As redes sociais e até a televisão mudaram a forma como os adolescentes amam. E aparentemente eles amam mais e de maneira diferente. Os estudos mais recentes apontam para a precocidade na descoberta sexual, para o caráter pontual das relações e a maior exteriorização da homossexualidade. Muita novidade para dar água pela barba a pais e professores.
De acordo com o mais recente estudo da Organização Mundial de Saúde sobre a saúde dos adolescentes portugueses, que entrevistou 6026 jovens de 473 turmas do 6º ao 10º ano, aos 11 anos já alguns perderam a virgindade. No 10ª ano, 22 por cento já se envolveu sexualmente e, destes, a maioria afirma que tinha 14 anos quando teve a primeira relação sexual. Mas mais de 70 por cento usaram preservativo e 84 por cento garantem que não estavam sobre o efeito de álcool nem drogas quando passaram das palavras aos atos.
A Associação Portuguesa de Planeamento Familiar encara com alguma estranheza estes resultados. Duarte Vilar, sociólogo e diretor-geral da APPF tem outros dados: "No nosso último estudo (2008), a média de idades tanto em rapazes como raparigas para a primeira relação sexual eram os 17 anos. Não creio que tenha descido tanto em tão pouco tempo. O resultado do estudo da OMS tem uma justificação: a amostra deles é com alunos do 6º ao 10º ano. Já o nosso estudo abarca toda a população do Secundário", realça. Todavia, se no estudo da APPF a idade da primeira relação sexual não é tão baixa, a percentagem de jovens que se declararam ativos sexualmente sobe significativamente: 42 por cento das raparigas e 37 por cento dos rapazes.
O sociólogo frisa que a maior mudança é entre as raparigas. "Há várias décadas que a média para os rapazes é os 17 anos, mas para as raparigas desceu bastante. Isso significa que hoje se perde mais a virgindade com as namoradas, mas que anteriormente acontecia mais com mulheres mais velhas ou até recorrendo à prostituição".
Vânia Beliz, sexóloga, julga ter a explicação: "Vivemos num período de liberdade sexual e a contraceção segura veio dar resposta ao medo de uma gravidez indesejada. As meninas são mais erotizadas, pois assim é o universo da sua infância e despertam mais rapidamente para a sua sexualidade. Já os rapazes parecem sentir-se inseguros com a inversão do papel". Mas os papéis também são interpretados de outra forma: "há uma diferença clara entre sexo e amor. Entra-se e sai-se das relações com um à-vontade que não existia. Basta um click. A internet veio mudar a intimidade. Tudo acontece de forma rápida".
Nas escolas, as novas realidades e estilos de vida entram pela porta da sala de aulas. Maria Alice, professora numa escola da zona Centro, vê os miúdos começarem a mudar cada vez mais cedo: "Aos 12, 13 anos já saem à noite e não têm horas para chegar a casa. E para eles sair é beber desalmadamente. A partir daí vale tudo, até sexo". A escola onde Alice lecionada tem este ano quatro adolescentes grávidas, numa população escolar que não chega a mil alunos. "Às vezes nem têm bem a certeza sobre quem é o pai da criança, pois não resultam de namoros, mas sim de parceiros ocasionais. A partir do 7º ou 8º ano percebe-se que muitos já são sexualmente ativos. O sexo oral então está banalizado. E surgem muitos a explorar e a assumir relações homossexuais, que acabam por desencadear situações de bullying".
Mas das vozes ‘às nozes’ ainda vai uma certa distância e são os próprios miúdos quem põe em causa as estatísticas. Gonçalo Correia tem 18 anos e poucas papas na língua: "Ter sexo é um meio de afirmação perante a sociedade … e os jovens sentem necessidade de criar a história do que desejam que lhes aconteça nessa mesma situação. A maioria diz que iniciou a vida sexual sem nunca ter tido nenhuma experiência. Mas por outro lado, depois de se começar é algo tão banal como ver televisão ou estar no computador… é quase como um hobbie. Os meus amigos iniciaram a vida sexual por volta dos 14 ou 15 e outros aos 17, tal como eu".
