Em 1972, os jogos da paz transformaram-se em guerra, com o ataque terrorista à aldeia olímpica. O terror durou 23 horas.
A tocha olímpica dos Jogos Olímpicosde Londres de 2012 não acenderá a memória do massacre de Munique. Quem diz esta frase são os familiares dos 11 atletas israelitas assassinados. O que está em jogo, afinal, é um minuto de silêncio. Não teve eco a petição criada por Ankie Spitzer, a viúva de Andre Spitzer, tão-pouco a carta que o vice-ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Danny Ayalon, endereçou ao presidente do Comité Olímpico Internacional (COI). O senhor Jacques Rogge considera que sessenta segundos de boca calada seria um “gesto político”. O jornal inglês ‘The Guardian’ respondeu com a ironia da escola de Sir Churchill: “Não fazer um minuto de silêncio é, em si, um gesto político.”
Acima da política vive a tragédia ocorrida naquela que fora a cidade predilecta de Adolf. Munique. Ano de 1972. Terça-feira, dia 5 de Setembro. Passavam vinte minutos das quatro da madrugada. Oito guerrilheiros da facção radical da Organização da Libertação da Palestina Setembro Negro, de roupa desportiva e mochilas repletas de granadas e espingardas Kalashnikov, saltaram uma irrisória vedação e invadiram a Aldeia Olímpica. Membros da delegação norte-americana, mais bêbedos do que atentos, confundiram-nos com boémios. Os polícias desarmados julgaram que se tratavam de gladiadores animados de cerveja. Engano.
A escolha de a Alemanha limpar a imagem deixada na Segunda Guerra Mundial organizando o maior evento internacional sem transparecer segurança revelar-se-ia catastrófica. Com o caminho livre, os terroristas encaminharam-se para o prédio no número 31 da Conolly Strasse, onde estavam hospedadas as delegações do Uruguai, de Hong Kong e do alvo a abater: Israel. Em menos de dois minutos já forçavam a porta do apartamento nº 1. Joseph Gutfreund gritou: “Chevre, tistatru!” O árbitro de luta livre acordara segundos antes com o barulho dos usurpadores e vira, por uma fresta, um bando de encapuzados. Tentou obstruir a entrada enquanto vociferava: “Amigs, protejam-se!” O seu corpanzil de 130 kg permitiu a fuga do colega Tuvia Sokolovsky.
O líder do gang, Lutiff Afif, conhecido por ‘Issa’, filho de mãe judia e de pai muçulmano, dirigiu-se aos outros quartos. Deparou-se com Moshe Weinberg. O técnico de luta sobreviveu ao estouro da pólvora no rosto e morreu com uma bala no peito. Os guerrilheiros seguiram para o apartamento nº 3. Tiveram sorte. Seis atletas só abriram as pestanas com carabinas na nuca. O lutador Gad Tsabari aproveitou um milagre de distracção e fugiu em ziguezague, como aprendera no Exército. Joseph Romano, de muletas devido a uma contusão, sucumbiu com disparos no pulmão e no tímpano. Nas garras da ala radical do partido de Arafat ficavam nove atletas, incluindo o mestre de esgrima Andre Spitzer, que acabara de chegar, e dois cadáveres.
Os Jogos da Paz transformar-se-iam numa guerra que demoraria vinte e três horas. A primeira exigência chegou no idioma da casa. ‘Issa’ estudara na Alemanha Ocidental durante oito anos: “Entrem em contacto com o governo de Israel.” Pouco depois, da janela caíram três folhas de papel dactilografadas em inglês com a reivindicação: libertação de 234 prisioneiros detidos nas cadeias em Israel e mais dois que estavam presos na Alemanha, e um salvo-conduto para levarem os reféns em três aviões para um país árabe. A primeira-ministra Golda Meir não precisou de um milésimo para decidir: não há conversa com terroristas e ofereceu uma unidade de elite para o resgate. O chanceler da Alemanha Ocidental, Willy Brandt, rejeitou de imediato, ciente de que o impasse diplomático aumentaria a tensão. O ministro do Interior, Hans Dietrich Genscher, o secretário do Interior da Baviera, Bruno Merck, e o chefe da Polícia de Munique, Manfred Schreiber, conferenciavam com ‘Issa’, que se apresentava de chapéu branco e máscara preta.
A cada proposta – somas ilimitadas de dinheiro, troca dos reféns por qualquer outra personalidade da República Federal – ‘Issa’ ia dizendo não e não. Em cima do joelho os alemães-ocidentais organizaram, nessa tarde, uma básica tentativa de salvamento. Polícias de fato-de-treino subiram ao telhado do edifício com o intuito de apanharem os sequestradores. Esqueceram-se de que todos os quartos tinham aparelhos de videovigilância. Foram os próprios terroristas que os lembraram de que estavam a assistir às imagens e avisaram que qualquer gesto resultaria na execução dos reféns. Um novo plano acabaria por ser definido, após a imposição de irem ao Egipto ter sido aceite.
Erros sucessivos
Inexplicavelmente, a estratégia culminaria numa sucessão de erros fatídicos. No Boeing 727 posicionado na pista militar de Fürstenfeldbruck havia dezasseis agentes prontos para o combate. Mas, ao invés disto, os polícias, por considerem que a acção era arriscada, desistiram sem comunicar ao comando central. Tanto fazia; o comando, por sua vez, esquecera-se de solicitar apoio terrestre blindado, e quando o fez os tanques chegaram tarde demais. As autoridades prepararam uma acção com apenas cinco atiradores mal treinados, sem rádio e comunicações centralizadas. Apenas aquando do transporte da Aldeia Olímpica, feito de autocarro para dois helicópteros, perceberam que, afinal, havia mais terroristas do que julgavam: oito, e não cinco.
