Medo do escuro
“Eu tento confortá-lo como o José Mourinho terá confortado a sua equipa depois de levar cinco do Barcelona”<br/><br/>
Neste preciso momento estou a escrever este texto no escuro, sentado na mini-secretária azul do IKEA que os meus três filhos têm no quarto. E não, não é por apreciar particularmente produzir crónicas a 50 centímetros do chão, com os joelhos ao pé da boca. É porque nas últimas tristes, penosas e atribuladas semanas, esta tem sido a única forma de o meu filho do meio conseguir adormecer. O Tomás tem quatro anos e anda aterrorizado com o escuro. Tão aterrorizado que acabou de levantar a cabeça para ter a certeza de que eu estou mesmo aqui, e que não é uma bruxa, nem um vampiro, nem um lobisomem quem está a teclar artigos para o Correio da Manhã.
Não fosse ele estar tão genuinamente assustado e pensava em processá-lo por maus tratos psicológicos. Nos últimos tempos, dois terços dos neurónios que cessaram de viver na minha já de si depauperada cabeça foram pessoalmente assassinados por ele. Quando o Guilherme (o irmão mais novo) começou enfim a dormir as noites completas e a parar de guinchar cada vez que lhe caía a chucha, eis que os pesadelos se lembraram de desabar sobre o Tomás.
E que desabamento – não há noite em que ele não acorde aos gritos, em pânico, a chamar pela mãe e a pedir para ir para a nossa cama. Pior: o próprio acto de adormecer é este longo e penoso ritual, apesar de partilhar o quarto com os outros dois irmãos. O Tomás tem luz, tem companhia, tem peluches, tem tudo, mas nada disso chega para adormecer em paz, sobretudo quando a Carolina (a mais velha) fecha primeiro os olhos. Aí o Tomás afunda-se nos lençóis, regressa à posição fetal e vê-se que é com profunda angústia que aguarda a partida para o mundo dos sonhos.
Este medo irracional está muito para lá da compreensão de qualquer adulto. Eu tento confortá-lo como o José Mourinho terá confortado a sua equipa depois de levar cinco do Barcelona. Mas eu não sou o José Mourinho. Digo-lhe que estamos aqui mesmo ao lado, que as cortinas do seu quarto são mágicas e à prova de bruxa, que há estrelas lindas a brilhar no tecto (foi a colá--las que ganhei duas hérnias para a vida). Só que o medo engole o meu discurso, sem deixar palavra sobre palavra. O remédio? Bom, o único remédio que conheço é este. Ficar aqui, à frente do ecrã do computador, à espera que o sono chegue. Levou uma crónica inteira. Mas o Tomás finalmente adormeceu.
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