Fazer contas à vida parece ser cada vez mais difícil. Devido à alteração do contexto económico, seja por motivos de desemprego, de divórcio ou simplesmente por má gestão das finanças pessoais, são cada vez mais os portugueses a apresentarem problemas de endividamento excessivo.
O número de endividados não pára de crescer em Portugal e foi o acompanhamento das notícias – sobre a falência de pequenas empresas, o recuo nos empréstimos bancários e a aflição das famílias – que levou à criação do Centro de Apoio ao Endividado, sediado em Lisboa e que atende pessoas de todo ao País.
CASOS DA VIDA
Àquele espaço chegam diariamente histórias variadas. Pode ser a de um casal, "ambos funcionários públicos, ela professora e ele administrativo, que sofreram cortes de cerca de 20% nos vencimentos, mais corte do subsídio de férias e de Natal, o que perfaz menos quatro ordenados por ano", explica Rosas Mendes, um dos responsáveis por este gabinete.
A história do casal desmorona com a "quebra brutal no orçamento familiar, no contexto em que os encargos se mantém: a prestação da casa, do carro, o infantário das crianças, a educação. Ou seja, de 2500 euros que tinham de rendimentos mensais passaram para 1900. Tinham créditos na ordem dos 1700 euros. Uma família de quatros pessoas não consegue viver com 200 euros mensais, é impossível", frisa.
O problema é que, muitas vezes, quando recorrem a estes serviços as pessoas já estão numa situação de endividamento, ou seja, "assumiram encargos que já não conseguem cumprir por vários motivos", nota a advogada Filomena Villas Raposo, responsável pelo acompanhamento jurídico dos processos.
A advogada adianta que os casos mais gritantes surgem "em caso de desemprego de um dos cônjuges, funcionários públicos que sofreram cortes nos rendimentos e também divorciados que, de repente, têm de encontrar nova casa, recheio, pensões de alimentos para os filhos".
Em muitos casos, a única solução é apresentar insolvência, mas, explica, a diferença da solução apresentada por esta equipa – constituída por advogados, fiscalistas e técnicos oficiais de contas – é que o plano de reestruturação da dívida inclui um plano de pagamentos, mantendo tudo igual na vida das pessoas: a casa e outros bens.
Num plano de reestruturação da dívida, um montante de 250 mil euros pode baixar para 200 mil, notam os responsáveis. E evita-se assim a publicação da insolvência e a exoneração de bens, que tem levado famílias a ficarem sem nada, e ainda a pressão que é feita pelos credores sobre os devedores. "A partir do momento em que o processo é aceite, é a nós que tudo reporta", diz Filomena Villas Raposo.
OUTROS APOIOS
O passo normal para quem está afogado em dívidas seria fazer uma negociação amigável com todos os credores, no entanto "isso demora tempo e geralmente não temos uma resposta", nota Rosas Mendes.
A via encontrada é a "negociação judicial em sede de insolvência, onde todos os credores têm de se manifestar em dez dias. E aí o processo é mais rápido. O devedor em causa fica sempre com um valor para viver e o restante, mediante determinados cálculos, é destinado ao pagamento dos créditos. As pessoas mantém os seus bens e dão como garantia o ordenado".
Os passos para pedir ajuda são simples, explicam os responsáveis, que para o efeito criaram o site vivafelizsemdividas.com. Aí, os interessados podem preencher o formulário de contacto, onde expõem a sua situação de endividamento. De seguida é feito um contacto telefónico para tirar dúvidas e ficar a conhecer com mais detalhe a situação da pessoa, família ou empresa em questão.
OUTRAS SOLUÇÕES
Com os dados recolhidos, explica Rosas Mendes, é apresentada uma proposta de resolução para o problema de endividamento. No entanto, o plano é viável para quem mantenha o emprego e esteja disposto a pagar um mínimo de 1500 euros, mais custas de processo. Nos casos em que não existam rendimentos, são encaminhados para pedirem apoio judiciário junto da Segurança Social.
BONS PAGADORES
"Os portugueses por norma são bons pagadores", defende Filomena Villas Raposo. O que não fazem "é contas, nem as chamadas contas de mercearia. E muitas vezes têm dívidas mensais superiores aos rendimentos".
