Playboy: Império erótico em mãos femininas
O casaco do ‘tailleur’ cinzento abotoado até ao pescoço. É em tais preparos que a conselheira delegada e presidente do império multimédia do erotismo desce uma escadaria transparente, junto à parede onde está gravada a imagem de um coelhinho.
À volta dela, a maioria dos empregados – principalmente os mais poderosos – é do sexo feminino. Mas o quadro a aguarela de um corpo nu, a roupa interior colorida pendurada em vários cabides e as primeiras páginas emolduradas lembram que esta é a sede da revista masculina mais lida do Mundo.
Numa das paredes do seu escritório, na Quinta Avenida nova-iorquina, Christie Hefner, de 54 anos, pendurou o quadro de um pequeno trenó atravessando a Praça Vermelha, em Moscovo. A imagem representa uma recordação grata e também um motivo de orgulho: a revista de Hefner foi um dos primeiros produtos ocidentais a entrar na Rússia após o fim do comunismo. Perto da janela uma fotomontagem mostra uma mulher africana com uma túnica vermelha, outro dos seus retratos preferidos. “África é o lugar mais belo da Terra”, assegura. Na mesa do café, entre exemplares da Playboy, repousa um livro sobre política nacional.
Hefner fala em voz baixa e usa um tom cortês, até que algum detalhe a contrarie. O seu sentido prático faz com que evite prestar-se a entrevistas a revistas femininas porque, até agora, não eram o seu público. Como é óbvio. Defende até ao mínimo pormenor os interesses de uma empresa que embolsa anualmente quase 400 milhões de dólares e que já salvou da crise em duas ocasiões.
Na primeira, no final dos anos 80, convenceu o pai e fundador da revista, Hugh Hefner, a nomeá-la presidente com apenas 29 anos. “Já estava há sete na empresa e há três no conselho de administração. Julguei que sabia o necessário para recuperá-la. O anterior presidente ia-se embora e ia demorar meses a substituí-lo, sem contar com o período de adaptação de quem viesse.
Às vezes, quando uma pessoa tem problemas, não pode permitir-se o luxo de perder tempo... Mas, sinceramente, era demasiado jovem para dar-me conta das consequências da minha decisão”, recorda. Mais tarde, quando o aparecimento de novas publicações e a concorrência da internet afectaram a revista, Hefner enfrentou a quebra de vendas entrando no segmento audiovisual, na internet e até na moda.
Em Setembro inaugurou a sua primeira grande loja em Londres, o que representa a consolidação do negócio, ampliado até à venda de roupa e de objectos para o lar, com o objectivo de atrair a clientela feminina. Dados recentemente publicados mostram que o império de Hefner rendeu quase 83 milhões de dólares só no terceiro trimestre de 2007.
“Somos afortunados porque temos uma grande revista estável e podemos complementá-la com novos negócios de televisão e licenças, os nosso actuais sectores de crescimento”, assegura esta mulher que não deixa assuntos em aberto. Reconhece, contudo, que a perda de leitores obrigou a redesenhar a revista para torná-la mais apelativa visualmente e a incluir rubricas de moda, humor, desporto e vídeojogos.
Na Imprensa, a Playboy mantém o seu estilo erótico, mais suave e afastado da pornografia, que, no entanto, constitui uma aposta na internet e na TV por cabo. “As pessoas têm centenas de canais e um telecomando. Fazem clic e decidem numa questão de segundos. É quase o oposto da experiência da revista. Reduzimos os conteúdos ao entretenimento devido à natureza do meio: as pessoas sabem que a televisão é sexy e é na revista que procuram as boas entrevistas e o bom jornalismo”, explica Hefner, que começou a sua carreira como jornalista, mas agora deixa as sugestões editoriais ao pai. O pai Hefner vive na sua famosa mansão rodeado de ‘coelhinhas’ e continua a ser o editor-chefe da revista Playboy.
“Uma das razões que nos leva a trabalhar bem é ele nunca ter ambicionado o cargo de administrador delegado. Ele queria ser director de uma publicação com sucesso e foi apenas o facto de a empresa entretanto ter crescido que o obrigou a desempenhar um outro papel durante algum tempo. De maneira que somos muito complementares, porque a mim agrada-me a estratégia, a gestão e, inclusive, as operações de investimento de uma empresa cotada na bolsa. Ele não gosta de nada disso. Ele gosta de trabalhar com os jornalistas e com os repórteres fotográficos para fazer a melhor revista possível e, além disso, promover a Playboy e o seu estilo de vida. Formamos uma boa equipa porque gostamos de fazer coisas diferentes”, explica.
