Ex-mulher de Stephen Hawking relata como lidou com o génio britânico.
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Vinte e cinco anos de vida em comum e três filhos não foram os únicos resultados do casamento de Jane Hawking com Stephen Haw-king, o físico britânico que escreveu ‘Uma Breve História do Tempo’. O livro de memórias da sua ex-mulher, ‘Viagem ao Infinito’, agora publicado em Portugal, e que deu origem ao filme ‘A Teoria de Tudo’, conta a história de um casal muito invulgar.
Concorda que a maior parte daqueles que admiram Stephen Hawking não o admiram pelo seu trabalho científico mas sim devido à luta contra a esclerose lateral amiotrófica (ELA)?
Julgo que o admiram por ambas as coisas. O trabalho dele é muito importante, mas claro que o facto de a doença o ter incapacitado tanto é um fator importante.
Considera escandaloso ou compreensível que muitas dessas pessoas não façam a menor ideia de quais são as teorias que ele formulou?
Poucos conseguem entender ‘Uma Breve História do Tempo’, por exemplo. Não é surpreendente que grande parte da população não perceba nada daquilo que ele escreve. Mas gostam da ideia de haver alguém deficiente que conseguiu fazer coisas espantosas. Quando deixou de ser capaz de escrever, tinha de memorizar tudo. Fazer o seu trabalho era como escrever uma sinfonia de Mozart. Isso é apelativo para as pessoas.
‘Viagem ao Infinito’ é muito honesto ao descrever os vossos problemas de casal. Alguma vez teve hesitações ao escrever o livro?
Não. O Stephen é tão famoso que toda a família foi arrastada. Sabia que, caso não escrevesse uma versão definitiva daquilo que foi a nossa vida, outra pessoa qualquer apareceria e faria um relato menos honesto, inventando histórias. Além disso, quis assegurar-me de que o público em geral, políticos, governantes, profissionais de saúde e assistentes sociais ficariam a saber como é difícil para um deficiente ter êxito e para a sua família sobreviver, na sociedade em que vivemos. Não tenho quaisquer remorsos.
Escreve várias vezes que se casou numa altura em que o Mundo estava à beira da guerra atómica e era possível que todos tivessem apenas mais alguns anos de vida. Tomaria a mesma decisão noutro contexto?
Era muito nova, cheia de otimismo e tinha a certeza de que eu e o Stephen podíamos derrotar a doença. Amava-o, e por isso não tinha escolha, mas a ameaça de extinção tornou a decisão mais fácil.
O livro é uma versão muito invulgar das histórias ‘rapariga encontra rapaz’…
O que explica que o cinema se tenha interessado.
Anthony McCarten, um argumentista neozelandês, visitou-me em 2004. Lera a primeira versão das minhas memórias e pensou que poderia transformá-las em filme. Na altura não estava preparada. Continuou a insistir, a tentar persuadir-me, sempre comigo a recusar. Em maio de 2013 apresentou-me à equipa da Working Title e fiquei tão lisonjeada por a maior produtora do Reino Unido querer adaptar o livro que disse sim. Foi a decisão correta: fizeram um filme belo e cheio de sentimento.
Em que consistiu a sua colaboração com a produção de ‘A Teoria de Tudo’?
O Anthony enviou-me o argumento e autorizou-me a sugerir alterações. Ele não ligou muito, mas consegui tirar todos os palavrões que lá estavam. Os cientistas nunca os usavam – ainda hoje não os usam –, tal como os estudantes dos anos 60.
Quão estranho é ver Felicity Jones nomeada para o Óscar de Melhor Atriz por desempenhar o seu papel?
Estou entusiasmada por ela. É uma atriz maravilhosa e uma pessoa adorável. A Felicity e o Eddie [Redmayne, que faz de Stephen Hawking, e foi nomeado para o Óscar de Melhor Ator] jantaram connosco diversas vezes, e ela aprendeu a forma como eu falo e os meus gestos. Quando vi o filme, fiquei estupefacta com a cena da festa em que nos conhecemos. "Estou aqui sentada, mas também estou na tela", pensei. Fiquei muito feliz com a nomeação e espero que ela receba o Óscar.
Tanto no livro como no filme, Stephen aparece como estando imerso nos seus pensamentos e desprezando crenças e ações dos outros. Alguma vez ele reconheceu isto?
Tenho de explicar que havia quatro parceiros no nosso casamento: Stephen, eu, a ELA e a deusa da Física. Quando ele percebeu que teria futuro na ciência, ficou tão obcecado com a Física que se tornou como qualquer outro génio. Por vezes, quando os nossos filhos eram pequenos, ficava sentado assim [inclina-se e apoia o queixo na mão].
Como a estátua do ‘Pensador’, de Rodin?
Precisamente. O fim de semana inteiro, enquanto os filhos brincavam e eu pensava no que estava a acontecer. Estariam as crianças a fazer demasiado barulho? Estaria o Stephen desconfortável? Estaria a sentir-se mal? Teria eu feito algo que lhe desagradara? Mas ele não dizia nada até à manhã de segunda-feira, quando sorria e anunciava que tinha resolvido um problema de Física [risos]. Penso, portanto, que ele não se apercebia das suas obsessões.
Acredita que ele se teria barricado tanto na mente se não tivesse a doença?
É algo que ele tem em comum com outros génios. Einstein era capaz de sair de casa sem meias, outro génio excêntrico que tivemos em Cambridge ia para o trabalho de pijama. Penso que o Stephen se insere nessa categoria. Consigo entendê-lo agora. Era mais difícil quando dava tudo por ele, enquanto tinha crianças pequenas para cuidar, e tinha de ser o homem da casa, pois não havia mais ninguém.
É justo dizer que ele não valorizou o seu trabalho académico no campo da literatura medieval ibérica?
Chegou a dizer ao meu orientador que isso tinha tanto valor quanto apanhar pedras na praia. Mas quando finalmente fiz o doutoramento comprou-me o mais belo dos trajes académicos para a cerimónia. Suponho que isso traduziu a sua satisfação de que eu tivesse alcançado algo.
Tendo estudado as cantigas de amigo e visitado algumas cidades, consegue entender português?
Que pergunta tão embaraçosa! Falo espanhol, mas entender as palavras é tão complicado que digo [num português hesitante, mas de pronúncia irrepreensível]: "Sinto muito. Não falo português." Um dia talvez consiga .
Se tivesse de apontar o pior momento da sua vida com Stephen, seria aquele em que os seus sogros questionaram a paternidade do vosso terceiro filho?
Foi terrível, sobretudo após cuidar dele durante tanto tempo, mas não o pior. Esse sucedeu quando o meu filho mais velho, com 18 meses, encontrou remédios e engoliu-os todos. Esteve quase a morrer. Foi o pior momento. Houve outros que me magoaram, mas este foi potencialmente trágico.
Surpreendeu-se ao reencontrar a felicidade com aquele que veio a ser o seu segundo marido?
Foi a maior bênção imaginável. Encontrei a felicidade com o Stephen, no início do casamento, e senti felicidade tremenda graças aos nossos filhos. Tenho agora a fortuna de uma imensa felicidade.
Agora é amiga de Stephen?
Comunicamos. Ele vive a cinco minutos de nós, e desde que se divorciou posso visitá-lo de duas em duas semanas. Continuo a sentir que o devo proteger, e amo-o, de certa forma, pois é o pai dos meus filhos. No Natal e aniversários fazemos uma refeição todos juntos, o que é agradável.
Portanto, qualquer ressentimento desapareceu?
Da minha parte, sim, a não ser que escave muito o nosso passado. Espero que da parte do Stephen também.
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