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Música para público ainda de fraldas

Têm menos de três anos de idade, mas são eles quem mais ordena nos concertos para bebés. Uma moda que veio para ficar.
3 de Outubro de 2010 às 00:00
Todos gostam de dar um ‘pezinho de dança’ nestes concertos
Todos gostam de dar um ‘pezinho de dança’ nestes concertos FOTO: Mariline Alves

Sintra amanhece deserta, a espreguiçar-se de um sono demorado e preguiçoso de domingo. Não se vêem turistas, queijadas ou charretes de cavalos, que se adivinham recolhidos da tão típica e densa neblina pela qual Bekford e Byron se enamoraram. Mas o silêncio é quebrado pelo tagarelar dos melómanos com menos de um metro de altura, com ouvido apurado e muita ‘ginga’ no corpo. Ou falando em linguagem de adulto, o público de palmo e meio que todos os meses esgota os concertos para bebés do Centro Cultural Olga Cadaval.

‘Pa-pa-ra-ri-papa’ é a lengalenga introdutória entoada por fadas vestidas de azul eléctrico, que é como quem diz, as cantoras de serviço, à entrada do auditório. Os bebés fazem um inesperado silêncio. Os pais de primeira viagem musical olham estupefactos, sendo inevitável questionarem-se "se o truque resultará lá em casa" também, como confessou Manuel, pai da Leonor, estreante em concertos aos 14 meses.

Deixam-se avisos à assistência. "Não é preciso mandar o bebé bater palmas nem dançar como aprendeu nas férias. E se o bebé chorar... chorooooooou!" A imagem arranca uma gargalhada aos adultos. Instalados em almofadas coloridas, os bebés formam uma plateia ‘sui generis’, dos 0 aos 47 meses. Uns, de tão pequeninos, ainda têm pele enrugada e espreitam o mundo enrolados num ‘sling’ – pano que os sustenta junto ao corpo materno. Como a Maria e a Matilde, gémeas de cinco meses, que durante todo o espectáculo dormem um sono tranquilo ao colo dos pais.

"Com elas é a primeira vez, mas éramos assíduos com os mais velhos", afirma Mónica, 37 anos, gestora de projecto, residente na Ericeira, ar de surfista e mãe de quatro. Se compensa? "Claro que sim, olhe só a tranquilidade no rosto", diz, mostrando um bebé louro a dormir no seu regaço. Outros já trilham o caminho pelo seu próprio pé e decidem quando ir. Como a Vera, de três anos, que tornou a mãe, Suzy, de 37 anos, promotora de discos de rock alternativo, numa inesperada habitué da música clássica. "A Vera quer vir a todos, porque tem uma amiguinha com quem marca encontro de mês para mês. Eu não me importo, até passei a gostar. O pai – mais dado ao heavy metal – fica a dormir no carro", confessa.

Nestes concertos, até os pais aprendem. Passam a saber que "se oferecermos uma informação importante ao bebé , ele não vai chorar", o que explica como se juntam 80 crianças numa sala sem que desabe um coro colectivo de choros e lamentos a abafar a música.

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

"Calcula-se que o número de sinapses na cabeça de um bebé quando ouve um instrumento ao vivo é 20 vezes maior do que quando ouve a mesma música num sistema de som", justifica Paulo Lameiro, musicólogo, professor e criador dos originais ‘Concertos para Bebés’, em 1998.

Antes mesmo de nascer, o primeiro contacto do feto com o Mundo dá-se através do som, o primeiro sentido a ser desenvolvido (ao quarto mês de gestação) e também o último que o ser humano perde, no seu estado terminal. "A mãe é som. O bem-estar, a fome são sons. O bebé quando nasce não fala, não se move, não vê bem, mas tem excelente audição. Isso significa que a sua capacidade de compreender o Mundo é sonora", explica o músico. No entanto, Paulo Lameiro não se fia em cantigas: "O bebé não vai ser músico quando crescer ou ficar mais inteligente só por ir a concertos", ressalva.

É no campo emocional e afectivo que a experiência é mais benéfica. "A música fará o bebé mais feliz? Provavelmente sim, porque lhe dá prazer, tal como acontece aos adultos. Tudo o que acontece nesta idade marca . Dota-os de maiores capacidades sensoriais e emocionais, que são competências fundamentais nos nossos dias", explica.

A opinião é corroborada por Ana Teresa Marques, psicóloga especializada na terapêutica com crianças e mãe de cinco filhos. "O bebé passa a conhecer o Mundo de uma perspectiva totalmente nova – da qual gosta muito – e desenvolve laços afectivos mais intensos com os pais, com outros bebés e com adultos", assegura.

SOPRO É FAVORITO

Desengane-se, porém, quem pensa que tocar para um público de fraldas é uma brincadeira. Pouco interessados em regras, os bebés tomam as rédeas dos acontecimentos. É assim que, depois do espanto inicial, fogem do lugar e gatinham para o plateau. Puxam a casaca dos músicos e tomam de assalto os botões de um acordeão. Balançam-se ao som da música. rr "Este é o mais exigente dos públicos", diz Paulo Lameiro. "Quando o adulto não gosta, entedia-se ou – na pior das hipóteses – sai da sala. Mas 80 bebés desinteressados podem fazer destes 45 minutos um caos."

A música é de Mozart. Clássica, porque é "mais rica". Mas em certas ocasiões também se misturam estilos, como o fado ou o cancioneiro tradicional. Os instrumentos são trompas, saxofones, percussão. Os de sopro são os preferidos. "Entre um violino e um saxofone barítono, o bebé prefere o segundo, porque é mais grave. Os sopros são os que melhor reproduzem os sons que conhece desde o início da sua vida no ventre materno."

Todos os fins-de-semana, a equipa de Paulo Lameiro apresenta-se num ponto diferente do País (são residentes no Olga Cadaval, Casa da Música, no Porto, e no Teatro Miguel Franco, em Leiria), onde estão sempre esgotados. Bernardo Sassetti junta-se-lhes já no dia 24, em ‘Os Embalos do Bernardo’. Não é estreante nestas andanças. Num concerto na Casa da Música, houve mais mãozinhas do que teclas em cima do seu piano. 

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