Forçada pelas lesões a deixar a competição, a saltadora lembra os bons e os maus momentos de uma grande carreira
Marcou o encontro com a ‘Domingo’ no Parque da Paz, em Almada, porque é ali que continua a fazer exercício. Terminada uma carreira que lhe deu onze medalhas, Naide Gomes só lamenta não ter acabado a competir, por causa das lesões. Diz que foi abandonada por alguns nos momentos mais difíceis, mas, aos 35 anos, parte para uma nova etapa da sua vida - vai ser mãe - com a certeza de ter feito tudo o que estava ao seu alcance para ganhar
Vem correr porque não se consegue desligar do desporto ou faz parte ainda do plano de recuperação das lesões que a apoquentam?
Eu não me posso desligar do desporto nunca. Para já porque as lesões estão cá e eu preciso de manutenção. Mas também porque gosto de praticar. Não me vejo a estar em casa sem fazer nenhum. De manhã vou ao ginásio, ou venho ao parque fazer a minha manutençãzinha. Claro que faço exercício de acordo com o meu estado. Não me vou pôr aquilo que eu fazia anteriormente. Não corro todos os dias, mas faço ginásio, bicicleta, passadeira, reforço e faço as escadas no Estádio Nacional. Mas subo a andar, dantes fazia a correr.
O desporto é um vício?
Sim. Claro que sei que tenho de abrandar, às vezes fico três dias sem fazer nada, mas depois tenho de compensar.
Anunciou que vai ser mãe. Esse acontecimento pesou na decisão de deixar a carreira ou foi por ter decidido deixar o atletismo que escolheu ser mãe?
O facto de saber que ia ser mãe foi uma grande ajuda, foi um empurrão para a decisão de terminar a carreira. Fui operada três vezes e a terceira demorou tempo a recuperar. Não estava 100% recuperada, mas já tinha começado a treinar bem. Já calçava os bicos, já saltava, estava a ganhar outra vez confiança e a acreditar que era possível competir. No entanto surgiu uma outra lesão no joelho e vou ter de ser operada outra vez. Terei de fazer essa operação, independentemente de competir ou não, é uma condicionante do meu dia-a-dia. Essa lesão deitou toda a minha confiança por água abaixo. Quando soube que estava grávida tomei a decisão de acabar.
Já lhe tinha ocorrido deixar a competição num outro momento?
Tinha planeado terminar a carreira em 2012, após os Jogos Olímpicos de Londres, Mas tive uma lesão grave dois meses antes e fiz uma rutura completa do tendão de Aquiles, na perna contrária à da chamada. Foram seis meses de recuperação e cheguei a pensar que seria melhor encostar. Mas, por outro lado, acabar a carreira lesionada não era o meu sonho. Voltei aos treinos, obviamente limitada. As dores não aliviaram, pelo contrário, intensificaram-se. Não conseguia treinar. Voltei a ser operada, regressei ao treinos, cheguei a competir, mas tive de parar. A terceira operação foi com um médico espanhol em Madrid. Tentámos uma abordagem diferente, para evitar ter de acabar assim, mas nunca me livrei das dores.
Portanto deixa o atletismo com essa carga de ter lesões que perduram?
É assim mesmo que as coisas são. Mas não me arrependo, nem fico chateada. Obviamente que eu queria terminar de outra maneira, em competição, mas é assim. Tudo tem uma razão de ser.
Sente que deu tudo o que tinha a dar?
Sem dúvida. Desde muito nova que sofri muitas lesões. Não foi de agora, embora os problemas mais graves tenham aparecido nos últimos três anos. As provas combinadas que fazia [Pentatlo e Heptatlo] não ajudaram. Era muito exigente treinar sete disciplinas de atletismo, com dois treinos diários.
Aceitou esses problemas físicos com fairplay?
Agora sim. Obviamente que na altura não aceitava, chorava imenso, perguntava ‘porquê eu’, ‘porque é que acontece só a mim’ mas uma pessoa acaba por aceitar. Se eu não tivesse feito nada no atletismo, se não tivesse ganho nada, custava mais a aceitar. Mas consegui 11 medalhas e consegui grandes recordes, das melhores marcas mundiais de todos os tempos.
