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Correio da Manhã

Domingo
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Que se passa com as crianças em Inglaterra?

Família portuguesa que perdeu filhos é exemplo entre milhares.
José Carlos Marques 7 de Abril de 2014 às 17:59
Criança
Criança FOTO: Getty Images

Carla e José Pedro vivem em suspenso. Agarram--se à esperança de que a reunião, agendada para o dia 17 de abril, entre representantes da Justiça e da Segurança Social britânicas e diplomatas portugueses permita que os seus cinco filhos venham para Portugal. "Já nem peço que os meus filhos nos sejam entregues diretamente, quero que eles sejam entregues à Segurança Social portuguesa para que depois nós possamos provar a nossa inocência em Portugal", conta à ‘Domingo' José Pedro, de 44 anos.

Os cinco filhos do casal foram-lhes retirados pela Segurança Social inglesa há cerca de um ano. A queixa do filho mais velho, apresentada na escola, de que o pai lhe batia foi determinante. Em dezembro, o Tribunal de Lincolnshire tornou definitiva a retirada dos menores. A juíza estipulou que os mais velhos, de 14, 13 e 7 anos, seriam entregues a famílias de acolhimento; os mais novos, de 5 e 3 anos, seriam adotados em Inglaterra.

A história da família Pedro tem versões diferentes. Os pais de Carla, que acolheram os filhos mais velhos do casal em Almeirim durante seis anos, apontam problemas de violência doméstica, alcoolismo e negligência. Chegaram a pedir ao Tribunal de Almeirim para ficar com a custódia dos menores, mas a reunião da família em Inglaterra, a partir de 2011, e as acusações de Carla contra os pais travaram o processo.

Em Inglaterra, os serviços de proteção de menores disseram à RTP que os menores só foram retirados por motivos de força maior. Há um historial de problemas na família. Carla admite que fez uma queixa às autoridades: "Por causa do comportamento do meu filho mais velho. Ele tem problemas mentais, ameaçou-me com facas, tinha medo dele." Mas jura que nunca lhe bateu, nem ela nem o marido. "Eu tive uma infância difícil. Levei muitas tareias. Sempre disse que quando tivesse filhos nunca lhes iria tocar e assim o fiz", garante José Pedro.

ADOÇÕES FORÇADAS

O drama da família Pedro poderá eventualmente ter uma solução em que os pais possam voltar a reunir-se com os filhos, mas o caso despertou as atenções para um problema que tem feito correr muita tinta em Inglaterra. O deputado John Hemming, eleito pelo Partido Liberal Democrata - força política que integra a coligação que governa a Inglaterra -, tem sido uma das vozes mais ativas na denúncia de abusos cometidos pela Segurança Social e pela Justiça britânicas. "Acontecem em Inglaterra 12 mil casos de retirada compulsiva de crianças às suas famílias em cada ano. O sistema está feito para fazer aumentar o número de adoções e constato que grande parte das decisões de retirada de crianças é errada", diz o membro da Casa dos Comuns à ‘Domingo'. O político, que criou o site ‘Justice for the families' (‘justiça para as famílias') critica também a lei que obriga ao silêncio. "As famílias que perdem as suas crianças não podem sequer divulgar o nome delas ou publicar fotografias. Há ameaças a jornalistas e já houve pessoas presas por fazerem comentários em blogues", diz John Hemming.

Os casos que envolvem famílias de imigrantes, como a família Pedro, são particularmente graves. "Estas pessoas têm dificuldades com a língua e com a lei e as suas hipóteses de defesa são menores." Sem querer comentar diretamente o caso da família Pedro, Hemming diz que seria melhor que o governo português interviesse no caso. Aliás, o deputado tem aconselhado várias famílias estrangeiras a envolverem os seus governos na luta para recuperar os filhos.

O inglês Ian Josephs, formado em Direito e dono de uma escola de línguas no Mónaco, foi um dos primeiros a envolver-se em processos de adoção compulsiva. "Em 1961, fui contactado por uma mãe a quem o filho de 12 anos tinha sido retirado por ela ser considerada incapaz de o criar. Percebi que havia algo de errado e envolvi-me no caso. Falei com o filho, que estava internado num colégio, e ele perguntou-me por que é que a mãe não lhe escrevia. Mas a verdade é que a mãe lhe escrevia todos os dias. As cartas não lhe eram entregues. Após uma longa batalha jurídica, consegui que a mãe recuperasse a custódia do filho e depois aceitei vários casos semelhantes."

Entretanto, Ian deixou a política para se concentrar nos negócios. Mudou-se para o Mónaco, e foi no principado que se apercebeu de que continuavam a acontecer situações abusivas. Criou o site ‘Forced Adoption' para aconselhar famílias. "Todos os anos recebo cerca de mil pedidos de ajuda. A Inglaterra viola a Carta dos Direitos Humanos. A maior parte das crianças é retirada sob o pretexto de estar exposta a "abusos emocionais". Ora, isto é um conceito que pode querer dizer tudo e nada e há demasiadas pessoas condenadas a nunca mais ver os filhos." Ian propõe uma alteração legislativa: "Seria uma mudança simples - as crianças só podem ser retiradas aos seus pais se os pais cometerem algum crime contra elas. Ameaças são crime, agressões são crime, abuso sexual é crime, negligência é crime. Se os pais não cometeram nenhum crime, porque hão de perder os filhos?"

CESARIANA À FORÇA

Ian Josephs denunciou em 2012 um dos casos mais escandalosos. "Recebi a chamada de uma senhora italiana que trabalhava na indústria aeronáutica. Estava grávida e foi a Inglaterra receber formação. Ela tinha um problema mental e teve uma crise. Sofreu um ataque de pânico, houve gritos e acabou por ser internada numa instituição de saúde mental em Inglaterra. Aí, sem o seu consentimento, foi sedada e submetida a uma cesariana. O bebé foi depois dado para adoção e a senhora foi extraditada para Itália." A inacreditável história desta mulher - cujo nome não pode ser divulgado - aconteceu mesmo e o caso ainda corre na Justiça inglesa.

O jornal ‘Daily Mail' publicou em fevereiro outra história polémica. Um casal abastado do Norte de Inglaterra viu a filha adolescente ficar grávida aos 16 anos. O filho nasceu saudável e estava a ser criado em casa da avó. Entretanto, a filha arranjou um novo namorado, com quem o menino de quatro anos brincava. Depois de um banho, o menino apareceu com uma irritação no pénis. Levado ao hospital, os médicos alertaram a Segurança Social. Nunca se demonstrou a origem da lesão, mas o filho foi retirado à mãe e nem os avós puderam ficar com ele. Perderam-lhe o rasto.

São casos como este que levaram a associação de apoio jurídico Mckenzie Friends a apresentar queixa contra o Estado britânico no Parlamento Europeu. Sabine McNeill, dirigente da associação, que está a acompanhar a família Pedro, explica porquê: "Há um esquema montado que envolve muito dinheiro, há famílias presas por denunciarem os casos. Estes casos recuperam a expressão que os franceses usavam para designar a Inglaterra - a ‘Pérfida Albion'. É preciso parar."

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