Na sua grande maioria são mulheres e sofrem de uma doença: oniomania. Compradoras compulsivas, estão presas num ciclo vicioso do qual só podem sair com ajuda médica e mesmo assim não se pode falar em cura. Há quem lhe chame a “epidemia oculta” da sociedade de consumo.
Maria do Carmo comprava jóias e perfumes que era um disparate. Cada vez que saía à rua, não o podia evitar. Apesar de saber que não era normal, não conseguia escapar ao impulso. A maioria dos perfumes nem os usava; algumas das jóias vendi-as, para aliviar o impacto das sortidas pelas lojas no cartão de crédito conjugal. Chegou a acordar um esquema com as amigas, para que pelo menos uma delas a acompanhasse sempre que punha um pé na rua e a impedisse de trilhar maus caminhos. Ao mesmo tempo, Maria do Carmo magicava formas de escapar ao controlo dos seus anjos da guarda.
Como este caso, há outros. Mas, normalmente, só chegam às consultas de psiquiatria ou aos divãs dos psicólogos quando já derivaram em depressões ou quando vêm acompanhados de outras patologias. “A maioria dos doentes pede ajuda por causa da depressão. Porque não é tão vergonhoso como admitir que se compra demais”, diz o psiquiatra Afonso de Albuquerque, antigo director de serviço do hospital Júlio de Matos.
“O comprador compulsivo passa despercebido porque faz parte da sociedade. A distinção entre o comportamento normal e o patológico é difícil. Por isso, raramente se procura psicoterapia quando se é viciado em compras”, explica a psicóloga Susana Flores. Segundo Afonso de Albuquerque, o comprador compulsivo, caso tenha uma conta bancária recheada, “pode ser assim toda a vida, se essa for a sua única patologia”. Não admira, pois, que no perfil do doente-tipo, traçado em vários estudos sobre a matéria feitos nos Estados Unidos – onde a doença afecta uma em cada 30 mulheres –, este apareça com rendimentos médios ou baixos. Talvez porque é mais fácil esconder a doença quando se tem um maior limite do cartão de crédito.
O cartão de crédito facilita e multiplica as possibilidades de negócio e permite às compradoras compulsivas – porque a maioria (90 por cento) são mulheres, tal como a maioria dos jogadores compulsivos são homens – dar rédea solta aos seus impulsos incontroláveis. O cartão de crédito permite a propagação da “epidemia oculta”, como lhe chama o psicólogo americano Lorrin Koran, investigador na Universidade de Stanford.
Atracção pelas roupas Raquel comprava roupas. Gastava muito dinheiro em coisas que não precisava, que nunca iria usar. Escolhia determinadas marcas, marcas caras; pagava com o cartão de crédito do marido. O seu comportamento dava azo a algumas discussões conjugais, mas como Raquel tinha rendimentos claramente acima da média, a patologia nunca acarretou consequências maiores em termos financeiros.
Tanto é assim que Raquel só recorreu ao psiquiatra por andar extremamente deprimida. O seu comportamento de compradora compulsiva revelou-se apenas na terceira ou na quarta consulta. Raquel está um pouco melhor, ajudada pela medicação e pela denominada psicoterapia cognitivo-comportamental que, basicamente, ensina as pessoas o que não fazer. A taxa de êxito no tratamento da doença não é muito alta: “Não se pode falar de cura, apenas de melhorias significativas. Mais de metade recupera bastante, um quarto tem melhorias e o resto não reage ao tratamento”, refere o psiquiatra Rui Durval, director clínico do hospital Miguel Bombarda.
CIGARRA E FORMIGA
Dentro do nosso cérebro, explica um estudo científico recente, convivem e competem permanentemente a cigarra e a formiga da fábula de Esopo. O nosso lado emotivo, como a cigarra, tem dificuldades em ver as coisas a longo prazo; o nosso pensamento lógico, o lado formiga, projecta a consequência das nossas acções no futuro. À capacidade de equilibrar a nossa vontade de cantar com a necessidade de armazenar comida para o Inverno chama-se viver.
Agora imaginem, por um momento, que só existe dentro de nós uma cigarra, ainda para mais eterna cantora. Um comprador compulsivo é assim: alguém que não pode deixar de comprar, que compra coisas que não necessita, que a maioria das vezes não usa, que não chega sequer a tirar das embalagens ou a cortar a etiqueta. O comprador compulsivo tem prazer em comprar, no momento de compra sente alívio, logo a seguir, vem a culpa, a tristeza, a frustração. Tal qual um toxicodependente.
“O comprador compulsivo tem o mesmo comportamento do jogador compulsivo, o mesmo do utilizador de drogas. Quase que cumpre os critérios para a dependência de substâncias”, explica Rui Durval. “Tal como um bêbado pode ter dificuldades em focar a sua atenção noutra coisa que não seja o conseguir bebida, o comprador está sempre a planear a sua próxima compra”, garante Carl Zabel que, com Paul McQueen, deverá concluir este ano, na Universidade de Melbourne, Austrália, um doutoramento sobre o tema.