Deixou o seu nome inscrito na história da modalidade?
Sim. Se calhar posso ser esquecida por muitos, mas eu não esquecerei aquilo que fiz. Nem todos os atletas o conseguirão alcançar, por mais que treinem, por mais que lutem. Não é para todos. Eu sou uma sortuda, fiz aquilo que gostava, alcancei aquilo que sonhei, sou uma mulher feliz. Claro que uma pessoa quer sempre continuar uma grande paixão, mas, como se costuma dizer, um grande amor esquece-se com outro grande amor, que vai ser o meu filhote, sem dúvida.
O que é que ainda há em si da pequena Enezenaide, nascida em São Tomé e Príncipe?
Eu não mudei, continuo a ser Enezenaide nos documentos (risos). Mas sempre me chamaram Naide em casa e não Naíde, como às vezes me tratam. Sobrou muita coisa dessa menina. Faltavam muitas coisas, não tínhamos televisão, não tínhamos nada que as miúdas de hoje em dia têm, mas era muito feliz porque nos sentíamos livres. Brincávamos na rua, inventávamos as nossas própria brincadeiras e brinquedos. Foi uma grande lição de vida que me fez dar muito valor às coisas que alcancei.
Tem quantos irmãos?
Tenho uma irmã. Não fez atletismo, mas poderia ter sido atleta porque tem um físico fantástico. Mas para se ser atleta tem de se gostar.
Veio para Portugal porque a sua mãe ficou doente. Como foi essa história?
A minha mãe teve problemas de saúde e veio para Portugal e depois ficou por cá, a tentar ter melhores condições de vida. Nós ficámos com a minha avó materna, tinha eu quatro anos e a minha irmã cinco. Só me juntei com a minha mãe aos 10 anos, quando viemos para Portugal.
Como foram as primeiras reações ao seu novo país?
Viemos a 13 de Novembro de 1990. Eu e a minha irmã idealizávamos Portugal como um país mágico. Achávamos que cheirava bem porque tínhamos em São Tomé uma loja portuguesa em que as frutas cheiravam tão bem, havia rebuçados, imaginávamos que Portugal também cheirasse assim. Lembro-me que, quando saímos do aeroporto e os meus tios nos foram buscar sentimos os cheiros do trânsito, a poluição, os esgotos e pensámos que afinal não era nada do que imagináramos. As primeiras impressões não foram boas. Fomos ter à pastelaria dos meus tios e enjoei com o cheiro dos croissants. Nunca mais comi croissants, chorámos a tarde toda porque queríamos ir ter com a minha avó, a quem chamo mãe - a minha mãe é a mamã. Mas depois habituámo-nos.
Perderam a liberdade que tinham em São Tomé?
Sim. Embora tivéssemos espaço no sítio onde fomos viver, em Fernão Ferro. Só que a minha mãe ia trabalhar e proibia-nos de ir à rua, tínhamos de estar dentro de casa. Hoje compreendo éramos duas filhas menores, mas custou.
Foi na escola que percebeu que tinha jeito para o desporto?
Eu adorava as aulas de educação física. Era a disciplina que mais gostava. Podia fazer um pouco de tudo, correr, saltar, jogar futebol, basquete. Era uma boa guarda-redes, ficava sempre à baliza nos jogos com os rapazes. Eles queriam sempre que eu fizesse parte da equipa, era a única rapariga que eles deixavam jogar. Tinha jeito para tudo e houve um dia que o professor de educação física Mota Capitão fez um torneio de salto em altura. Fiz 1,50 metros a saltar à tesoura, sem nunca ter treinado. Ele ficou surpreendido por uma miúda de 13 anos saltar aquela altura e perguntou-me se eu queria ir para o atletismo. Era longe, a escola era no Feijó e eu vivia em Fernão Ferro, mas a minha mãe deixou-me tentar, na condição de não baixar as notas. Comecei no desporto escolar, o professor ia-nos buscar com uma carrinha e ia-nos pôr a casa. Isso foi fundamental e por isso fiquei para sempre grata ao meu primeiro treinador, António Sebastião, com quem me iniciei no atletismo até aos 17 anos. Deu-me as bases para ser atleta.