O fotógrafo Eduardo Gageiro estava lá e, apesar da dificuldade de penetrar no local, captou esse instante. “Às tantas, lembrei-me de que a minha identificação era parecida com a dos atletas, só tinha uma letra a mais. Pus-me num grupo deles e entrei disfarçado. Fui ter com a delegação portuguesa, que estava no 16º andar, e da varanda fiz a sequência das fotos.” Carlos Lopes, que participou nos Jogos de Munique, será um caso raro: “Não me lembro de nada e, na altura, o assunto passou-me ao lado.”
Do lado errado ficaram os helicópteros, o que impediu a um par de atiradores de cumprir o dever. O fim começou no momento em que os terroristas verificavam que o referido avião se encontrava vazio. Sentiram-se enganados e abriram fogo. No meio do caos, Zvi Zamir, então chefe da Mossad (Serviço de Inteligência de Israel) tentou negociar, mas sem êxito. As notícias que a polícia transmitiu nessa madrugada à imprensa fugiam à verdade. “Todos os atletas estão salvos e todos os terroristas morreram.” A chegada dos carros blindados apavorou os terroristas, um deles metralhou um helicóptero e lançou uma granada. Explodiam Berger, Friedman, Halfin e Springer. Depois, outro terrorista liquidou os reféns do segundo helicóptero: Gutfreund, Shapira, Shorr, Slavin e Spitzer. Um polícia morreu no fogo-cruzado, cinco terroristas abatidos e três no calabouço germânico. No entanto, viram o astro-rei aos quadrados por nesgas. Em Outubro desse ano, um comando sequestrou um avião da Lufthansa no Líbano e reclamava a liberdade dos envolvidos no atentado de Munique. O facto de o governo alemão ter anuído representou o aval para que o petardo arquitetado pelo gabinete de Golda Meir – retaliação sem rodeios – tivesse pernas.
Contra-ataque israelita
A ‘Operação Baioneta’ começou em Roma, a 16 de Outubro de 1972. Wael Zwaiter, que mantinha a principal base operacional do Setembro Negro na Europa, comeu dois tiros de uma Beretta.22. Seguiu-se Mahmoud Hamshari, representante da OLP em Paris. Agentes da Mossad fingiram ser jornalistas, instalaram em sua casa uma bomba sob a mesa do telefone e telefonaram-lhe de uma cabina. Ele atendeu, e pronto: um sinal detonador via linha telefónica provocou a explosão. Hamshari morreu no dia seguinte no hospital. Também à distância, detonaram, na cama de um hotel em Nicósia, Chipre, Al Chir, o responsável da ligação entre o Setembro Negro e o KGB. Numa rua parisiense, três rajadas fulminaram Basil Al-Kubaissi, activista da Frente Popular da Libertação da Palestina. Para matar Abu Yussef, número três da Fatah, Kamel Adwan, chefe de operações da OLP, e Kamal Nasser, porta-voz da OLP, a Mossad envolveu os melhores militares do país, entre eles, Ehud Barak. Na madrugada de 10 de Abril de 1973, o actual ministro da Defesa israelita vestiu-se de mulher, numa intervenção no Líbano que durou trinta minutos.
Faltava Ali Hassan Salameh, organizador do atentado de Munique e chefe operacional do Setembro Negro. Engano fatal. O empregado de um resort sueco de desportos de Inverno, o marroquino Ahmed Bouchiki, morreu à frente da mulher grávida. Resultado: seis agentes presos. E a operação de caça arrefeceu. Voltaria a aquecer, em Janeiro de 1979, quando Ali Hassan viu a morte num carro-bomba numa rua em Beirute. Atef Bseiso, o crânio dos serviços secretos palestinianos, pode ter sido o último da lista. A sua vida apagou-se em 8 de Junho de 1992, em frente ao Hotel Méridien Montparnasse, na Cidade Luz.
‘Operação Primavera Juvenil’
Sayeret Matkal, a Unidade Elite das Forças Especiais das Forças de Defesa de Israel, esteve presente naquela que foi uma intervenção militar clandestina no âmbito da ‘Operação Baioneta’. Dezasseis soldados desembarcaram numa praia perto de Beirute. À sua espera tinham motoristas israelitas, previamente infiltrados no país. Levados ao prédio onde estavam os três cabecilhas do Setembro Negro e divididos em três grupos, invadiram as casas e mataram os alvos com 55 rajadas. Meia hora depois regressavam a Israel. Nesta operação, Ehud Barak disfarçou-se de mulher: peruca loira, seios postiços, meias de vidro e saltos altos. O objectivo era assediar um guarda fronteiriço.
O nome do grupo tem reminiscência nos conflitos entre a OLP e a Jordânia, quando, em 16 de Setembro de 1970, em resposta a uma tentativa de golpe de estado encabeçada pelos fedayn (suicidas), o rei Hussein II eliminou e expulsou milhares de palestinianos. Começou com uma célula da Fatah, depois juntaram-se a OLP e as As Sa’qa (facção militar síria). Embora seja conhecido pelo assassínio dos onze atletas israelitas em Munique, a folha de serviços é vasta: tentativa de homicídio do embaixador jordano em Londres, sabotagem de uma fábrica de gás holandesa, o sequestro de um avião belga, atentado contra a embaixada saudita no Sudão e cartas-bomba.
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