Investigador português Diogo Pimentel identificou a molécula ‘João Pestana’, um passo para percebermos o sono humano.
Cerca de um terço da vida dos humanos decorre num território misterioso chamado sono, mas uma experiência do Centro de Circuitos Neuronais e Comportamento da Universidade de Oxford, conduzida pelo neurocientista português Diogo Pimentel, revelou agora o processo que leva as moscas da fruta a acordarem.
Para o viseense de 38 anos, que foi há 12 anos para o Reino Unido fazer o doutoramento e por lá se dedica à investigação, a experiência descrita no artigo ‘Operation of a Homeostatic Sleep Switch’ (‘atuação de um interruptor homeostático do sono’), publicada na revista ‘Nature’, "é um pequeno passo, como em Ciência tudo são pequenos passos", embora esteja a ser visto pela comunidade científica como um grande passo, pois identificou uma espécie de interruptor existente no cérebro e que leva a acordar.
Em causa está a molécula ‘Sandman’ (‘João Pestana’ em inglês), um canal iónico de potássio que leva os neurónios responsáveis pelo controlo do sono a silenciarem-se, o que despertou as moscas da fruta submetidas à experiência no laboratório. Para tal, Diogo Pimentel e os colegas recorreram a uma técnica chamada optogenética, estimulando neurónios específicos no cérebro dos insetos – escolhidos por serem um bom modelo para o estudo do sono – com clarões de luz invisíveis para as moscas mas capazes de induzir a atividade de neurónios geneticamente modificados para este propósito.
Esse método estimulou a libertação de dopamina – neurotransmissor associado ao consumo de drogas como a cocaína e as anfetaminas, inibidoras do sono.
"A inspiração para a experiência vem, por um lado, do conhecimento de que a dopamina é um estimulante em vários organismos, mas também de experiências feitas em laboratório há mais de dez anos pelo meu supervisor Gero Miesenbock, com o dedo português de Susana Lima, agora investigadora principal no Instituto Champalimaud. Mostraram pela primeira vez que é possível controlar o comportamento de um organismo usando a optogenética para seletivamente ativar neurónios específicos, como os neurónios dopaminérgicos. Quisemos fazer o mesmo no contexto do sono. Um breve pulsar de luz estimulou a libertação de dopamina e acordou temporariamente os insetos, mesmo quando passaram a noite anterior sem dormir", descreve.
"Identificámos num trabalho anterior moscas com uma mutação genética numa determinada proteína, o que lhes provocava insónia crónica. Nas moscas normais, as propriedades desses neurónios variam conforme o cansaço. Essas células ficam eletricamente mais ativas quando elas já não dormem há mais tempo e silenciam-se quando as moscas estão descansadas", explica à ‘Domingo’ um dos responsáveis pela descoberta de um ‘homeostato do sono’, na medida que é parte do sistema detetor e regulador de quando é altura de dormir e de acordar.
Um grande mistério
Depois da identificação daquilo que desperta as moscas da fruta, no horizonte de Diogo Pimentel está perceber o processo inverso. "Acreditamos que perceber como o sono é regulado vai ajudar-nos a perceber porque precisamos de dormir. Para isso temos que identificar os sinais, e de onde vêm, que voltam a ativar esses neurónios para iniciar o sono", explicou o investigador à ‘Domingo’.
Ainda sem respostas para o "grande mistério do sono", o investigador tem uma certeza: "Do ponto de vista evolutivo tem de haver uma vantagem que compense perdermos um terço da nossa vida a dormir. Tem de ser algo muito fundamental para que nenhum animal tenha ultrapassado este problema", afirma.
"Sabemos por experiência própria que se estivermos muito tempo sem dormir a nossa capacidade cognitiva deteriora-se. E que a seguir a dormir voltamos outra vez ao normal. Há qualquer coisa inerente à função cerebral que precisa desse período de recuperação, mas em que consiste esse período de recuperação é algo que ainda não é claro", acrescenta.
Havendo quem tem menor necessidade de sono, Diogo Pimentel reconhece que "haverá pessoas que são um bocadinho mais eficientes nestes processos". No entanto, nem lhe é preciso invocar a privação de sono como método de tortura para considerar muito claro que não dormir o suficiente "tem um impacto na saúde e também na performance, dificultando a nossa capacidade para fazermos tarefas normais".
Entre as teorias que explicam a necessidade de dormir, destaca a que aponta para necessidade metabólica – as células cerebrais necessitam de repor nutrientes e metabólitos – e a de que o sono é importante para consolidar memórias. "Provavelmente todas essas teorias estarão um bocadinho certas e aquilo que é preciso saber é como tudo isto funciona", diz.
Do odor para o sono
Dedicado ao fenómeno "inacreditavelmente complexo" do sono humano, o português já teve outros campos de investigação. No começo, estudou a forma como os neurónios comunicam uns com os outros. "Sabemos que determinadas partes do cérebro são responsáveis por determinadas funções, e a sua estrutura está organizada de forma a cumprir essa função. O que sempre me fascinou foi perceber como cumprem os seus objetivos", explica Diogo Pimentel, que antes destas investigações se dedicava ao estudo da estrutura cerebral que é responsável pela identificação dos diferentes odores pelo cérebro.
Como na vida nada é certo tirando a morte e o sono – já que não faltam provas vivas de que a notícia da inevitabilidade dos impostos é manifestamente exagerada –, este mistério continuará decerto a fascinar a comunidade científica. "O sono tem um terço dos nossos dias dedicado, não há mais nada que passemos tanto tempo a fazer! Ironicamente, a não ser que os nossos sonhos sejam muito inspiradores, não é óbvio o que conseguimos atingir de produtivo durante esse período de tempo", diz Diogo Pimentel.
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