X-Files José Mourinho: O lado oculto do 'Special One'
Contrariou a mãe ao seguir a carreira que lhe deu títulos em toda a Europa. Agora devolver o paraíso aos ‘red devils’.
Gosta de comer bem. De uma boa anedota. De rir. Ninguém diria, mas o bonitão que na televisão nos parece sisudo, sério e, já agora, enervante e convencido, é exactamente o contrário. Manuel Fernandes é fiador desta faceta. A amizade que os une tem barbas. O sportinguista jogava no Vitória de Setúbal, e Mourinho treinava os juvenis. Mais tarde, quando vai treinar o Estrela da Amadora, convida-o para adjunto. A seguir, contratado pelo Sporting, no amanhecer de julho de 1992, será intérprete do recém-chegado Bobby Robson. Depressa passou a braço-direito do treinador. Seguiu-o no FC Porto e no Barcelona, onde também trabalhou com Louis van Gaal, até começar o percurso de treinador principal no Benfica. O clube da Luz despediu-o. Manuel Vilarinho não lhe apetece falar sobre José Mourinho. Prefere que falemos sobre si. Homessa. Quase desliga o telefone na cara. A sua escolha, em tempos idos, recaiu em Toni. E a União de Leiria ficou com Mourinho. No ano seguinte, deu a nega ao Benfica, porque Jorge Nuno Pinto da Costa fez uma abordagem "incrível".
José Mourinho é um coração de ouro com aparência dura. O dinheiro serve-lhe para ter qualidade de vida e socorrer. Possui o suficiente para comprar a Lua e Saturno, mas só perde a cabeça por relógios. O seu móbil de vida não é o dinheiro, mas o prazer pessoal, a alegria, a plenitude. Quis ganhar títulos e ser reconhecido, que até num beco da Sibéria se soubesse dele.
A família, sempre ao seu lado, posiciona-se acima de tudo. E tudo quer dizer que nada fica de fora. No punho esquerdo, a tatuagem eterniza o amor superior: Tami (a mulher, Matilde), Tita (a filha Matilde) e Zuca (o filho José Mário). José Mourinho, ou Zé Mário, como o mimam os próximos, é um católico que não precisa de ir à missa para rezar e conversar com Deus. Os temas com o omnipresente variam, mas há um que nunca entra: a profissão. Seguidor da máxima ‘Um treinador de futebol que só sabe de futebol é um péssimo treinador de futebol’, José Mário dos Santos Mourinho Félix, autointitulado ‘The Special One’, conhece, e bem, um abrangente território científico: psicologia, pedagogia, fisiologia. É capaz de falar com o seu departamento médico sobre um leque de assuntos exteriores à competência de um comandante técnico. Lesões, músculos, biomecânica, teoria do treino. Talvez por estar munido deste conhecimento zangou-se com Eva Carneiro. A doutora assistiu, em plena partida, o jogador Eden Hazard sem o seu consentimento. A clínica onde trabalha a médica processou-o. É para o lado que ele deve dormir melhor.
Também os espanhóis não simpatizavam com o setubalense. O ‘El Mundo’ mexeu e remexeu no passado. No artigo ‘A Vida Secreta de Mou’ aborda-se a morte da irmã, Teresa, em 1997, aos 37 anos. Falavam que não teria sido septicémia, consequência da diabetes, o mal que a levou ao caixão. O mal, segundo o jornal, chamava-se vício. Heroína. Há limites para entrar no coração dos famosos. Os ‘merengues’, esses então, não lhe perdoaram três Ligas dos Campeões que viram por um canudo. Ainda assim, deviam lamber os três troféus que Mourinho lhes deu.
NA EQUIPA DE SIR ALEX
Os adeptos dos ‘red devils’, uma vez, em 2009, gritaram "Bye bye Mourinho" entoando a ária de Verdi. O Manchester United havia afastado o Inter de Milão do português, e ‘La Donna è Mobile’ serviu-lhes para vingar a azia que remontava ao golo de Costinha, em Old Trafford, que colocara os azuis-e-brancos na recta da glória europeia, e provocara em Mourinho uma alegria explosiva, capaz de memorável correria pela linha lateral. Os ingleses babam-se por chá e por cerveja, têm um fair-play formidável, contudo, mais adiante, em 2013, com Mourinho a orientar o Chelsea, o empate a zero, no mesmíssimo estádio, a ópera ‘Rigoletto’ voltaria intensa e com variante: a letra continha insultos – "fuck Mourinho". A vida dá voltas, muitas, e o mister, agora, vai treinar a equipa, outrora, de Sir Alexander Ferguson.
