Barra Cofina

Correio da Manhã

Domingo
3

António Costa: "Defendo um choque salarial"

Secretário-Geral do PS distinguido pelo 'CM' como figura do ano.
Armando Esteves Pereira(armandoestevespereira@cmjornal.pt), João Ferreira e Lídia Magno 2 de Janeiro de 2015 às 15:00
António Costa quer um governo de maioria absoluta para o PS
António Costa quer um governo de maioria absoluta para o PS FOTO: Sérgio Lemos

É a primeira entrevista do novo secretário -geral do PS, depois de ter vencido as primárias de 28 de setembro, contra António José Seguro. António Costa revela nesta conversa com o ‘CM’ as principais ideias que tem para o País e como pretende governar. Como benfiquista, quer que os encarnados sejam campeões nesta época.

Que significado tem para si o facto de ter sido eleito pela redação do ‘Correio da Manhã’ como Personalidade do Ano?

Queria agradecer esse voto, está bem de ver que não era para escolher a Bola de Ouro, essa ganhou o Cristiano Ronaldo, mas acho que é um excelente incentivo para este ano novo que estamos a iniciar.

Diz que não governa com a direita, mas se as negociações com a esquerda falharem...

A solução mais segura para todos é o PS ter uma maioria absoluta e não depender de ninguém para poder governar. A nossa relação com os atuais partidos do governo não tem a ver com esta ou aquela liderança. As pessoas dizem que se o líder do PSD for o Rui Rio, com quem me dou bem, temos uma coligação garantida. O facto de duas pessoas se darem bem não quer dizer que a partir daí sejam parceiras de coligação. Para mim, é uma questão de políticas. Se é para prosseguir outra política, então esperamos contar com todos.

Então admite um governo com a esquerda, com o PCP ou o Bloco no governo?

Eu não gostaria de dizer mais do que disse, o que me parece útil para Portugal é que haja um governo de maioria absoluta.

Teme o efeito Marinho e Pinto, como está a acontecer em Espanha com o Podemos?

É uma experiência nova, vamos ver qual é o comportamento eleitoral que vai ter. Até agora, Marinho e Pinto foi candidato por um partido, saiu desse partido, tem um novo partido, candidatou-se às europeias, agora às legislativas. Vamos ver.

Admite que o País pode ficar num impasse se o PS não tiver maioria absoluta?

Só há uma resposta boa, o PS ter maioria.

Admite que há temas estruturantes que precisam de um acordo, por exemplo com o PSD, como a gestão da dívida pública?

O nosso problema neste momento está na opção de fundo. O PSD e o CDS entenderam que o nosso problema com a competitividade da economia se resolvia com base numa estratégia de empobrecimento, nós propomos um caminho alternativo. Entendemos que o nosso problema de competitividade resolve-se pela qualificação. A estratégia de empobrecimento não é socialmente sustentável, não é economicamente produtiva e não conduzirá à recuperação da competitividade.

Há uma diferença ideológica?

Nem é uma diferença ideológica, é mesmo económica, por isso sinto que grande parte das pessoas que tradicionalmente têm votado no PSD e até no CDS, percebem bem que esta estratégia tem sido uma política errada e que não produz resultados. Não quero citar nomes em particular, mas há aqueles que são públicos, desde Bagão Félix a Manuela Ferreira Leite, tem havido muita gente do PSD e CDS que claramente não se identifica com a estratégia que tem vindo a ser seguida.

A dívida pública é pagável ou é renegociável?

A questão é de outra dimensão. Nós temos recursos financeiros limitados e temos de ter um bom equilíbrio entre os recursos financeiros que estão alocados ao serviço da dívida, os recursos financeiros que têm de ser alocados ao cumprimento das obrigações que temos, designadamente constitucionais, como as pensões, e os recursos que são essenciais para fazer os investimentos imprescindíveis para o nosso futuro.

Com o PS no governo há reposição total e imediata dos salários da função pública e pensões?