A escola também já não é o epicentro do rebuliço hormonal. "As redes sociais potenciam em dobro ou mesmo o triplo de contactos... o chat de uma rede social é o ponto de engate mais forte e que menos intimida, porque se fala sem ver a reação da outra pessoa. É fácil provocar e combinar os encontros para terem experiências", acrescenta Gonçalo.
‘Mariana’ tem 14 anos e frequenta o 9º ano de uma escola da Margem Sul do Tejo. Tem amigas que aos 12 anos já mantinham relações sexuais. "Parece-me demasiado cedo. Não acho que se tenha maturidade". Ela, que ainda é virgem, apesar de já ter tido alguns namoricos, considera que os 16 anos são a idade ideal para a primeira relação sexual. Entre colegas, "é raro falar" sobre o tema e diz nunca ter sentido pressão dos pares para apressar o que quer que fosse.
Já ‘Daniela’, 15 anos, de Lisboa, afirma que hoje em dia é uma espécie de ponto de honra perder a virgindade no 10º ano. "Mas não vou fazer só por fazer. Tem de ser com alguém de quem goste". E isso é coisa que ainda não encontrou. Quando o momento chegar, diz estar preparada: "vou usar preservativo. Tenho alguns que a minha irmã me deu". Já os levou na mala, para uma festa: "ia lá estar uma pessoa que me interessava. Mas depois ele esteve com outra". A questão ficou assim adiada para encontros mais felizes e os preservativos arrumados no fundo de uma gaveta. A irmã de Inês tem 19 anos e está na faculdade. É com ela (e com uma prima de 16 anos) que mais fala sobre sexualidade. "Com as amigas nem por isso... falamos sobre os rapazes mas não nesse sentido". Ainda assim, Inês já ouviu algumas raparigas gabarem-se de feitos mais escaldantes: "Mas também não acredito em tudo o que ouço!"
Afonso, 14 anos, de uma escola de Lisboa, confessa que com a namorada, com quem sai há um mês, já explorou partes mais íntimas dos respetivos corpos. Da masturbação e do sexo oral ao primeiro coito, pode ser um saltinho. "Mas só quando ela quiser", garante. E por enquanto, ela ainda "quer ir devagar". O preservativo, esse, já viaja na mochila, à espera da sua oportunidade.
Outras práticasCristina Mira Santos, psicóloga, especialista em sexologia e responsável por vários projetos e sessões de esclarecimento em escolas integradas nas horas que o Ministério da Educação decretou para a educação sexual, reconhece que a nova geração está mais consciente sobre o uso do preservativo, apesar de ainda haver lacunas graves. "Coito anal e sexo oral são coisas que eles vão experimentando mais, embora em relação ao primeiro os rapazes se queixem que elas muitas vezes não querem. Infelizmente muitos desconhecem que mesmo nessas situações também podem e devem proteger-se. Uma das coisas que mais vezes explico nas sessões das escolas é precisamente que não se deve lavar os dentes antes do sexo oral, para não fazer feridas e que pode ser utilizado preservativo ou película aderente", revela.
Um problema que subsiste é os preservativos serem caros e muitos jovens não saberem que são dados gratuitamente nos centros de saúde. Às vezes, quando sabem, têm vergonha de lá ir.
Seja cara a cara ou por email, Cristina confronta-se com muitas dúvidas de jovens a braços com a mudança no corpo e no coração: "Querem saber mais como é que o outro é, como reage, mas também surgem muitas dúvidas relacionadas com doenças ou com a ejaculação precoce, por razões óbvias". Em casa, os adolescentes falam pouco sobre sexo, pois este "continua a ser um tema de difícil abordagem no seio da família", relata a especialista.
