Cada cabeça, sua sentença
Os penteados deste verão inspiram-se nos cortes indígenas, no rock e no punk dos anos 1980 para lançar sinais de protesto.
Para elas, voltam em força as franjas, em cortes curtos assimétricos ou compridos em dois tons; para eles, usa-se o rapado na nuca, com mil e uma variações no topo. Neste verão de 2013, os mais ousados exibem cortes de cabelo de inspiração tribal e réplicas adaptadas dos movimentos urbanos dos anos 1970 e 80, em cores fortes com toques de beringela, verde, azul, roxo ou tons pastel. O ‘bob' e o ‘pixie' estão aí em força, assim como o cabelo semi-rapado, com cristas e topetes. Os penteados da moda são usados também como palavras de ordem ou slogans de protesto. Diz-se que para ‘cada cabeça, sua sentença' e neste verão a tendência agrega-se numa palavra: ousadia.
MULTICULTURAL
Numa galeria do Martim Moniz, a praça mais multicultural de Lisboa, multiplicam-se os cabeleireiros africanos, experientes em tranças, tissagens e cores vibrantes. Por cinco euros, os homens podem fazer ‘barba e cabelo'. As mulheres gastam entre 25 a 70 euros para colocar extensões, pintar reflexos ou aplicar uma trança brasileira. Os clientes são variados, entre portugueses e estrangeiros, com mais ou menos poder de compra, fiéis ou de passagem. Coincidem todos, no entanto, numa mesma ideia: quem ali vai quer ficar diferente.
Narette, 26 anos, assistente de direção, aproveita a reta final da gravidez e a aproximação de cinco meses de licença de parto para trançar o cabelo, como usavam os povos tribais africanos. "Adotei as tranças porque estou numa pausa para gravidez, se estivesse a trabalhar era mais complicado, pois é exigida certa sobriedade na imagem. Mas assim estou à vontade para adotar um estilo descontraído", diz, enquanto aguarda pacientemente sentada, olhando a cabeleireira a manejar rapidamente os dedos pela sua cabeça.
Cliente habitual de um dos espaços do Martim Moniz, Narette despendeu quatro horas de uma manhã quente para alcançar o penteado desejado, cujo efeito dura cerca de três meses. "É só manter. Posso lavar naturalmente, e volto aqui de vez em quando para pentear", explica, enquanto sacode o cabelo que agora denuncia a sua simpatia pelo hip-hop. Narette não canta a música do movimento cultural da década de 1980, que abraçou as tranças como símbolo de protesto face aos conflitos sociais na malha urbana, mas admite que a imagem tem sempre valor.
Em tempos de protesto, regressam também os símbolos. Nas últimas edições das semanas da moda, na Europa e no Brasil, as tranças africanas estiveram em destaque em cabeças de modelos loiras, ruivas e morenas, tal como os rapados, os topetes e as cristas indígenas.
Dez euros é quanto paga Virgílio Júnior, 26 anos, pelo corte que espreita o "punk escovinha". A moda dita mais ousadia, mas pela profissão e maneira de ser o jovem empresário angolano prefere manter uma aparência séria. "Rapo o cabelo na nuca, e mantenho em cima, uma coisa ligeira", diz.
Valdy, cabeleireiro, frisa que para este verão a tendência é mais arriscada. Quem opta por este corte, que alude à contestação da tribo urbana dos anos 80, "rapa e mantém mais cabelo no topo, que pode desfrisar, pintar para ficar mais escuro ou usar em crista".
VIAGEM AO 'PSYCHOBILLY'
A descer a rua Garrett de skate na mão, Pedro F. usa um corte de cabelo que torna a cabeça num V, com topete despenteado, inspirado no ‘psychobilly' de 1980, género que mesclou a moda do rockabily com a ousadia do punk. O penteado, usado por Justin Bieber, faz furor nas passerelles mundiais e é um dos mais pedidos nos cabeleireiros da Baixa. As ceras capilares ajudam a dar o toque final, ao gosto de quem o penteia, ora todo para cima, ora virado para um dos lados, como que num arrepio. O efeito é sempre arrojado.
"O que se pretende é mostrar alguma inovação, usar um visual que prova que estamos um passo à frente, sem seguir o estilo curto, sem forma, dos betos, nem os penteados desleixados de outros. Este ano há índios e cowboys", explica João Alberto, estudante de Belas Artes, também ele adepto do topete estilizado, mas com caracóis.