Aos ouvidos destes dois responsáveis chegam os casos mais diversos: desde uma professora com cinco mil euros de dívida acumulada em cartões de crédito, famílias endividadas que vivem em casas arrendadas e sem qualquer bem em seu nome, e dívidas mensais de mil euros, a famílias com rendimentos mensais de 1800 euros e 2000 euros de prestações.
As soluções encontradas são variadas. "Os contratos mantém-se, mas pode, eventualmente, alterar-se o números de anos para pagamento da dívida", explica a advogada. Noutras circunstâncias, "pode ser feita uma renegociação em que as pessoas pagam só o montante em dívida, esquecendo os juros. Em processo de insolvência isso é possível, mas isso só se consegue através do tribunal", frisa Rosas Mendes.
COMEÇAR CEDO
Esta equipa faz sessões de esclarecimento pelo País e feito o raio-X da população nota que os maiores problemas de endividamento residem na Grande Lisboa e Porto, Alentejo, Algarve e ilha da Madeira.
Outra situação que pode vir a despoletar casos de sobreendividamento é a dos estudantes que recorreram a créditos para pagar os estudos. "Ainda não apareceram muitas pessoas nessa situação, mas a verdade é que a dívida contraída mantém-se sempre. E muitas vezes não têm essa noção", diz Filomena Villas Raposo.
No caso das pessoas que já estão endividadas, este centro tem indicações precisas.
"Quem sofrer uma quebra temporária nos seus rendimentos, por motivo de doença ou outro, pode pedir um período de carência no crédito à habitação. Deve dirigir-se ao seu balcão e pedir um período de carência, onde ficará a pagar apenas juros durante uns meses", notam os responsáveis.
Nos cartões de crédito também é possível negociar as taxas de juro. E "o apoio de um advogado nestes casos pode ajudar nas negociações". Quando uma pessoa/família nota que "os seus rendimentos não são suficientes para suportar os seus encargos financeiros e para a subsistência familiar pode pedir ajuda a um profissional para a resolução do problema, antes que a situação se agrave", frisam.
O segredo, explica Filomena Villas Raposo, "é fazer as contas certas. As famílias portuguesas deixaram de fazer esse exercício e viviam numa opulência artificial". Curiosamente, nota, "nem é o crédito à habitação que causa o sobreendividamento. Muitas endividaram-se por coisas irrelevantes, como umas viagens ou cartões para comprar roupa. Por vezes pensamos que as pessoas têm bens, mesmo que supérfluos, como motas de água, mas na maior parte dos casos não têm nada".
Ao gabinete chegou o caso de uma família endividada a 120%. "Ou seja, em cada cem euros que ganhava tinha de pedir mais 20 euros emprestados para pagar as dívidas."
PISTAS PARA EVITAR AS DÍVIDAS
Para evitar casos dramáticos, como os que levam à insolvência com perda de bens, a equipa deste centro de apoio ao endividado apresenta algumas dicas.
Manter-se afastado de cartões de crédito e empréstimos bancários; não andar atrás das marcas e usar apenas aquilo com que se sinta confortável; não gastar dinheiro em coisas desnecessárias e gastar apenas no que é necessário são indicações dadas por este gabinete.
Neste centro ensinam também os clientes a elaborar um mapa com as despesas mensais e a fazer a gestão do seu orçamento familiar. "Contabilizar as entradas e saídas do dinheiro" é importante, explica Rosas Mendes. "Só assim saberá onde foi gasto.
No final do ano ficará surpreendido com os valores que vai encontrar. Se necessitar de contrair um crédito não exceda mais de 40% do seu rendimento mensal disponível. Viver uma vida simples e, acima de tudo, ter bom senso na gestão financeira" é essencial para evitar a catástrofe financeira.
NOTAS
FAMÍLIAS
Nos cinco meses do actual ano recorreram à DECO 13 678 famílias sobreendividadas.
PROCESSO
Em Maio, a DECO abriu 473 processos de apoio (15 por dia). 47 casos são de fiadores.
DÍVIDA
847 milhões de euros foi quanto as famílias falharam em débitos directos de Jan./Abril.
CRISE
Em Maio estavam registados 7940 casais sem emprego (mais 81% do que em 2011).