Começou logo por fazer várias disciplinas do atletismo?
Quando somos miúdos é imprescindível fazermos um pouco de tudo. Fazemos o peso, lançamentos, correr, temos de ter várias experiências, não nos podemos especializar muito cedo. Mais tarde se vê qual a disciplina para a qual temos mais vocação, mas eu tinha jeito para tudo. Comecei a fazer salto em altura, até aos 16 anos, e depois algumas provas combinadas. Quando comecei a treinar com o professor Abreu Matos, já no Sporting, é que comecei a especialização nessas provas combinadas, aos 18 anos. Evolui bastante, consegui a minha primeira medalha no pentatlo, fui campeã do mundo, mas os problemas físicos já começavam a aparecer.
Qual foi a sua primeira medalha internacional?
Em 2002, em Viena de Áustria, no pentatlo que incluía 60 metros barreiras, salto em altura, lançamento do peso, salto em comprimento e 800 metros, tudo num dia.
Foi uma medalha em campeonatos de pista coberta, tendo ganho depois várias outras em pavilhão. Porquê esta ‘preferência’?
Ganhei tudo o que tinha a ganhar em pista coberta. É a minha casa. Treinei sempre ao ar livre mas, não sei porquê, tive mais sorte na pista coberta. A minha melhor marca do salto em comprimento, 7,12 metros, foi ao ar livre, mas a nível de medalhas faltou-me ganhar Mundiais e Jogos Olímpicos.
A Naide é ainda a recordista nacional do salto em altura…
Sim, sou co-recordista, saltei 1m88 na prova de pentatlo em Budapeste, quando fui campeã do mundo. Mas fiz uma lesão no joelho que me impediu de saltar em altura. Essa lesão ajudou à decisão de me especializar no comprimento, em 2005. Era aquela disciplina em que eu poderia evoluir mais. Quando fazia pentatlo, a minha melhor marca andava na casa dos 6m50, e daí ter uma grande margem de evolução. E foi isso que aconteceu.
A sua vida de atleta profissional dura desde os 18 anos. Foi-lhe fácil lidar com privações por que um atleta de alta competição tem de passar?
Lidei bem porque quando uma pessoa gosta de uma coisa e quer muito alcançar um objetivo, vale a pena o esforço, temos mesmo de fazer essas coisas. Não arrependi, voltava a fazer tudo de novo. Gostava de ter podido estar mais tempo com os meus amigos ou de viajar mais vezes, mas foi aquilo que eu escolhi.
Adquire a nacionalidade portuguesa em 2001, depois de ter feito os Jogos Olímpicos por São Tomé em Sidney. A sua carreira teria sido diferente se tivesse escolhido treinar e competir noutro país?
Tive uma proposta nos EUA, uma bolsa universitária que me foi oferecida aos Jogos Olímpicos, em 2000. Tinha a oportunidade de ir par alá treinar e estudar. Nas recusei porque acreditei que em Portugal também tinha bons treinadores e poderia ter condições, embora não as mesmas dos Estados Unidos. Acreditei que seria bom estar cá em Portugal e confiei no meu treinador. Acima de tudo, para mim foi importante estar ao lado da minha família. Estive tanto tempo longe da minha mãe, que ir-me embora outra vez seria muito difícil. Não me arrependo, até porque fui melhor do que muitas americanas.
Custou-lhe deixar de representar São Tomé e Príncipe?
Custou porque foi o país que me viu nascer. Mas foi um passo natural porque foi em Portugal que nasci para o atletismo. Sempre pensei fazer aqui a minha vida e Portugal deu-me as condições necessárias para evoluir. Nunca renegarei o meu país de origem, mas sou uma sortuda porque tenho dois países, não perdi nenhum.