Na entrada da rua que recebe o elevador da Bica, Pedro Plastic, hairstylist do Wip, maneja as tesouras tal protagonista de um filme de Tim Burton. Do espaço da austríaca Sabine Pawlik, que se assume como "ponto de incisão para transferência cultural", só saem "cabeças descontraídas e livres". O corte custa 37 euros. Há quem escolha o ‘pixie', com cabelo curto de um lado e puxado do outro, pintado em vários tons de louro, que Rihanna mostrou num evento. Outros mantém as eternas ‘dreadlocks', agora pintadas de cores pastel, azul-claro, rosa-bebé, bege, para dar tons do arco-íris à filosofia rastafári. E muitos, mesmo muitos, optam pelo semi-rapado, com cristas, tigelas ou franjas longas.
CORES VIBRANTES E PASTEL
"O cabelo revela a identidade de cada momento. E este verão, enquanto os homens preferem cores vibrantes ou o efeito ‘sunshine', do cabelo tingido naturalmente pelo sol, as mulheres optam por tons quentes, ruivos e beringela, louros e pretos", diz Pedro Plastic. "Nos cortes, valem os contrastes, com zonas com bastante cabelo e outras mais finas, ondulados e lisos", garante o hairstylist que trocou o Porto por Lisboa, onde o visual "é mais ousado".
Sérgio Diogo, 28 anos, bailarino e performer, exibe com orgulho o estilo desta temporada, inspirado nos índios da Amazónia e no glam rock dos anos 80. Usa o corte do momento, que aposta numa parte da cabeça rapada, deixando aos cabelos que sobram o espaço de rebeldia. "Queria fazer este penteado porque acho que se cola a alguns dos protestos que estão em voga, é colorido e ousado", adianta.
Desde os 16 anos, quando decidiu rapar o cabelo uma primeira vez, Sérgio sempre gostou de arriscar, seja na roupa, na vida e ultimamente também nos penteados. A profissão também lhe deixa margem para a ousadia. E de há um ano a esta parte entrega-se sem medos às mãos de Pedro Plastic. O resultado agora exibido mistura a "inspiração tribal, o corte à tigela dos anos 70, com os contrastes dos anos 80", explica o hairstylist. "Este ano há uma evolução de todas essas linhas, agora com cores pastel, e apontamentos diferentes, em riscas", diz, enquanto penteia a franja de Sérgio, cujo efeito ‘zebra' faz com que pareça a paleta inspirada de um artista.
As pontas retas são as preferidas de quem gosta de mostrar um visual limpo e saudável e, ao mesmo tempo, quer evidenciar uma atitude arrojada. No início da temporada, Cátia, 19 anos, assistente de cabeleireiro, retirou as extensões vermelhas, tingiu o cabelo de preto, qual índio das tribos tupi ou guarani, e escolheu o clássico corte ‘bob' - o modelo de corte redondo muito usado pelas francesas nos anos 1970 e 1980 - com uma abordagem inovadora, mantendo a franja, que é a tendência para todo o ano 2013, agora num formato mais leve e curto, acima das sobrancelhas. Com um toque vintage, o visual de Cátia contrasta com a pele branca e o vermelho dos lábios. "Por agora é para manter. Gosto de me ver assim", diz.
De volta a um espaço multicultural, num outro salão lê-se num papel escrito à mão: ‘Tranças e tissagens a bons preços'. É aí que a senegalesa Lolita aplica a técnica de trança brasileira numa cliente assídua. "Isto demora mais de cinco horas a fazer, mas o resultado é garantido. Leva extensões, que são cosidas ao cabelo natural e depois podem ser tingidas na cor pretendida", explica. "As africanas preferem o preto ou o castanho muito escuro, mais próximo do tom natural, as europeias adotam o cobre ou o tom de mel". O efeito é um "cabelo mais solto".
O TOM DA LIBERDADE
Teresa Ribas está "profissionalmente desocupada" e, apesar de viver na Margem Sul, só muda de corte em Lisboa. "Estico, faço madeixas, extensões, gosto de mudar. Este ano vou experimentar uma cor beringela, que dizem estar muito na moda. É para dar cor à crise", adianta, entre risos.
No salão que mantém aberto na galeria do Martim Moniz, Ana Pereira nota que todas as temporadas "mudam os estilos e os cortes", mas nos últimos tempos os clientes estão mais ousados. Este verão vibra de vermelho e laranja, mantém as madeixas californianas, uma tendência do ano passado que ainda não saiu de moda, e as raízes naturais à mostra. Garante que no seu estabelecimento passam muitas estrangeiras, "para fazer coloração, mise, lavar e esticar".
Elza Xu, 23 anos, é uma das que arrisca mudar o visual em Lisboa. Exibe um corte longo, de cor alaranjada nas pontas, cheio de volume, bem diferente do que se usa na sua terra natal, explica, em castelhano, a amiga Xin, de 26 anos, estudante em Madrid. "Na China usa-se o cabelo todo de um tom, liso. Como estamos de férias, aproveitámos para mudar. Aqui há muita liberdade."
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