“Até chorei quando a tropa me deixou”

Fui para Moçambique como tropa, em 1960, e sete anos depois fui mobilizado como polícia. Estive sozinho no mato

11 de setembro de 2016 às 15:00
08-09-2016_15_04_23 12577194.jpg Foto: D.R.
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Embarquei em 1967 para Moçambique, sítio onde já tinha feito a tropa antes de a guerra começar, sete anos antes. Desta vez fui mobilizado como polícia e estive um ano em Lourenço Marques a fazer serviço.

Passado esse ano, mandaram-me a mim e a colegas meus para o mato sozinhos. Eu fui no carro da tropa até Porto Amélia e daí segui para o mato. Cheguei lá e até chorei quando a tropa se foi embora e me vi lá sozinho, só selva à minha frente. Eles tinham as palhotas espalhadas por todo o terreno. Os nativos tinham sido obrigados a fazerem os aldeamentos assim e, então, deixaram-me ali ficar. A viver numa palhota, sem segurança nenhuma, a porta feita em bambu. Até cheguei a pedir a um sipaio (soldado indiano) uma cadeira para pôr na parte de dentro a trancar a porta, e pus também umas latas velhas para fazerem barulho se alguém entrasse. Se entrassem terroristas. Eu acordava com o barulho, embora se me quisessem fazer mal faziam na mesma. Felizmente nunca fizeram.

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Ao quinto dia acordei cheio de formigas. Às vezes, nem dormia. Mandarem um polícia sozinho – eu pertencia à PSP – para um aldeamento sem condições nenhumas... Da polícia é muito raro falar-se, só se fala do exército e a polícia também lá passou muito. É preciso lembrar que fomos para lá destacados por causa da guerra, para segurança, que passado um ano de estar em Lourenço Marques fui para o mato, sem condições nenhumas, onde tinha de fazer segurança aos nativos. Nesses aldeamentos punham um polícia branco, no máximo dois. Eu fiquei sozinho, sem ninguém com quem falar. Mas tinha de estar ali, de segurança ao aldeamento.

Ainda morreram em Moçambique uns colegas meus na mesma função que eu, vítimas de armadilhas. Eu, felizmente, tive sorte.

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Também fui substituir um colega meu a um aldeamento onde as palhotas estavam crivadas de balas. E aí recordo-me de outra situação: um dia, a tropa passou por mim porque houve um ataque próximo de onde eu estava, a uns 15 quilómetros. Tinha ido a outro aldeamento falar com o administrador e passou o Unimog carregado de tropa e um alferes virou-se e disse-me: "Oh senhor guarda não tem medo? Anda aí sozinho e houve agora um ataque". "Oh meu alferes, seja o que Deus quiser", respondi-lhe eu e era mesmo o que eu achava.

Depois desse ano voltei para Lourenço Marques e regressei a Portugal em 1969, dois anos depois de ter desembarcado. A minha história é esta. Não deixa de ser uma guerra porque eu estava lá no meio, estava era a garantir a segurança do povo, não estava a combater. 

SEBASTIÃO PEREIRA

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