Quanto às pensões, claramente que sim. Temos de cumprir as decisões do Tribunal Constitucional (TC) em matéria de pensões que não permitem novos adiamentos. Relativamente aos salários da função pública, têm de ser repostos. O ritmo da reposição, anunciaremos no devido momento, que é entre a conclusão da estratégia orçamental para a próxima legislatura e a elaboração do programa do governo.

Promete que não vai cortar pensões no futuro?

O nosso compromisso é que as pensões formadas têm de ser cumpridas e respeitadas. O princípio da confiança que o TC tem sublinhado em matéria de pensões é absolutamente essencial. E não é essencial apenas para os atuais pensionistas, é sobretudo essencial para quem ainda hoje é ativo e é contribuinte para uma pensão futura. Todos nós mensalmente contribuímos para uma pensão, mas esse contrato depende de uma confiança que é essencial.

Como é que vai colocar a economia a crescer?

A primeira prioridade tem de ser estabilizar a economia e para isso precisamos de duas coisas: estabilizar a política de rendimentos e por isso o aumento significativo do salário mínimo nacional [SMN] é absolutamente essencial para devolver confiança às pessoas. Em segundo lugar, é preciso repor as pensões para quem é reformado ter confiança nos seus rendimentos. Temos de combater o desemprego jovem e apoiar as empresas exportadoras. Temos uma segunda dimensão do desemprego, que é o da minha geração, com baixo nível de qualificação e que trabalhava em setores que colapsaram, como o setor da construção. Ora, o relançamento do setor da construção é absolutamente capital para o futuro do País.

E há dinheiro?

Claro que há. Sabe quanto temos de fundos comunitários? 21 mil milhões de euros para os próximos anos. Neste momento, o presidente Juncker apresentou mais um pacote de 300 mil milhões de euros para os próximos anos. As únicas verbas que nós podemos ter por certas nos próximos anos são os fundos comunitários. Por isso, ando a dizer há três anos que a discussão mais importante a fazer no País é saber como vamos gastar os fundos comunitários, porque a capacidade de investimento privado e de investimento com capitais próprios do Estado é limitadíssima. E, portanto, as únicas verbas disponíveis são os fundos comunitários que podem e devem ser usados de forma inteligente. Hoje só podemos ser competitivos por via da qualidade e não por via do custo. E é por isso que se for ver o setor do calçado, ainda recentemente fez um contrato coletivo de trabalho, em que coloca o salário mínimo muito acima do salário mínimo nacional. Ora, este governo andou até à última hora a procurar impedir a atualização do SMN e o que nós precisamos hoje é de um "choque de rendimento" para relançar o País.

Quanto é que defende?

Não vou defender um número. Acho que isso tem de ser a concertação social a definir. Mas digo quais são as balizas. Como sabe, no governo anterior fez-se um acordo para a atualização do salário mínimo, depois foi suspenso com a crise. Se tivesse sido cumprido, nós devíamos ter chegado aos 500 euros em 2011 e, portanto, este ano, devíamos ter chegado aos 522 euros. Estamos ainda longe, acho que é necessário que a concertação social avance nesse sentido, mas a minha convicção é que é hoje fundamental para travar o risco da estagnação económica duradoura, é preciso termos um choque de rendimento e uma estabilização das perspetivas de rendimento. Isso passa por uma atualização
significativa do SMN e espero que os parceiros sociais cheguem a um acordo para um bom aumento do salário mínimo nacional a partir de 1 de janeiro.

Promete que não aumenta os impostos se for governo?

Só assumiremos compromissos concretos em matéria fiscal depois de estar concluído o estudo sobre o cenário macroeconómico e depois de termos o desenho completo da estratégia orçamental. Neste momento, em que estamos muito longe das eleições legislativas, não vou prometer o que depois não possa cumprir. Já expliquei várias vezes que ninguém irá votar sem saber o que o PS propõe, agora só proporei aquilo que tiver a certeza que possa cumprir. Os últimos três governos estrearam-se a fazer o contrário daquilo que tinham prometido em matéria fiscal. E acho que os portugueses não suportam que o próximo governo se estreie da mesma forma. Pela parte que me toca, eu prefiro perder votos a não prometer o que não posso cumprir a ganhar votos que depois vou trair na primeira oportunidade.

