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Correio da Manhã

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Casos arquivados: Homicídios que ninguém explicou

Um empresário corrupto, um governante sueco e menino numa caixa. Mortes por esclarecer.
Carlos Anjos 13 de Setembro de 2015 às 09:00
Nem as ciências forenses foram capazes de acabar com alguns mistérios
Nem as ciências forenses foram capazes de acabar com alguns mistérios FOTO: D.R.

A investigação criminal não é uma ciência. É um processo de reconstrução do passado, que procura reproduzir, o mais fielmente possível, factos ocorridos através do recurso a várias ciências, mas existem situações em que não se consegue fazer a reconstrução desse passado. É por isso que muitos são os crimes que ficam por resolver. Há quem defenda que não existem crimes perfeitos, mas sim investigações imperfeitas. Para quem gostar deste tema aconselho o livro ‘Teoria da Investigação Criminal - A Arte de Ser Detetive’ de Francisco Moita Flores (ed. Casa das Letras).

A insuficiência de indícios faz com que investigadores analisem o crime de todos os ângulos, de todos os aspetos possíveis, por forma a conseguir resolvê-lo. Gastam-se mais recursos humanos e materiais, mas os resultados são nulos. Veja-se o caso Maddie, um dos processos em que se gastaram mais recursos, nomeadamente financeiros, em Portugal, bem como em Inglaterra, e o resultado foi o que se sabe. Em Portugal há ainda outros mistérios – como por exemplo a morte de Francisco Sá Carneiro e de todas as pessoas que o acompanhavam.

Além do processo-crime, o caso deu também origem a um sem-número de comissões parlamentares, com conclusões para todos os gostos e feitios.


O PRIMEIRO-MINISTRO


Por esse mundo fora, em todos os países, muitos são os casos que carecem de explicação, como por exemplo o homicídio do antigo primeiro-ministro sueco, Olof Palme. Palme era o primeiro-ministro em fim de mandato quando foi assassinado no dia 28 de fevereiro de 1986 – já tinha sido governante entre 1969 e 1976, reeleito para novo período de governação entre  1982 e 1986.

Olof Palme foi um político marcante na história da Suécia e da Europa, tendo tido um papel importante depois do acidente nuclear ocorrido em 1979 nos Estados Unidos, em Three Mile Island. Olof contribuiu de forma decisiva para um referendo na Suécia em 1980, onde foi decidido remover os reatores nucleares no país. Depois de 1982, tentou fortalecer as políticas económicas e sociais, tendo continuado a lutar pelas questões relativas à segurança europeia. No dia 28 de fevereiro de 1986, depois de ter ido ao cinema com a mulher, quando regressava a sua casa a pé, sem segurança, foi atingido nas costas por disparos efetuados por um indivíduo, que fugiu


O primeiro disparo atingiu mortalmente o primeiro-ministro, tendo uma segunda bala ferido de raspão a mulher dele. Olof Palme tinha 59 anos. A sua mulher, Lisbeth Palme, foi a única testemunha do crime e alguns dias depois identificou Christer Petterson, um alcoólico e toxicodependente que vivia na rua, como o autor do crime.


A polícia sueca concluiu o processo e o homem foi acusado pelo crime. O julgamento ocorreu em 1989, três anos depois do assassinato, e Petterson foi condenado a prisão perpétua, mas recorreu da sentença para o Tribunal de Segunda Instância e nesse mesmo ano de 1989, os juízes deste tribunal ilibaram-no, por falta de provas e erros na
investigação e na instrução do processo policial. Foi libertado.


Em 1997, o Supremo Tribunal da Suécia recusou que fosse efetuado um novo julgamento por não terem sido recolhidos e apurados novos factos. Petterson morreu em 2004, sem que tivesse sido encontrada uma única prova que o ligasse ao crime, além da semelhança física com o vulto que Lisbeth Palme viu a fugir depois de ter sido baleada. Sobre o caso existiram teorias várias, desde suspeitas de que a morte de Olof Palme ocorreu a mando da extrema-direita ou ainda de movimentos de defensores do nuclear. Nada se provou, mas cerca de 130 pessoas confessaram voluntariamente o crime. Desejavam a fama.


A investigação produziu mais de 3600 volumes, mais de 400 000 páginas, foram inquiridas milhares de pessoas, efetuadas milhares de diligências, sem que tenha sido recolhido um único índice. Até hoje, este caso continua por resolver.


O ARCEBISPO


Um outro caso que ficou por resolver foi o da morte do arcebispo Óscar Romero, uma alta figura da Igreja Católica de El Salvador. Nos anos 1960 e 1970, Romero era  um crítico violento de um governo corrupto e violento. Nas suas homilias protestava contra o apoio militar dos Estados Unidos ao poder corrupto do seu país. Este padre católico foi  morto quando celebrava missa numa capela junto à Catedral de El Salvador. Foi atingido por dois disparos, feitos a longa distância por um sniper.


Romero foi assassinado a 24 de março de 1980, quando tinha 62 anos de idade. Veio a ser considerado Servo de Deus em 1997 por João Paulo II, sendo que em fevereiro último o papa Francisco aprovou o decreto da sua beatificação. Essa cerimónia realizou-se no dia 23 de maio de 2015, na capital salvadorenha, perante 300 mil pessoas. Os autores do crime nunca foram encontrados. Suspeita-se, no entanto, que possa ter sido um dos snipers dos esquadrões da morte a soldo do governo criticado pelo padre Romero.