OPOSIÇÃO MORAL
“Quando o Governo é mais conservador, a revista tem mais importância como oposição moral. Nota-se no fórum on-line e nas cartas que nos enviam os leitores”, explica a executiva, que partilha a ideologia política do pai... democrata, claro. Christie entusiasma-se a falar do candidato às eleições (presidenciais dos Estados Unidos) Barack Obama.
Em 2004, ela ajudou na campanha de Obama para o Senado. “Sempre fui politicamente activa, em primeiro lugar porque é uma obrigação cívica e em segundo porque o assunto me interessa. Fui uma das fundadores de ‘Emily’s List”, que angaria fundos para os democratas que apoiam o direito ao aborto. Trabalhei para Barack nas Primárias, quando não era favorito, nem sequer tinha possibilidades.
Foi uma experiência verdadeiramente gratificante estar na Convenção quando ele discursou ou vê-lo ganhar na noite eleitoral. Penso que tem um futuro brilhante”, vaticina a empresária, que agora apoia a candidatura de Obama à presidência dos Estados Unidos.
Embora afirme admirar Hillary Clinton – apoiou-a quando se candidatou ao Senado -, Hefner duvida das possibilidades de uma “uma figura que polariza tanto.” “Para ser alguém que rompe uma barreira, seja a primeira mulher ou o primeiro afro-americano, é preciso ultrapassar muitos preconceitos.
Por isso, penso que a primeira mulher presidente será alguém que não projecte uma imagem tão negativa de si como a que (Hillary) tem em alguns sectores, mesmo se é uma excelente senadora”, diz a responsável de um império orientado por mulheres, entre as quais a vice-presidente, a directora financeira e a responsável pelas relações com a Imprensa, o que considera “uma vantagem competitiva.”
“Muitas mulheres brilhantes não querem ser as únicas na sala de conferências quando há uma reunião ou se toma uma decisão... A Playboy é um lugar atractivo para as mulheres porque sabem que vão estar em boa companhia. Mudou desde que assumi a direcção, mas ainda temos de alcançar a paridade no conselho de administração.
De resto, fora da minha empresa formei, com outras três executivas com cargos de responsabilidade em empresas cotadas na bolsa, o ‘Director’s Council’, um grupo que trabalha para que mais mulheres participem nos conselhos”, explica Hefner, que, apesar da sua seriedade e da severidade que o seu aspecto transmite, costuma dirigir-se com doçura às suas funcionárias.
Que uma revista tão especialmente dirigida ao público masculino seja dirigida por mulheres já não chama tanta atenção como quando ela assumiu a presidência, também porque agora a empresa visa os dois sexos. De início, quando lhe perguntaram ‘Não é estranho uma mulher mandar numa empresa que vende produtos para homens?’, ela respondia que lhe parecia igualmente estranho que, durante séculos, homens tivessem vendido produtos para mulheres.
“Quanto à parte sexual, creio que alguém que passe uma hora a ler a revista ou a estudar a política da empresa, saberá que se trata de uma força progressista e quem pense que as imagens sexys ou sexuais das mulheres são, por natureza, degradantes tem um problema. A Playboy celebra a mulher de uma forma romântica”, defende.
“Na minha geração, e especialmente nas seguintes, as atitudes perante o feminismo e a realidade sexual são muito diferentes em relação às de há 25 anos. As jovens sentem-se muito seguras das sua sexualidade e, ao mesmo tempo, são muito ambiciosas nas suas aspirações profissionais.
A antiga dicotomia segundo a qual se uma mulher quer ser levada a sério não deve vestir-se de forma feminina ou maquilhar-se, essa parte que remete para o movimento dos anos 60, já não reflecte as raparigas de hoje”, afirma.
Segundo Hefner, “a revolução sexual do mundo Playboy apoia e dá poder às mulheres. Não é por acaso que os países que as reprimem também reprimem o sexo. Não é acidental. É uma relação necessária.
Ou se acredita na liberdade sexual – e isso supõe direitos reprodutivos e igualdade de direitos tanto para as mulheres como para os homossexuais e as lésbicas – ou não se acredita. Se não se acredita não há identificação com o movimento das mulheres nem com a libertação sexual.”
'COELHINHAS' SEDUZEM PÚBLICO FEMININO
Christie Hefner fez-se acompanhar pelas ‘coelhinhas’ Lindesy Vuoloo e Lauren Anderson na inauguração da primeira loja de roupa em Londres. O império Playboy pisca o olho às mulheres através da moda.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt