Soluções milagrosas?

Vendem mais que o Prémio Nobel e ocupam lugares cimeiros nos tops. Fáceis de encontrar e com uma linguagem acessível, cativam cada vez mais leitores. É um género literário que veio para ficar.

21 de agosto de 2005 às 00:00
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Há dez anos, as livrarias portuguesas tinham, no máximo, uma prateleira, meio escondida com a designada literatura de ‘auto-ajuda’, muitas vezes também apelidada de ‘desenvolvimento pessoal’ ou ‘espiritual’. Hoje em dia, a situação inverteu-se e estes títulos ocupam várias prateleiras, várias estantes e não estão escondidas. Que fenómeno é este que a Europa importou dos Estados Unidos?

O psicólogo Telmo Baptista, professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação em Lisboa, acredita que este fenómeno veio ao encontro de uma curiosidade que as pessoas demonstravam, há muito, sobre temas relacionados com a psicologia: “Antes desta literatura chegar até nós, existia muita curiosidade, no entanto, não existia capacidade de resposta. Para se ler mais, saber mais, conhecer mais, tínhamos que ler em inglês”.

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Regina Landeiro, 36 anos, secretária, mergulhou, há 10 anos, neste universo por razões tristes: “Em 1995 uma grande amiga minha morreu num acidente de viação. Não assisti ao funeral e não consegui fazer um luto porque vivia em choque emocional. Comecei a questionar toda a situação: porquê ela?”. Curiosamente, Regina só soube da morte da amiga ao aterrar em Portugal porque quando o fatal acidente acontecera, Regina estava em Itália: “Outro facto que me levou a reflectir foi ter sonhado bastante com a minha amiga enquanto estava fora, sem saber o que acontecera”, comenta.

Depois de observar de perto o mercado norte-americano durante três anos, Maria Antónia Vasconcelos, fundadora e editora da Sinais de Fogo, regressou a Portugal. Na bagagem trazia a vontade de publicar coisas. E assim, em 1999, ‘O Caminho Menos Percorrido’, um clássico de M. Scott Peck chegou às bancas portuguesas. “Decidi publicá-lo porque além de ser extremamente importante no campo do desenvolvimento pessoal, existia no mercado há 25 anos. Estava traduzido em várias línguas menos em português”, conta a editora. E acrescenta: “Senti que as pessoas procuravam respostas”. A Sinais de Fogo editou outros títulos, entre os quais, os sete volumes das populares ‘Conversas com Deus’, de Neale Donald Walsch que, em apenas três anos, atingiu um volume de vendas de 100 mil exemplares.

ENCONTRAR RESPOSTAS

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Céu Santos, 50 anos, professora, passou anos com picos de depressões. Não encontrava respostas para os seus problemas até que, há cerca de 3 anos, deslumbrada com a filosofia oriental começou a ler as conferências em jeito de livro que Osho havia feito: “Houve uma época da minha vida em que quis perceber os porquês das coisas e encontrei respostas neste género de livros”, adianta. E prossegue: “Já li muita coisa e aprendi a gerir melhor o dia-a- -dia. Sinto-me mais calma e relaxada e encaro a vida de outra forma. Nunca mais tive depressões. O meu médico ficou espantado e até me disse que este ‘tratamento’ tinha sido muito eficaz!”.

Alice, Emília, Regina e Céu têm percursos de vida distintos mas partilham uma teoria: Depois de lerem alguns autores compreenderam que nada na vida acontece por acaso e que parte do ser humano encarar o quotidiano com energia e optimismo. Todas elas se sentem realizadas e (mais) completas após terem apreendido uma série de conceitos. Alice vai mais longe ao afirmar que nos últimos 5 anos “aprendeu a ser uma pessoa melhor do que já era e a amar incondicionalmente”.

“Acredito que as pessoas estão cada vez mais interessadas em compreender os seus problemas. São socialmente pressionadas, vivem a correria do quotidiano e, às vezes, é preciso que o ser humano repense a vida, que vá ao fundo de si próprio”, diz António Lobato Faria, editor da Oficina do Livro e responsável por vários sucessos editoriais, onde se destaca o ‘Bem-Estar Interior’ de Maria José Costa Félix cujas vendas, desde Abril de 2002, rondam os 20 mil e 500 exemplares.

