Há 50 anos, Marcelo Caetano tornou-se o novo chefe do Governo de Portugal. Mas o regime não mudou.
Na noite de 26 de setembro de 1968, faz esta quarta-feira meio século, o Presidente da República, Américo Tomás, anunciou aos portugueses o nome do novo presidente do Conselho de Ministros. Marcelo Caetano tomou posse no dia seguinte.
Tomás resistira até à última mas, desenganado pelos médicos sobre as hipóteses de recuperação de Salazar, acabou por nomear um novo primeiro-ministro.
Professor catedrático de Direito, ex-reitor da Universidade de Lisboa, antigo ministro da Presidência e das Colónias, antigo Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa e ideólogo do Estado Novo, Marcelo Caetano (1906-1980) era considerado o ‘enfant terrible’ do salazarismo. A nomeação do novo chefe do governo - o primeiro em 36 anos - foi antecedida de cuidados especiais. Os chefes militares só admitiram Marcelo Caetano na condição de este dar garantias de continuar a guerra em África. Caetano aceitou.
O novo executivo introduziu importantes reformas sociais, como a extensão da segurança social (abono de família, subsídios, assistência na doença e pensões de reforma) aos trabalhadores rurais e às empregadas domésticas.
Estas medidas foram acompanhadas por um certo abrandamento da repressão. Um primeiro sinal foi dado pouco mais de um mês depois da posse: a 10 de novembro, Marcelo autorizou o regresso de Mário Soares, exilado em São Tomé. Em julho seguinte, outro exilado célebre foi autorizado a regressar: o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes.
O novo governo alimentou algumas ilusões. Chamaram-lhe a ‘primavera marcelista’. Coisa rara no Estado Novo, a oposição (dividida) foi às urnas nas eleições legislativas de 1969. Sem surpresas, a União Nacional (partido único) elegeu 100 por cento dos deputados. Mas cerca de 30 eram independentes, que Caetano convidara pessoalmente. Era a ‘Ala Liberal’, liderada por José Pedro Pinto Leite, que morreu em 1970 num desastre de helicóptero, na Guiné. Sucedeu-lhe Sá Carneiro. Do grupo faziam parte Magalhães Mota, Pinto Balsemão, Miller Guerra e Mota Amaral.
Para ‘lavar a cara’ ao regime, Caetano fez mudanças cosméticas: mudou o nome da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), para o mais tecnocrático Direção Geral de Segurança (DGS). A velha União Nacional passou a Ação Nacional Popular e a Censura deu lugar ao Exame Prévio.
Uma mulher no governo
Marcelo levou uma mulher para o governo pela primeira vez em Portugal: Maria Teresa Lobo, subsecretária de Estado da Saúde e Assistência, em 1970. Mas enquanto os tecnocratas e ‘modernizadores’ preparavam a primeira reunião entre uma delegação portuguesa e representantes da Comunidade Económica Europeia (6 de janeiro de 1971), o agravamento da situação política apressava fim da ‘primavera marcelista’.
A Ação Revolucionária Armada (ARA), organização criada pelo PCP para realizar atividades violentas contra o regime, iniciou uma série de atentados à bomba: no navio ‘Cunene’, no porto de Lisboa; na Escola Técnica da PIDE/DGS, em Sete Rios; na base aérea de Tancos; na central de telecomunicações dos CTT, durante a cimeira da NATO, em junho de 1971; e a sabotagem do quartel general da NATO, em Oeiras, em outubro do mesmo ano.
Em novembro de 1970, a Operação Mar Verde – incursão de uma força de fuzileiros à capital da Guiné-Conacri – desencadeou uma onda de protestos internacionais, que culminou na saída de Portugal da UNESCO. Desde a crise académica de Coimbra, em 1969, a agitação estudantil espalhou-se pelo País. O governo decretou o "estado de exceção" nas faculdades e mandou fechar o Técnico e Letras, em Lisboa. Em outubro de 1972, o estudante de Direito Ribeiro Santos foi morto a tiro por um agente da polícia política durante uma reunião em Económicas (atual ISEG).
Antes, a 1 de julho de 1971, os deputados da ‘Ala Liberal’ abandonaram o hemiciclo de S. Bento em protesto contra a maioria, que impediu a discussão do projeto de lei de imprensa apresentado por Sá Carneiro e Pinto Balsemão.
A eleição da ‘Ala Liberal’ fora o momento alto da ‘primavera marcelista’; a demissão da maior parte dos seus membros, que ao longo de 1973 foram abandonando o Parlamento e passaram à oposição, correspondeu ao fim das ilusões sobre a capacidade de reforma do regime. Voltou a linha dura.
Mas não duraria muito tempo.
Padrinho de Marcelo?
Velho amigo do pai do atual presidente
Marcelo Caetano era grande amigo do médico Baltazar Rebelo de Sousa (1921-2002), que fora o seu braço-direito nos anos 40, à frente da Mocidade Portuguesa, e depois no Ministério das Colónias. Em 1968, o novo presidente do Conselho nomeou o médico governador-geral de Moçambique e, em 1970, confiou-lhe as pastas da Saúde e das Corporações. Em 1973 entregou-lhe o Ministério do Ultramar. Ao contrário do que por vezes é referido, Marcelo Caetano não era padrinho de Marcelo Rebelo de Sousa. Foi convidado, mas recusou, alegando ter demasiada idade. Ficou, no entanto, o nome de batismo.
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