CONSUMISMO OU DOENÇA?
A pergunta afigura-se-nos como indispensável: se um comprador compulsivo pode sobreviver escudado numa recheada conta bancária, qual a diferença entre o mero consumismo e a doença de comprar? Pergunta que ganha mais sentido se a colocarmos, por exemplo, no contexto do alto endividamento das famílias portuguesas. Segundo o Banco de Portugal, o endividamento bruto dos particulares subiu de 111 por cento em 2003 para 118 por cento em 2004, números ainda mais esclarecedores se tivermos em conta que há dez anos este número estava abaixo de 30 por cento.
A psicóloga Susana Flores não consegue evitar a muleta financeira para estabelecer a separação das águas: “O consumista distingue-se por não pedir dinheiro emprestado para comprar alguma coisa, como faz o comprador compulsivo quando deseja ter algo a todo o custo e não está disposto a desistir de o ter”.
Beja Santos, assessor principal do Instituto do Consumidor e autor de vários livros sobre consumo, é mais concreto: “O comprador compulsivo não se deixa tentar ou surpreender como o cliente que se passeia no estabelecimento e ‘compra sem pensar’. Ele é literalmente possuído por uma vontade irreprimível de comprar que se assemelha à necessidade do álcool ou da droga”.
A médica Cristina Antunes, por exemplo, não tem pudor em se considerar consumista. “O consumismo ou é uma doença, ou é um gozo. Quando passa dos limites tem de ser tratado. A mim dá-me uma sensação boa, de gozo imediato ou de antecipação quando compro para dar. Consumir não é um mal, anima a economia, dá empregos.”
Se o discurso parece igual ao dos principais dirigentes dos Estados Unidos logo a seguir ao 11 de Setembro, instando os americanos a comprar como resposta aos atentados terroristas, o de Cristina Antunes é mais o de quem manteve muito tempo a atitude contrária, de contestação à sociedade de consumo, até ver nascer as filhas e dar por si “a adaptar-se a um tipo de sociedade que recusava e queria diferente”. É um discurso mais realista e desiludido: “Se começo a recriminar-me muito e a pensar demasiado, acabo por chegar à finalidade da vida e não vale a pena ser tão profundo”.
SEREI UMA COMPRADORA COMPULSIVA?
1 - Tem tido problemas em controlar os seus gastos?
2 - Sente excitação ou o seu moral aumenta quando vai às compras?
3 - As pessoas à sua volta costumam expressar preocupação pela quantidade de tempo e dinheiro que gasta a fazer compras?
4 - Já deu por si a fazer compras quando tinha planeado não as fazer?
5 - As suas compras estão a provocar problemas em outras áreas da sua vida, na sua relação, nas suas finanças, na sua vida social?
O nome da doença é oniomania e foi definida pela primeira vez em 1915 pelo psicólogo alemão Emi Kräpelin, derivando a palavra do latim “onos”: preço. Trata-se de um distúrbio do controlo de impulsos (tal como a cleptomania, a piromania ou o vício do jogo) que leva o doente a cometer um acto do qual está consciente mas que não pode evitar. É uma doença que não tem cura, apenas pode ser controlada com o recurso a anti-depressivos e técnicas cognitivo-comportamentais. O psiquiatra americano Lorrin Koran, da Universidade de Stanford (Califórnia), um dos maiores especialistas na matéria, está a desenvolver uma droga à base de serotonina que poderá ser um avanço no tratamento.
ESSE OBSCURO OBJECTO DO DESEJO
Há qualquer coisa nos sapatos que irremediavelmente nos faz ceder ao impulso de comprá-los.Há quem não se esqueça da colecção de sapatos (milhares de pares) de Imelda Marcos, mulher do ditador das Filipinas, Ferdinando Marcos, derrubado em 1986, ou do vício confessado da personagem principal da série de televisão “Sexo e a Cidade” (Carrie Bradshaw). Rebecca Bloomwood, protagonista do best-seller de Sophie Kinsella, ‘Louca por Compras’ - cujo sucesso levou ao surgimento de uma série de livros com a mesma personagem - também gosta de sapatos e de roupa e vive obcecada por marcas.
1 - Sentimento de insegurança, angústia, tensão;
2 - A necessidade incontrolável de comprar alguma coisa;
3 - O acto de comprar traz um curto alívio dos sintomas;
4 - Quando a pessoa se consciencializa do que fez sente-se culpada;
5 - Essa culpa deprime-a, o que a leva a retomar o ciclo.
DICAS PARA PROTEGÊ-LO DA TENTAÇÃO
1 - Não ande com cartões de crédito ou livros de cheques;
2 - Ande apenas com uma quantidade mínima de dinheiro consigo;
3 - Não ande a ver montras;
4 - Não faça jogos ou tente justificar as suas compras;
5 - Tente evitar ao máximo a publicidade;
6 - Planeie actividades alternativas para o tempo em que poderia andar às compras;
7 - Fale do seu problema com alguém.
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