À psicóloga não escapam as novas realidades. "A sua maior liberdade é proporcional à sua curiosidade. A informação a que têm acesso tanto na internet como em programas e séries televisivas leva-os a querer explorar a sexualidade cada vez mais cedo. Já não têm vergonha de mostrar que têm namorados desde muito cedo, e gostam de seguir modelos que tomam como referência nas séries que veem. Por outro lado, tenho verificado que muitos deles afirmam já ter iniciado uma vida sexual mas nem sempre isso coincide com a verdade. Quando avançamos na conversa por vezes conseguimos perceber que as situações não foram bem como as descritas inicialmente". Por outro lado, a noção de virgindade já não é unânime: "Quem praticou sexo oral deixou de ser virgem? Talvez esta noção de virgindade deva ser clarificada. Iniciar uma vida ativa em termos sexuais pode não querer representar o que no passado se designava perder a virgindade. Nessa altura, e talvez ainda hoje, perder a virgindade significa ter havido penetração. Hoje em dia o conceito de sexualidade é muito mais abrangente e se, por exemplo, estivermos a falar de experiências entre jovens do mesmo sexo pode nem ter havido penetração ou se houve pode ter sido anal (mesmo em casais heterossexuais) e nestes casos nem sempre se considera que se deixou de ser virgem", esclarece.
E o que sabem os pais da vida dos filhos? Depende, claro está, do diálogo e da proximidade emocional que conseguem manter com eles. Sílvia Marques, 45 anos é mãe de duas adolescentes, de 11 e 16 anos. Há já vários anos, quando a filha mais velha começou a entrar na adolescência, começou a puxar o assunto para a mesa à hora do jantar, altura em que a família partilha o seu dia a dia. "Digo-lhes que é importante conhecerem o seu corpo e que a sexualidade sempre existiu e é natural. Mas que a maturidade física é muito diferente da maturidade emocional. Por isso, não é a idade que conta mas sim sentirem--se à vontade e confortáveis com certas experiências", recorda. Da filha sabe que já teve dois namoricos e que eventualmente um terá acabado porque "ele possivelmente queria passar para um patamar que ela ainda não desejava". A jovem sofreu, a ponto de fazer juras de que nunca mais iria amar alguém. À mãe coube explicar que "mais vale sofrer de amor do que nunca sentir nada".
Carla, mãe de um rapaz de 12 anos, acredita estar "mais ou menos a par" do processo de descoberta da sexualidade do filho. "Não é um santo e com certeza que já há de ter visto pornografia na internet! Mas acredito que ele e a maioria dos colegas ainda não tiveram experiência prática no dia a dia. Os rapazes ainda por cima são muito mais imaturos. Eles nem sequer acham muita graça às raparigas ainda. E nem sabem muito bem como comunicar com elas. Também deve depender dos hábitos. O Diogo nunca pediu para sair à noite, por exemplo. Anda entre a casa, a escola, o futebol e o computador. Mas sei que já experimentou álcool em casa de um amigo, ao ponto de se embebedar. Veio maldisposto para casa e foi honesto comigo".
Ainda assim, a realidade aparenta ser distante daquela que Francisco Salgueiro traçou no seu livro ‘O Fim da Inocência’, em que descreve a ‘vida louca’ dos adolescentes de um colégio privado nos arredores de Lisboa. Maria Bravo, a autora de ‘Cenas de Uma Adolescente’ e a sua principal personagem, Vera, já andará mais próximo da realidade.
O papel da escolaAos professores cabe observar e cumprir a lei quanto à educação sexual nas escolas, que define 12 horas anuais de educação sexual por turma. Na escola onde Sofia leciona, no ano passado ficou decidido que seria alguém de fora a encarregar-se das aulas de educação sexual. "Nem sempre os professores estão à vontade para abordar determinado assunto ou usar determinada linguagem. Eles começam por ter uma atitude defensiva, até porque acham que já sabem tudo. Mas depois percebem que é normal ter dúvidas e que na internet não está tudo".
À professora de Educação Física não a choca a idade mas sim a falta de maturidade emocional: "o mais difícil de trabalhar são os sentimentos e fazê-los entender que trocar muito de parceiro, dar o corpo sem envolvimento na relação é ter falta de respeito por si próprio e pelos outros".
Lá na escola, é por volta dos 13 ou 14 anos que começa a perceber-se que "o namoro já é diferente", até porque muitas vezes o recreio também serve para dar asas aos ímpetos da adolescência. Aliás, à hora do intervalo já ouviu coisas sugestivas: "Ai não sabes? Vem cá que eu ensino-te tudinho….", ouviu uma aluna dizer a um rapaz. A pressão dos pares é grande: "Ninguém quer chegar ao Secundário virgem. Muito menos à faculdade!"