A sua história é muito parecida com a do seu amigo Nelson Évora. O que sentiu quando o viu recuperado de uma lesão grave e a ganhar uma medalha de ouro?
Nós passámos juntos essa fase de recuperação, vínhamos ao hospital Garcia da Orta tratar-nos com o mesmo fisioterapeuta. Vê-lo ganhar outra vez foi um orgulho muito grande. Gostaria de estar no lugar dele, mas fico feliz por ver que, quando as pessoas acreditam, tudo pode acontecer. Ele tem talento e mesmo que muitas pessoas tenham deixado de acreditar nele, como deixaram de acreditar em mim, provou que é possível voltar. O Nelson tem muita raça. Os meus problemas, infelizmente, não são de agora. Sempre lidei com problemas físicos. Já ganhei medalhas lesionada. As pessoas se calhar não souberam, mas já ganhei medalhas sem sentir um pé.
Os portugueses exigem de mais aos seus atletas? Às vezes parece que só nos lembramos deles quando há Jogos Olímpicos…
Sem dúvida, não digo que aconteça com toda a gente, mas a maioria só se lembra de nós quando ganhamos. Quando estamos em baixo e realmente necessitamos que as pessoas nos apoiem, que estejam connosco, esse apoio deixa de existir e é triste.
Sentiu-se desapoiada?
Senti, completamente. Senti essa falta de apoio de pessoas ligadas ao nosso meio. Como tenho laços familiares e pessoas que estão à minha volta que nunca deixaram de me apoiar, isso passou. Os patrocinadores sobretudo a Adidas que foi o meu maior sponsor, nunca deixou de me apoiar. A prova é que me fizeram uma homenagem e trataram-me como um ser humano normal. Perceberam que quando estava em baixo era quando mais precisava de ajuda. E quando falo de apoio não é só a nível monetário. É telefonarem-me quando fui operada, perguntarem como correu, se preciso de apoio para recuperar.
Quem lhe falhou?
Falharam muitas pessoas mas não quero entrar por aí. Encerro aqui um capítulo e as pessoas que fizeram isso sabem perfeitamente quem são. Só quero falar de coisas positivas e que as pessoas se lembrem de mim pelas coisas positivas.
Se lhe perguntar qual a prova que gostaria de repetir, suponho que seria a prova do salto em comprimento nos Jogos Olímpicos de Pequim [em que foi eliminada nas fase de qualificação para a final]. O que falhou nesse dia?
Não quero falar muito desse momento. Faz parte da minha história, mas esse momento está esquecido. Aconteceu, infelizmente, esse infortúnio, mas acredito que essa medalha não era para ser minha.
Já fez as pazes consigo própria?
Já. Eu não me culpei. Estava lesionada quando fui aos Jogos, tinha uma fratura de stress no calcanhar e depois voltei a ter outra fratura no dedo do mesmo pé. Não consegui treinar como gostaria na China, nunca fiz uma corrida de balanço , apesar de saber que estava em forma. Tudo isso influenciou a minha prestação.
Foi o ano em que fez a sua melhor marca, os 7m12 conseguidos em Madrid…
Alcançar essa marca teve um custo. O treino que fiz para a alcançar foi muito exigente. Lembro-me de vir ao Parque da Paz [em Almada] e ficar a treinar muitas horas. Foi muito difícil chegar aquele momento e as coisas não saírem. Foi frustrante. Naquela altura só me apetecia carregar no botão para trás e voltar a viver aquele dia, mas a vida não é assim. Mas ninguém morreu, estamos todos de saúde, isso é que importa.
Passar a barreira dos sete metros foi durante muito tempo a sua meta. Como foi vencer essa distância?