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O director de marketing da editorial Presença, Francisco Pinto Espadinha, admite que a sua editora está atenta às necessidades do mercado: “Nos dias de hoje há cada vez mais necessidade de orientações que permitam melhorar qualitativamente o tipo de vida sedentário e stressante, característico dos grandes centros urbanos”. Apesar de, na voz de Francisco Espadinha a auto-ajuda ser um “nicho de mercado em proliferação, ainda sem margens de lucro”, a editora apostou em títulos-chave como, por exemplo ‘Perdas e Ganho’ de Lya Luft (ver entrevista), cujas vendas no Brasil atingiram os 500 mil exemplares e em Portugal, entre Março de 2004 e Junho de 2005, perto de 5500 exemplares. A escritora brasileira lançou entre nós outro título em Março passado: ‘Pensar é Transgredir’. A editora confirma que em três meses venderam 3600 exemplares o que, por si só, é um indicador de sucesso.

No final de 2001 a editora Pergaminho - responsável pela publicação de autores de sucesso como Brian Weiss, Louise Hay, Osho ou Richard Carlson - editou ‘Quem Mexeu no Meu Queijo’, de Spencer Johnson. Trata-se de uma fábula criativa que ajuda as pessoas a se adaptarem rapidamente às mudanças impostas pelo ritmo de vida frenético. “Não gostamos de destacar um único autor mas podemos acrescentar que este título vendeu, até ao final de 2004, 90 mil exemplares…”, conta Joana Esteves do gabinete de Comunicação daquela editora. Curiosamente, meses depois deste livro sair no mercado, a Temas & Debates publicou uma paródia bem sucedida: “Fui Eu Que Mexi No teu Queijo”.

CHORAR PARA DENTRO

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As estatísticas revelam que em Portugal, a grande maioria dos leitores são mulheres e com idades compreendidas entre os 14 e os 34 anos (ver caixa). Mas por que é que os livros têm como público o sexo feminino? O psicanalista Eduardo Sá justifica este facto pela forma como os homens são educados: “Socialmente, o homem é alguém que é forte e que, de certa forma, não precisa de ajuda e muito menos de confiar nos outros. Os homens têm a ideia que tudo o que tem a ver com os seus sentimentos ou vida afectiva são questões de somenos”.

Maria Antónia Vasconcelos, por seu turno, acredita que as mulheres têm, à partida, uma capacidade intuitiva maior: “As mulheres estão mais dispostas a procurar respostas não racionais; estão abertas para outro tipo de explicação, são muito mais intuitivas do que os homens e, nesse sentido, procuram caminhos distintos deles”.

Contudo, os homens recorrem ou não à auto-ajuda? “Já vi muitos homens a folhearam e a comprarem este género de literatura”, comenta uma das editoras. Eduardo Sá reforça a ideia: “Os homens têm lágrimas, palpitações, apanham sustos e têm dúvidas. Tal como as mulheres, só que, e isso é verdadeiramente assustador, os homens choram para dentro”.

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Apesar da auto-ajuda ser um fenómeno recente em Portugal e complexo, Telmo Baptista não deixa de salientar um aspecto curioso: “O problema da auto-ajuda é que as pessoas lêem mas depois não aplicam aquilo que apreenderam à sua vida prática ou então, muitas vezes, acreditam que estão perante remédios milagrosos e estes, não existem…”.

'FOI DIFÍCIL ASSUMIR OS MEUS FANTASMAS'

Destronou Paulo Coelho de todos os tops no Brasil. Em 2004 as suas ‘Perdas e Ganhos’ venderam 500 mil exemplares. Aos 65 anos, a escritora recusa cruzar os braços e encara a vida como um enorme desafio.

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Corria o ano de 1979 quando Lya Luft publicou, aos 40 anos de idade, o seu primeiro livro. Volvidas duas décadas, a escritora, viúva duas vezes e avó de sete netos, vive tranquila com o seu novo amor. Autora de vários livros publicou recentemente, no Brasil, ‘Para Não Dizer Adeus’, um livro de poemas antigos e actuais, dedicado ao seu companheiro, Vicente Britto Pereira.

