Quis tornar-se aquilo que pode deixar de ser

Bruno de Carvalho foi à liderança do Sporting com devoção mas arrisca um fim inglório.

15 de abril de 2018 às 10:40
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Se muita gente sabe que Bruno de Carvalho é sobrinho-neto de Pinheiro de Azevedo, nem que seja por se ter inspirado no tio-avô - que em 1975 exclamou "vão bardamerda mais o fascista!" a manifestantes que assim o rotulavam enquanto cercavam a residência oficial do primeiro-ministro - ao proferir o polémico grito "bardamerda para todos aqueles que não são do Sporting Clube de Portugal" na madrugada de março de 2017 em que foi reeleito para o segundo mandato, a verdade é que a sua grande influência foi o irmão do ‘almirante sem medo’ e avô maternodo42ºpresidentedo Sporting: Eduardo de Azevedo.

Foi por amor de neto que Bruno de Carvalho se acercou pela primeira vez do cargo que conquistou em 2013 e que a crise dos últimos dias poderá forçá-lo a abandonar. Foi em 1995 que o estudante universitário entendeu que o clube esquecera o avô, autor de ‘História e Vida do Sporting Clube de Portugal’, obra em três volumes que em 1967 começou por ser publicada em fascículos. Perante a desconsideração, manteve-se durante 20 dias junto à mítica porta 10-A do antigo estádio de Alvalade, à ‘caça’ de dirigentes. E o sócio 39 504 acabou por ser recebido pelo vice-presidente Mário Matos e por falar com o presidente Sousa Cintra, conseguindo o seu intento.

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Eduardo de Azevedo, então com 79 anos, foi visitado em casa por Mário Matos, obtendo um emblema de leão como recompensa por escrever uma obra pela qual não pediu direitos de autor. Presente estava o neto, citado, ainda como Bruno Miguel Azevedo Carvalho, na reportagem do jornal do clube. "Estou muito feliz por esta prova de gratidão do Sporting", disse o futuro presidente leonino. No domingo passado, ouvindo apupos, assobios e insultos vindos das bancadas do Estádio José Alvalade, prova de que muitos sócios e adeptos estão com o plantel no diferendo que pôs em causa cinco anos à frente do clube, "ingratidão" foi uma das palavras-chave usadas por Bruno de Carvalho.

Eleito presidente do Sporting em 2013, com apenas 41 anos, dois anos depois de ter chegado a festejar a vitória que foi atribuída a Godinho Lopes, Bruno de Carvalho garantiu a Bruno Roseiro, o autor do livro ‘O Presidente semMedo’, que desde há muito tinha essa ambição. "Um diavouserpresidentedoSporting!", disse ao pai ao entrar pela primeira no estádio, com seis anos, numa época em que Manuel Fernandes e Jordão afinavam a pontaria para as alegrias que dariam ao pequeno adepto nos anos seguintes.

De África para Telheiras

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Mais novo dos quatro filhos de Rui de Carvalho e de Ana Paula Azevedo de Carvalho, Bruno nasceu em Lourenço Marques em 1972. A família mudou-se para Moçambique quando o pai foi fundar o Laboratório de Hidráulica do Laboratório de Engenharia de Moçambique, enquanto a mãe era professora e trabalhava no Banco Nacional Ultramarino. Dos tempos em África guarda fotografias e a recordação da longa viagem de avião, sempre ao colo da mãe. Teve medo de voar, algo que se manteve durante anos, mesmo sem saber que não voltaria à sua primeira casa, que antes da independência foi protegida por fuzileiros, por intervenção do almirante Pinheiro de Azevedo.

Quando aterrou em Lisboa ficou a viver junto ao aeroporto, perto da avenida Almirante GagoCoutinho, mas grande parte da infância e da juventude foram passadas no centro da cidade, num prédio da avenida Ressano Garcia, no qual o irmão e as irmãs o faziam adormecer a enumerar jogadores doSporting em vez de contar carneiros. À distância de um corredor, pois vivia no primeiro esquerdo enquanto os Carvalho habitavam no direito, o amigo José Luís Beleza recorda-se de um "adepto fervoroso e totalmente maluco peloSporting", ao lado do qual assistiu ao 7-1 com que os leões esmagaram, 11 dias antes do Natal de 1986, o Benfica que até viria a sagrar-se campeão no final da temporada. "Estava com ele, no meio da Juventude Leonina", recorda o advogado, que mais tarde passou a torcer pelas águias.