Lembro-me de fazer treinos na Sobreda e eu dizia ao professor Abreu Matos que ia fazer um monte nos sete metros e se passasse sabia que estava perto. Houve uma vez que passei o monte e fiquei feliz da vida. E ele disse, que agora era questão de esse salto sair no dia certo. Houve uma altura que estava muito obcecada com os sete metros e as coisas não saíam. Pensei que o melhor era relaxar. O treino estava feito, se o salto tivesse de sair ele ia aparecer. E saiu, em Madrid, a 22 do 7 de 2007, fiz 7m01. Dia 22 é o aniversário do meu namorado e depois o sete, eu gosto tanto do número 7. Foi mágico. Saltei e disse ao meu treinador que tinha de cortar o bigode porque era a promessa que ele tinha feito. No dia seguinte ele apareceu no hotel sem o bigode e eu até lhe disse ‘professor, está tão feio, não o conheço assim’. Mas até hoje ele não voltou a deixar crescer o bigode. Eu depois quis fazer outras promessas, mas ele disse que comigo não fazia mais nenhum acordo porque eu vou atrás e faço de tudo para provar que consigo (risos).
Referiu o seu namorado. É importante para um atleta ter estabilidade emocional?
Claro. Foi no momento certo que começámos a namorar, em 2002. Ele treinou muitos anos comigo, fez salto em comprimento até há dois anos. O Pedro [Oliveira] foi sempre um dos meus grandes motivadores, competíamos entre nós e deu-me muita estabilidade emocional para me poder concentrar em competir e ganhar. Tínhamos pouco tempo mas adorávamos viajar. No final de cada época, pegávamos nas malas e lá íamos nós.
Fez entretanto o curso de fisioterapia. Vai apostar nessa carreira?
Sou fisioterapeuta desde o ano passado. Estou a trabalhar em part-time no Sporting como fisioterapeuta de atletismo. Tenho contrato de 14 meses e depois logo se vê.
Quer continuar ligada ao desporto?
Sim, obviamente. Gostava de ser treinadora, é uma profissão que não tem muita saída, nem é muito apelativa em termos financeiros, temos mesmo de gostar.
Agora que não compete vai perder o subsídio de alta competição. Isso complica-lhe a vida?
Já o perdi, desde que me lesionei e saí da alta competição. Agora é trabalhar, tudo que tinha para ganhar ganhei, tenho os meus investimentos, o meu pé-de-meia, por isso não é por aí. Consegui precaver o futuro.
Se o seu filho quiser saltar conta com o seu apoio ou preferia que ele tivesse uma profissão mais estável?
Convém ter uma profissão. Mas se ele gostar de saltar ou de atletismo, não vou ser eu a impedi-lo, tal como a minha não me impediu. Mas tem de aprender uma profissão, porque um dia o desporto acaba e temos de ter para onde nos virar.
Hoje vê-se muita gente a correr, está na moda o ‘Running’, mas têm surgido poucos novos talentos no atletismo. Será que as pessoas perderam o espírito de sacrifício para competir a alto nível?
O running exige espírito de sacrifício, vejo muita pessoa a correr, mas é por lazer. Não têm aquela disposição para ir mais além. A alta competição não é fácil, as pessoas não sabem aquilo por que passamos. Mas não se investe nos atletas. Temos de pensar no futuro. Se dedicarmos a nossa vida exclusivamente ao desporto, depois quando acaba o que se faz? Pode acontecer uma lesão grave. Muitos jovens optam por estudar, dá-lhes um futuro melhor.
Carlos Lopes e Rosa Mota diziam que o facto de virem de famílias pobres os motivava a serem bons no atletismo. O facto sermos hoje, apesar de tudo, um país mais rico retira essa motivação?
Também acontece isso. Os meus objetivos também eram dar melhores condições de vida à minha mãe, ter a minha casa, ter estabilidade. Tudo isso levou a que eu desse o litro porque queria melhorar o meu futuro. Nunca pensei em desistir de estudar, mas ajudou eu saber que tinha de ganhar esta prova porque o prémio é ‘X’ e pode contribuir para pagar a minha casa, era a minha profissão. Hoje tenho a minha casa paga, tenho uma vida tranquila.
Sente-se preparada para esta nova fase da sua vida, longe da competição?