A fama de malcriado e de ser uma pessoa tão fria como um glaciar não corresponde à realidade, assegura quem o conhece fora das quatro linhas. É verdade que o antigo treinador do Bayern de Munique, Ottmar Hitzfeld, o chamou de arrogante e, entre várias pérolas de chumbo, disse que Mourinho era uma decepção ao nível humano. E não é mentira que, por exemplo, também Safet Susic, ídolo do PSG e técnico da Bósnia, não só encontrou arrogância como levantou Guardiola ao colo, ao afirmar, e de propósito, que o treinador da maior equipa de Munique estava no Evereste do esplendor.
Luís Lourenço, professor universitário e biógrafo oficial, tem diferente opinião. "José Mourinho, que é um mestre de inteligência emocional, e está ao nível dos grandes treinadores mundiais, para mim é o melhor." Que se veja o caso raro: "José Mourinho treinou o Real Madrid, e agora, o Manchester." Poucos conseguem tal proeza. Surpresa, nenhuma: "É natural que um dos maiores clubes do Mundo tenha escolhido um dos treinadores maiores do Mundo. Para mim, repito, ele é o maior." Técnica ou tacticamente, José Mourinho está no mesmíssimo escalão de Ferguson, Wenger, Capello ou Ancelotti. Mas não é disso que falamos. O que o difere da elite dos treinadores mundiais são as suas competências de liderança. Carlos Mozer sentencia: "É uma pessoa muito determinada, muito organizado e ambicioso, no que diz respeito ao comportamento para vencer. Aprendi imenso com ele e com ele comecei a ver o futebol de outra maneira."
Jaime Pacheco, um dia, não conteve a língua: "É um doente mental." No meio do petardo dito em directo, o ex-treinador do Boavista acrescentava que Mourinho deveria sentir-se frustrado por não ter tido êxito, tal como o próprio tivera, na qualidade de jogador. Um antigo colega do liceu de Setúbal relembra algo que Pacheco nunca fizera: jogar à bola com um braço partido, partir o outro braço em pleno jogo e insistir em continuar em campo. Mesmo assim, o caminho enquanto futebolista não deu bolota nenhuma. Em 1987, concentrar-se-ia na carreira de ‘coach’. Senhor de um feitio peculiar, inegável. Mas não é mau feitio; somente alguém que exige o supremo dos seus jogadores.
Zangas, teve algumas. Num domingo de Setembro de 2002, Vítor Baía pediu- -lhe – imagine-se – explicações por não ter sido convocado para o jogo com o Vitória de Guimarães. Viu a suspensão. Ah, pois. Sem abébias. O desaguisado não cegou o ex-guarda-redes do FC Porto: "Apesar de termos tido um problema, considero-o o melhor treinador que tive. Ele é sem dúvida especial."
‘El Especial’, ‘Lo Speciale’ ou ‘Special One’, eleito pela FIFA, em janeiro de 2011, o melhor do Mundo e arredores, nasceu na casa dos pais, em Setúbal, a 26 de Janeiro de 1963. Desde a nascença suspeitava-se que nada seria canja; um braço mal posicionado, que requereu à pressa o trabalho da parteira, vaticinava, garante adágio popular, destino intenso. Nasceu no futebol e estranho seria se não se apaixonasse pelo desporto que consegue dos seguidores as desmedidas loucuras. José Manuel Mourinho Félix, o pai, esteve na baliza do Vitória de Setúbal e do Belenenses, e foi treinador. A mãe, a senhora Maria Júlia Carrajola dos Santos, outrora professora, não aplaudia a decisão do filho em viver do futebol. Contra a sua vontade, Mourinho trocou Gestão pelas Ciências do Desporto, no ISEF. Enquanto estudava deu aulas de Educação Física e, já licenciado, completa um curso para treinadores na Escócia. Não lhe saía dos tímpanos o que ouvira no seio familiar, nomeadamente da mãe: "Não sabes qual vai ser o teu futuro no futebol, pelo menos constrói algo sólido." E veja-se o que construiu.
Com CR7 teve alguns arrufos, e desses desentendimentos Mourinho concluiu: "Cristiano Ronaldo pensa que sabe tudo." Em comum, têm algo muitíssimo forte: odeiam perder. Não sente piedade por equipas pequenas. Castiga-as com táctica e golos. Levou um petardo no momento em que viu a serventia da rua. Mas, atenção, Roman Abramovich não é uma flor que se cheire no que respeita a personalidade. Em 13 épocas como dono do Chelsea, nove treinadores (mais um interino) souberam da porta da saída. Quando se questiona a razão de o imbatível Mourinho ter sido dispensado, é preciso, alerta Luís Lourenço, ter em conta uma imensidade de factores: "A estrutura do clube pode estar abalada." E esse corridinho conduz a uma bola de neve terrível: falta de inspiração e insegurança dos jogadores. Olhe-se para o FC Porto, há três anos a pão e a água.
Se depender de José Mourinho, acabará a sua história no Reino Unido. Manuel Fernandes sabe o porquê. "Ele gosta da seriedade do futebol. E isso existe em Inglaterra." Por outras palavras: na terra da rainha os árbitros são sérios, e não é porque não se riem.
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