A minha guerra começou logo quando soube da notícia da incorporação. No início de 1973, tinha eu 19 anos, fiz a inspeção e aguardava – na Costa da Caparica, onde vivia desde os 15 anos – pela ordem de me apresentar no quartel. Estranhei não chegarem notícias, até que a minha mãe, que tinha ficado em Montalegre, de onde sou natural, me disse que o padre tinha falado no meu nome. Tinha de me apresentar no quartel de Vila Real daí a poucos dias, mas fiquei furioso por ter de fazer uma viagem tão longa.
Apresentei-me no quartel de Almada, perante a estupefação do pessoal militar. Mandaram--me embora, mas não desisti. Fui ao quartel-general de Lisboa e, ao fim de dois dias de insistência, lá me deram uma guia para ir até Vila Real de comboio.
INSTRUÇÃO EM ÁFRICA
Após a recruta, fui enviado para o quartel de Abrantes, onde tirei a especialidade de atirador. Ainda não tinha seis meses de tropa e já estava em Luanda para completar a formação. Fomos colocados no quartel da Funda, onde éramos ‘comidos’ por mosquitos. Ao fim de três semanas, seguimos para o Leste. Era atirador da 3ª Companhia do Bat. de Caçadores 42/12.
A nossa chegada aconteceu logo após uma grave emboscada com minas, em que o inimigo matou quatro homens de um pelotão. Calhou-me ir para o Jimbe, junto à fronteira com a Zâmbia. No quartel havia um destacamento da DGS [sucessora da PIDE], que tinha a sua própria unidade operacional, formada por ‘flechas’, as tropas nativas. Faziam muitas operações, nós tínhamos de fazer escoltas para ir buscar água ao rio Jimbe, a única fonte de abastecimento do quartel.
A certa altura, fomos destacados para uma operação de três dias no mato. Como eu tinha sido o melhor atirador do curso, fiz de guarda-costas do furriel que comandava a operação. Deram-me também o rádio, mas ao fim de algumas horas de caminhada só conseguíamos ouvir as comunicações do Zaire. Chegámos a ser dados como perdidos. Andou um helicóptero à nossa procura, mas não nos encontrou. Apanhámos um susto de morte quando, ao escolhermos o sítio para dormir, vimos uma fogueira acender-se a 100 metros. Pensámos que era o inimigo, mas afinal era um reacendimento de uma queimada. Voltámos ao quartel sem ter cumprido qualquer dos objetivos da missão.
Outro episódio tenso foi quando se detetou uma força do inimigo a rondar uma das pontes sobre o rio. Fomos em perseguição do inimigo para evitar a destruição da ponte. Mandámos morteiros para afastar os guerrilheiros e quando chegámos à ponte percebemos que não tinham conseguido fazer grandes estragos. Nessa momento, começaram a chover morteiros na nossa direção. Houve muito pânico, mas ninguém ficou ferido.
Ao fim de quatro meses, fomos transferidos para o Cavungo, onde o quartel ficava dentro de uma povoação. Havia mais vida. A nossa missão era proteger os homens que faziam a reparação das estradas, onde encontrávamos muitas minas.
Foi no Cavungo que soube do 25 de Abril de 1974. Nesse dia estava de sentinela e fui o primeiro a saber pelo rádio o que tinha acontecido em Portugal. Não me contive e mandei uns tiros para o ar, para celebrar o que prometia ser o fim da guerra. Mas ainda tivemos de amargar em Angola até fevereiro de 1975. No dia em que regressámos a Luanda, a nossa viatura foi abordada por uma força da UPA. Estávamos desarmados e por pouco não houve uma carnificina.
Quando deixámos Luanda, sabíamos que o país ia mergulhar na guerra. Havia tiros a toda a hora e tínhamos a certeza de que os portugueses que ficavam iam passar um mau bocado. Infelizmente, tínhamos razão.
ARMANDO GONÇALVES
Comissão
Angola, 1973/75
Força
Bat. de Caçadores 42/12
Atualidade
Aos 61 anos, vive no Laranjeiro, Almada. Casado, tem um filho e um neto