o espanhol Paco Conde. Os dois são amigos desde que trabalharam juntos na Y&R Madrid. No ano passado desenvolveu a campanha de verão da Burger King para os Estados Unidos, fez campanhas para a Vodafone Portugal, algumas delas adaptadas a outros países europeus. Também participou na conceção e gestão de anúncios publicitários como o lançamento do Euromilhões, a Casa d'Este Senhor (Cerveja Tagus), Família de Duplos (Império Bonança), o Monstro das Ressacas (Guronsan), entre muitos outros onde deixou a sua marca.
A viver em São Paulo - "uma cidade gigantesca, muito poluída e com um trânsito infernal" -, tem "um ritmo de trabalho muito intenso. A qualidade de vida que se tem aqui comparada com a que se tem em Portugal é muito má. Trabalha-se muito e quase não se vê a família. Em compensação, trabalhamos para clientes globais, com grande visibilidade", adianta João.
As saudades do país natal são "muitas. Mas não pondero voltar já. Os meus planos são prolongar a experiência por mais dois ou três anos. O bichinho de viver fora aliado à ausência de perspetivas provocada pela crise ajudou". Dois dias antes de se mudar com a mulher para São Paulo ficou a saber que ia ser pai de gémeos, que nasceram no Brasil e fizeram agora um ano.
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