A ligação de Bruno de Carvalho à mais antiga claque do Sporting seria contestada aquando da sua primeira candidatura à presidência do clube, forçando-o a esclarecer que não chegou a inscrever-se, sendo apenas mais um daqueles que se juntavam na curva sul a apoiar a equipa. Seja como for, em 2000 passou para a mais pacata Torcida Verde.

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Também marcante no início da sua vida foi a Assembleia da República. Ao contrário do que aconteceu a 3 de abril, quando lhe foi cortada a palavra numa conferência sobre violência no desporto, aproveitou o facto de a mãe trabalhar com Sá Carneiro e Pinto Balsemão para ‘invadir’ o hemiciclo quando o encontrava vazio."No púlpito fazia tudo: palmas no início, 15 ou 20 minutos de discurso, palmas no final", recordou no livro ‘O Presidente semMedo’. Anos mais tarde, José Luís Beleza, também seu colega nas escolas Marquesa de Alorna e Maria Amália Vaz de Carvalho, acompanhou-o na renhida campanha presidencial de 1986."Ele era 100 por cento peloFreitas doAmaral", assegura quem também na política viria a divergir de Bruno. Certo é que a opção pelo candidato escolhido por Cavaco Silva e derrotado por MárioSoares só poderia ser natural em que foi toda a vida próximo do PSD.

Surpreendente para muitos, à luz do clima hoje existente no futebol português, é outra memória de José Luís Beleza. "Quando o FC Porto foi campeão europeu, eu e o Bruno fomos festejar a vitória para a rua. Era uma equipa portuguesa a vencer", recorda o advogado, admitindo que "hoje em dia ninguém faz isso" e lamentando o "efeito bola de neve" das intervenções de quem "sempre teve sangue na guelra" embora nos torneios de futebol de cinco em que os dois participavam preferisse jogar à defesa.

Mais distante desse amigo mas mais próximo do clube ficouBruno, aos 18 anos, quando os pais mudaram a família para uma casa maior, estrategicamente situada no bairro de Telheiras.Reivindicou um quarto com vista para o estádio de Alvalade, decorando-o com muitos cachecóis, camisolas e demais símbolos em tom verde-e-branco.

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Amores e negócios

Com a existência centrada em redor do Sporting, pois tirou o curso de Gestão na Ameixoeira e escolheu a Quinta do Lambert na hora de ter casa própria, abriu a primeira empresa em 1996, sendo sócio-gerente da Bruno de Carvalho - Revestimentos,Soluções de Interior e Representações Comerciais até 2009. Mas o seu projeto mais ambicioso foi a empresa de construção Polibuild, epicentro de uma guerra com oFisco, pois no início deste ano o presidente doSporting interpôs quatro reclamações de outros tantos processos de execução fiscal no valor de 3,3 milhões de euros. Certo é que em 2010 foi destituído da gerência e substituído pela mãe, que também acabaria por abandonar o cargo.

Outras apostas empresariais foram mais efémeras. Assim sucedeu com a Brilhante Plateia, dedicada a merchandising desportivo, constituída e encerrada em 2011 por entre desentendimentos entre sócios, ou com a clínica de saúde e bem-estar Full Balance, criada com a irmã Alexandra, que lá fez hipnoterapia.

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Também dissolvida foi a relação com a mãe de Ana Catarina, sua filha mais velha. A russa Irina Yankoch terá voltado ao país natal e quando a Justiça tentou notificá-la num processo, Bruno terá dito que ignorava o seu paradeiro. Dedicou-se à filha, agora com 15 anos, criando-a como pai solteiro até ao casamento com Cláudia Dias Gomes, celebrado em Bora Bora, logo após a derrota eleitoral de 2011, e logo oficializado em Portugal,numnovocapítulode uma história de amor, da qual nasceu a segunda filha de Bruno, Diana, mas que teve um fim tão cinzento quanto verde foi o início. Conheceram-se no aniversário de uma amiga em comum e o primeiro encontro a dois foi passado no estádio, a ver um jogo do Sporting, seguindo-se um jantar romântico.