As suas ‘Perdas e Ganhos’ venderam mais de 500 mil exemplares no Brasil. Encontra justificação?

Penso que o livro vai ao encontro de leitores assustados e inquietos que questionam valores. Acredito também nas minhas preocupações enquanto ser humano. Todos temos responsabilidades existenciais: a ética, o mistério da vida e da morte. Contudo, ‘Perdas e Ganhos’ não é propriamente um livro que ajuda ou consola ou ensina.

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Que recordações guarda de ‘As Parceiras’, o seu primeiro livro, publicado em 1979?

Foi difícil criar coragem e liberdade interior para assumir os meus fantasmas inconscientes que emergem nesse e em outros romances, embora nenhum deles esteja directamente relacionado com a minha vida pessoal. Em 1979, eu era tímida e insegura, apesar de ter 40 anos. Depois de ‘As Parceiras’ ter sido publicado e bem aceite pelo público e pela crítica eu compreendi que tinha nascido para isto.

Sente que a sua página semanal na revista ‘Veja’ lhe trouxe mais popularidade?

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Sou colaboradora há um ano e acho que sim, a popularidade aumentou, pois a revista tem um milhão de assinantes fixos, mais 250 mil que compram em banca. No entanto acredito que a minha popularidade veio antes da publicação de ‘Perdas e Ganhos’.

Qual a carta mais comovente que recebeu dos leitores?

Quase todas as cartas que me enviam, desde a publicação do primeiro romance, são extremamente comoventes. Não consigo eleger uma única. Mas posso acrescentar que é gratificante sentir que escrevo para eles.

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Por que é que acredita que ‘a vida é como subir uma montanha’?

A vida é como subir uma escada rolante pelo lado que desce porque existem dificuldades; é uma luta permanente para não cairmos na acomodação, na resignação, na mediocridade, na negatividade e no pessimismo. Mas quanto mais se sobe, melhor, mais ampla é a paisagem e vamos ficando mais serenos. É uma metáfora como outra qualquer. Creio que a passagem do tempo é um ganho, uma conquista e não deterioração.

- ‘As Leis Espirituais do Sucesso’ de Deepak Chopra

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- ‘Quem Mexeu no Meu Queijo’ de Spencer Johnson

- ‘Conversas com Deus’ de Neale Donald Walsch

- ‘Acredite em Si’ de Beechy e Josephine Colclough

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- ‘Muitas Vidas, Muitos Mestres’ de Brian Weiss

- 'Sabedoria Interior - Meditações para o Corpo e para a Alma’, de Louise L. Hay

- ‘O livro da Cura’, Osho

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Títulos como ‘Quando acontecem coisas Más’ ou ‘Uma Ajuda Para Enfrentar o Medo’ fazem parte da curiosa colecção de Auto-Ajuda para Crianças da Paulinas Editora coordenada cientificamente por Maria Emília Nabuco, doutorada pela Faculdade de Psicologia do Instituto de Educação da Universidade de Londres. A colecção conta com 12 livros ilustrados que abordam, numa linguagem específica para crianças, temas muitas vezes delicados para os adultos, entre os quais, a perda de um ente querido, o divórcio dos pais, como enfrentar o medo ou perceber as guerras. “Cada um destes títulos pretende levar a criança a enfrentar os desafios da vida com mais segurança. É urgente transformar medos e preocupações em confiança e paz. Falta-nos a nós adultos e às crianças segurança, optimismo e alegria de viver”, salienta Maria Emília Nabuco.

Segundo o ‘Estudo dos Hábitos de Leitura’ da APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros - de Março de 2005, em Portugal verifica-se um forte consumo de livros nas regiões urbanas. E quem consome mais livros? São mulheres com idades compreendidas entre os 14 e os 34 anos e com um nível de instrução médio ou superior. O mesmo estudo revela que 66 por cento dos leitores costuma adquirir manuais em livrarias ou tabacarias, 28,6 por cento em hipermercados, 19,3 por cento nas feiras do livro e apenas 8,6 por cento na internet.

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