Portugal visto do ar

Duarte Fernandes Pinto tem a aviação como hobby mas detém o maior portfólio de imagens aéreas do País

18 de setembro de 2016 às 15:00
16-09-2016_12_02_57 12565934.jpg Foto: João Cortesão
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Duarte Fernandes Pinto sempre gostou e sonhou voar. Como ele existem certamente muitos outros, mas no seu caso era quase inevitável: o ‘vírus do ar’ foi-lhe transmitido pelos pais, ambos pilotos de aviões e planadores, que frequentemente o levavam a voar com e sem motor durante a infância. Hoje é o piloto português com o maior portfólio de fotografia aérea de Portugal, e que pode ser visitado por qualquer um no blogue A Terceira Dimensão.

A mãe do piloto amador e gestor de software de profissão, Anneliese Mosh (filha de Erwin Mosh, engenheiro alemão que veio para Portugal nos anos 30 para fundar a Bayer), foi até detentora do recorde de distância em planador durante 16 anos. O pai, o português Henrique Fernandes Pinto, acumulou títulos e chegou a sagrar-se vice-campeão da Europa de Ralis Aéreos, corria o ano de 1971. Querer voar não era coisa estranha lá em casa.

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Mas, curiosamente, Duarte Fernandes Pinto só tirou o brevet no Aero Clube de Portugal já próximo dos 40 anos de idade, altura em que "finalmente dispunha dos meios financeiros e do tempo suficiente para dedicar a essa tarefa", conforme faz questão de explicar.

DISCIPLINA

Até porque a regularidade com que publica novas fotos é precisamente um dos segredos do sucesso da página, que gere há sete anos, e que chega a ter centenas de visitas semanais.

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Licenciado em gestão de empresas e trabalhador independente na área da infor-mática de gestão, Duarte, atualmente com 55 anos, viveu sempre a aviação como um hobby. Mas não se pense que é tarefa fácil, simplesmente por ser livre escolha.

"As ‘missões fotográficas’ são por natureza diferentes de um simples passeio ou viagem aéreos. Implicam voar a altitudes baixas, sujeito a muita turbulência em dias de vento ou calor. Exigem a captação de imagens de manhã cedo ou ao final do dia, por questões de luminosidade", revela.

Para evitar os reflexos que lhe estragam as imagens, captadas com uma simples Sony Ciber-Shoot, usa simplesmente um desentupidor de canos! Aliás, foi esta estratégia artesanal que lhe permitiu melhorar e muito a qualidade das imagens.

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"Precisava de algo que tapasse a luz à volta da lente e que ao mesmo tempo não danificasse os vidros do avião. O desentupidor foi a solução ideal. E só custou 1,49 euros no supermercado!", explica. Mas captar fotos e manter a estabilidade do avião no ar não é assim tão simples: "Habitualmente uso a mão esquerda para pilotar e a direita para manobrar. Quando estou sobre o alvo, o que faço é ligar a máquina, ajustar a potência e, com a câmara na mão, dou uma volta ao objetivo com o avião inclinado. Fotografo sempre em automático e o trabalho de edição fica para fazer depois em casa", conta.

AVIÃO PRÓPRIO

Ir acompanhado não é uma condição determinante. "Gosto de voar sozinho, mas também acompanhado por outro piloto que não se importe de sofrer algumas sacudidelas durante o voo", avisa.

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No final de 2010 adquiriu o seu próprio avião. "Abordei a aviação ultraleve no início desse ano, estendendo o brevet a essa modalidade em março. Comprei a quota de um avião nesse mês e logo em junho fui forçado a aterrar numa praia próxima da Figueira da Foz devido a problemas mecânicos. Por sorte, correu tudo bem; passageiro, piloto e avião saíram ilesos. Decidi então vender a quota desse avião e comprar o meu próprio novo (SportCruiser), entregando a sua manutenção a um bom mecânico. Foi a concretização de um sonho, impulsionada pelas circunstâncias dessa aterragem forçada. Só assim me sentia com condições de segurança suficientes para voar e prosseguir com o trabalho do blogue, na altura já com um ano de idade", garante.

Até porque a segurança sempre foi palavra de ordem para Duarte: "Só dessa forma o consigo fazer. O meu avião tem, aliás, um sistema de paraquedas que me permite aterrar de forma segura no caso de haver alguma dificuldade no ar". E é também por causa da segurança que pondera um dia parar esta atividade. "Neste momento, há muitos drones no ar, o que deixa de ser seguro para fazer as altitudes baixas necessárias para fotografar. Teria de subir muito mais, mas para isso já não dá para fotografar...", lamenta.

Um hobby que não é barato mas, por vezes, a fórmula da felicidade implica fazer concessões. "Não tenho casa própria, conduzo um carro com 13 anos, mas assim posso ter este hobby. Voando uma média de 100 horas por ano, a hora de voo situa-se em cerca de 60 euros, todos os custos incluídos (combustível, manutenção, seguro, hangaragem e amortizações). No fundo, se compararmos com a mesma distância percorrida num carro, o custo não é assim tão diferente. São escolhas", justifica. Também o avião, do qual é proprietário, custou "o equivalente a um carro de gama média-alta".

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LIVROS E ALHEIRAS

De resto, tudo sai do seu próprio bolso, até porque Duarte não aceita quaisquer patrocínios. "As editoras fizeram-me uma doação pelas fotografias cedidas, mas não aceito dinheiro. Muitas vezes as pessoas contactam-me através do blogue porque gostariam de ter uma fotografia aérea da sua terra e eu faço questão de oferecer. A única motivação é mesmo poder partilhar com os outros, já que a maioria das pessoas nunca tem a oportunidade de conhecer o País desta forma", faz questão de deixar bem claro o aviador.

Quando muito, faz pequenos favores a amigos e conhecidos. "Às vezes pedem-me recados e eu junto o útil ao agradável. Há pouco tempo, um conhecido meu precisou de que lhe levasse as alheiras rapidamente para o restaurante, para que não se estragassem com o calor. Fui buscá-las a Mirandela e menos de duas horas depois já estavam no frigorífico do restaurante!", conta com um sorriso divertido.

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LIMITAÇÕES

Os temas pelos quais organiza e publica o seu trabalho estão intimamente ligados a conceitos geográficos: são essencialmente cidades, vilas, aldeias, praias, barragens, castelos e santuários que permitem a quem o visita ficar com uma perspetiva totalmente diferente dos locais que apenas conhece a pé ou desvendar sítios de Portugal onde nunca esteve, alguns até de difícil acesso. "Há muitos sítios lindíssimos que só se conseguem ver do ar. E nesse aspeto acho que sou um verdadeiro privilegiado", reconhece. Mas, como quase tudo na vida, também o blogue Terceira Dimensão não sobrevive sem muita dedicação e algum sacrifício. "Não consigo estimar as horas de voo dedicadas a captar imagens para o blogue, mas poderia lançar um número por alto: 500", confessa.

E não só. Antes e depois do voo propriamente dito – quase sempre às quintas-feiras de manhã – também é preciso fazer muito bem os trabalhos de casa: "Foram milhares de horas para manter o blogue ao longo destes sete anos", pois cada missão inicia-se com o planeamento dos alvos a captar e do trajeto. Seguidamente vem a melhor parte: o voo em si. E só depois a "dolorosa" seleção de imagens frente ao computador.

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Para o fim, fica o momento mais gratificante: a publicação de um novo post a cada dois dias, sempre dedicado a um tema e com a certeza de que o Mundo é mais belo visto lá de cima...

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