"Uma parte de mim de que jamais quero abdicar" era como Bruno se referia a Cláudia na página da Fundação Aragão Pinto, à qual presidia e que criou, com o nome do falecido dirigente leonino José Aragão Pinto, para dar acesso ao desporto a crianças desfavorecidas - embora também haja quem prefira descrever a sua finalidade como uma forma de "concorrer a programas de financiamento e ganhar umas massas". Certo é que a fundação deixou de ter atividade e que o casamento acabou no final de 2016, quando o presidente do Sporting já mantinha uma relação com Joana Ornelas, funcionária do clube que passou a coordenadora dos departamentos de Marketing, Comunicação, Merchandising, Relações-Públicas e FundaçãoSporting depois do casamento, celebrado no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, a 1 de julho de 2017. Da nova relação do líder do Sporting nasceu nesta segunda-feira Leonor, terceira filha de Bruno e segunda de Joana.

Caminho para o poder

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Pouco consensual entre aqueles que acompanharam o caminho de Bruno é o grau de planeamento no caminho para a presidência do clube. Havendo quem lhe aponte inspiração, desde há muito tempo, num exemplo com provas dadas - "está a seguir aquilo que o Pinto da Costa fez no FC Porto nos anos 80", comenta um conhecido -, Octávio Machado é particularmente cáustico. "Ele tinha um grande sonho: ser futebolista do Sporting. A primeira coisa que fez como presidente foi equipar-se e jogar à bola." De tal forma que o ex- -diretor-geral do futebol dos leões acredita que os recorrentes problemas de relacionamento com elementos do plantel "é uma consequência da frustração de não ter conseguido ser o que desejava".

Pelo contrário, José Luís Beleza recorda que, ao voltar a ter contacto próximo com o amigo de infância, ficou impressionado com " os sonhos de fazer algo novo com o Sporting" em alguém "muito preocupado com o caminho para onde o clube estava a ir". E o empresário Gonçalo Fernandes, filho do antigo vice-presidente Abílio Fernandes, que só conheceu Bruno de Carvalho em 2011, aquando da primeira candidatura à liderança do clube, reforça essa impressão. "Percebeu-se logo que poderia ser a pessoa certa", salienta, considerando que sete anos depois considera que o amigo está "completamente igual" e empenhado em "defender os interesses" doclube.  

Algo que Gonçalo Fernandes crê que nunca esteve em causa desde o início do primeiro mandato:"Ele é bastante assertivo e sabe o que é capaz de fazer. Se visse que não tinha capacidade, se tivesse qualquer dúvida, nem se teria candidato."

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E provavelmente também não teria feito um mestrado em Gestão do Desporto de Organizações Desportivas, ou os cursos de treinador de nível I da Associação de Futebol de Lisboa e de nível II da FIFA. Ou, do mesmo modo, não teria impulsionado o site Centenário Sporting e não teria auxiliado o renascimento do hóquei em patins do Sporting. Vítima da razia às modalidades amadoras, reapareceu como secção autónoma, à qual o clube emprestava apenas o nome. Ligado a esse projeto entre 2006 e 2009, quando os leões só tinham escalões de formação, ainda hoje vê reconhecido o "especial carinho" por uma equipa que é agora oficial e que luta pelo título com o Benfica e FC Porto.

E se há quem lhe aponte desde sempre vocação de ‘tiranete’, reconhecendonospostsdeFacebook dirigidos aos jogadores velhos hábitos, Gonçalo Fernandes relativiza."Eleéexigentecom toda a gente, e os sócios foram exigentes com ele, como se viu pelos assobios.Tem de ser exigente com todos, sejam jogadores, funcionários ou dirigentes".

Nas próximas semanas se verá o destino do dirigente a quem partidários e opositores reconhecem que falta o título de campeão no futebol.

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