Estou preparada, na vida temos de estar otimistas. Passou uma etapa, agora vêm outras. Não vai ser igual, mas será feliz, eu tenho 35 anos, é tempo de pensar na família. Não ia continuar por muito mais tempo, só queira acabar a minha carreira de uma forma mais positiva. Era o único objetivo que tinha em mente. Mas termino feliz.
Um artigo da IAAF (Associação Internacional de Federações de Atletismo) de 2007 chamava-lhe a ‘Portuguese Special One’, usando a expressão de José Mourinho. Sentiu-se especial na sua carreira?
Tenho essa revista em casa. Senti-me realmente especial, como o Mourinho, que eu conheci e que me deu os parabéns numa viagem que fizemos a Madrid. Posso dizer que até agora fui a única portuguesa a passar dos sete metros, foi um feito.
Dá-lhe prazer ser ainda recordista em título?
Sem dúvida que dá prazer. Gostamos de ser os melhores. Não sentirei tristeza quando as minhas marcas forem batidas, é bom que haja atletas que venham fazer melhor porque os records existem para serem batidos. Aquela marca fui eu que a fiz, já lá está, passei várias vezes dos sete metros. Está feito.
Desde 2008 nunca mais conseguiu chegar a esse nível…
Não passei os sete metros, fiz 6m99 em 2009, em 2010 fiz 6m92, estive sempre perto. Após os Jogos Olímpicos de Pequim, a única coisa que me passava pela cabeça era conseguir voltar a competir sem aquele medo de fazer saltos nulos. Esse foi o desafio em Berlim 2009, poder passar a uma final. Pus em causa se voltaria a consegui-lo, porque nunca me tinha acontecido fazer nulos num apuramento. Em Berlim só eu sei o que sofri para passar a eliminatória. Desafiei-me a mim mesma e perdi a medalha de bronze por 1 cm, no último salto, mas para mim foi excelente porque o meu objetivo era voltar a competir. Ainda em 2009, ganhei uma medalha de prata em Doha [nos mundiais de pista coberta]. Voltei a ganhar medalhas, fui prata nos Europeus de Barcelona ao ar livre em 2010 - em que perdi o ouro com a mesma marca da primeira classificada. E em 2011 voltei a ganhar uma medalha [Prata nos Europeus Indoor]. Por isso provei que o desaire de 2008 não me influenciou.
Fazem-se amigos no circuito?
Fazem-se, mas eu não sou muito de grandes amigos. Fiz amizades, a Sandra Teixeira, a Jessica Augusto, juntos passamos por grandes momentos, bons e maus. A Jessica esteve comigo em Osaka quando perdi a medalha de prata dos mundiais no último salto, viu-me chorar, eu também já a vi chorar. Em 2008, ela foi a minha companheira no quarto em Pequim, viu aquilo que eu passei, foram muitos momentos, e muitos deles muito bons.
Também tem amigas entre as atletas internacionais?
Tenho algumas saltadoras a quem escreve e com quem me dou bem, mas não digo que sejam amigas próximas. Eu não era muito amigável quando estava em competição. Uma vez fu à Rússia competir e ganhei no terreno delas, onde eram imbatíveis. Lembro-me de ser entrevistada na televisão russa e a jornalista ter dito que eu era muito simpática, o que não parecia nada nas provas. Respondi que nas provas estou para vencer, para ganhara. Estou concentrada no que estou a fazer e não estou lá para ser simpática. Mesmo os portugueses que lidavam comigo nas provas achavam que eu era uma pessoa muito inacessível, mas assim que me conheciam ficavam surpreendidas.
O desporto permitiu-lhe conhecer o mundo…
Sim, fui abençoada. Conheço meio mundo, adoro viajar e quero conhecer mais. O que mais gosto é o Brasil. Adorei competir lá, o clima tropical. Ainda pensei que pudesse ir aos Jogos do Rio de Janeiro em 2016, mas quando o médico diz que tenho de treinar a 70% para mim caiu tudo. Porque eu treinava a 200%. Ir a uma competição só por ir não tinha sentido.
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