O MENINO


‘O menino da caixa’, assim ficou conhecido, apaixonou os americanos. Em 1957, o corpo de um menino, caucasiano, com idade entre os quatro e os seis anos, totalmente despido mas enrolado num cobertor, foi encontrado dentro de uma caixa de papelão na valeta de uma estrada da cidade de Filadélfia. O corpo estava seco e limpo, as unhas cortadas, tal como o cabelo, mas tinha o corpo coberto de hematomas, principalmente na cabeça e no rosto, e apesar do trabalho da polícia de Filadélfia e do FBI, nunca se conseguiu chegar nem à identificação da criança, nem à do criminoso.


Várias foram as pistas seguidas, desde a que apontava para um empregado de um lar de crianças, outra para um professor pedófilo e outra ainda que imputava o crime  a uma mulher que teria estado grávida pouco antes do aparecimento do ‘menino da caixa’. Nada foi provado. Não se apurou um único indício.


A polícia investigou o caso durante 50 anos, mas o caso acabou arquivado em 2007. O crime foi de tal forma marcante para os americanos que serviu de argumento a séries televisivas como ‘Casos Arquivados’, ‘CSI: Crime Sob Investigação’ e ‘Lei & Ordem’. Em todas as séries, a ciência forense permitiu descobrir a identidade do menino e a do criminoso.


O EMPRESÁRIO


A 23 de junho de 1996 foi morto Paulo César Farias. PC Farias, como era conhecido, foi o homem forte e o tesoureiro da campanha eleitoral de Fernando Collor de Melo à presidência do Brasil.


Depois das eleições foi acusado de ter montado o maior e mais complexo sistema de corrupção no Brasil. A Polícia Federal chamou-lhe o ‘Esquema PC’ e terá movimentado mais de um bilião de reais. Recorde-se que Collor de Melo foi eleito em 1989 e depois de vários escândalos, de medidas impopulares – como o confisco das poupanças – e de ser acusado de corrupção, Collor foi destituído do cargo a 29 de setembro de 1992. As investigações em torno da figura de PC Farias mantiveram-se em todo este período – a eminência parda
do regime Collor de Melo era um perigo público. PC Farias dizia que tinha o regime na mão e chegou a afirmar que ninguém podia tocar-lhe, pois nesse dia a democracia acabaria. PC Farias, repositório vivo de factos vários, falaria.


A 23 de junho de 1996, o empresário e a namorada, Suzana Marcolino, foram encontrados mortos na luxuosa casa de praia de Alagoas. Logo que a morte foi conhecida, a polícia tratou de informar que se tratava de um crime passional: numa crise de ciúmes, Suzana Marcolino teria morto PC Farias, suicidando-se de seguida. Porém, nem a disposição dos corpos nem os locais de impacto dos projéteis abonavam a favor de tal teoria. Não se percebia igualmente como é que nenhum dos cinco seguranças de PC Farias tinha ouvido qualquer disparo, nem o caseiro. 

A cena de crime não foi preservada e os resultados forenses nulos. Mas os suspeitos começaram a aparecer a um ritmo alucinante. Do crime passional rapidamente se evoluiu para uma situação de problemas familiares – e as suspeitas recaíram sobre o próprio irmão de PC Farias, o empresário e deputado Augusto Farias.


A investigação acabou por levar a julgamento quatro dos seguranças que, no momento do crime, estavam na casa e todos foram absolvidos. A decisão lida pelo juiz concluía que, naquela noite, havia ocorrido de facto um duplo homicídio e que alguém havia morto PC Farias e a sua namorada, mas que não era possível identificar os autores. O desfecho pode ter sido criticado por todos, mas secretamente também apaziguou muitos.  PC Farias morreu e levou os segredos para a sepultura. Naquele dia de junho morreu um dos homens mais perigosos para alguns dos políticos e empresários brasileiros.


Em muitos dos casos que permanecem por apurar, a motivação parece ser política. Quando um político morre nestas circunstâncias, assiste-se a um silêncio sepulcral, vindo de todos os quadrantes. Ninguém parece estar interessado no esclarecimento e na resolução destes casos, sendo que, curiosamente, a posição de distanciamento existe tanto no partido da vítima como nos partidos na oposição.


Foi assim em Portugal com a morte em Camarate de Sá Carneiro. O assunto tornou-se num incómodo para todos. Porém, Portugal – verdade seja dita – é dos países com a maior taxa de resolução de homicídios. Poderemos argumentar que a facilidade de resolução prende-se com o facto de a maior parte destes crimes serem praticados por pessoas relacionadas com a vítima. É verdade, mas é extensiva a várias países, por exemplo no Brasil. O jornal ‘O Globo’ referia que nos 50 000 homicídios ocorridos em 2014 (em Portugal foram cerca de 120, em igual período), a taxa de resolução situou-se entre os 5 e os 8%.
Esta é a realidade crua dos números.
crónica carlos anjos crime disse ele
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