Mas gostava de eliminar a sobretaxa do IRS?

Claro que tem de ser uma prioridade. A sobretaxa é fortemente regressiva. Agora, o compromisso concreto sobre a eliminação, isso, como lhe digo, faremos no momento próprio e já não estamos a muitos meses de o poder fazer.

A TAP é para privatizar?

Eu acho que a privatização da TAP é um erro. É um erro. Se há necessidade de capitalização da TAP, há formas de o fazer sem passar pela privatização. A própria Comissão Europeia já o admitiu. Hoje, a TAP é uma peça fundamental da nossa soberania nacional, não podemos por isso abdicar dela nem deixá--la entregue ao livre jogo do mercado.

E sobre a PT?

É um bom exemplo do desastre que acontece quando o Estado decide abdicar de manter instrumentos fundamentais de intervenção em setores estratégicos da economia.

E tem acompanhado a comissão parlamentar de inquérito ao BES?

Acho que o governador do Banco de Portugal esteve muito mal, ao procurar alimentar a ilusão do governo de que isto era uma solução sem riscos para os contribuintes. Porque uma coisa era explicar que a solução era a necessária e a adequada, outra coisa é tentar convencer as pessoas de que não tem risco, quando há risco. E aí acho que o governador não esteve à altura da isenção e da independência que se exige ao governador do Banco de Portugal.

Sem António Guterres, o PS fica órfão de candidato?

O PS vai com certeza ter na sua ala política ou nas suas fileiras alguém que esteja à altura de renovar os bons exemplos dos mandatos de Jorge Sampaio e de Mário Soares. Sabe que o PS nunca escolheu um candidato presidencial, apoiou candidatos presidenciais, desde o general Ramalho Eanes ao Mário Soares, ao Jorge Sampaio e Manuel Alegre, tivemos sempre bons candidatos para apoiar e não creio que faltem pessoas na nossa área política disponíveis e que apresentarão a sua candidatura no momento em que julgarem próprio.

Falta a pergunta fundamental. O Benfica vai ser campeão nesta época?

Sim, tem de ser. Um bom ano de 2015 começa, com certeza, com o Benfica a ganhar o campeonato.

E ainda faz puzzles?

Agora tenho feito menos puzzles sobre a mesa e mais puzzles materializados, mais políticos.

"É BOM QUE EXISTA MAIORIA ABSOLUTA"

Pediu maioria absoluta no Congresso, não está a pedir um cheque em branco aos portugueses?

A maioria é importante porque o País vive  numa situação em que é necessário ter um governo estável que possa ter uma ação de política coerente e para que isso possa existir garantidamente é bom que exista uma maioria absoluta. Não é uma questão do PS, é uma questão do interesse do País. A segunda questão é relativamente às propostas. Nós estamos, por escolha do Presidente da República, a quase um ano das eleições e nenhum partido político apresentou até agora um programa e o próprio governo nada mais diz a não ser esgotar o programa que herdou da troika. Ninguém vai a eleições sem saber as propostas do PS. O tempo das nossas propostas virá. Primeiro, apresentámos já um documento da maior importância: uma visão estratégica para o País.

E se não tiver maioria absoluta nas legislativas?

Acho possível ter essa maioria porque este governo, entre o fracasso  dos seus resultados e a brutalidade social das medidas que adotou e do seu radicalismo, alterou profundamente as fronteiras tradicionais da vida  política portuguesa e hoje encontramos um enorme espaço de convergência na oposição a este governo. Aquilo que é pedido ao PS é que consiga converter essa convergência do não numa convergência do sim.

Entrevista António Costa Figura do Ano anuário 2014
Ver comentários
C-Studio