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Um herói invulgar

“Henrique Galvão – Um Herói Português” é a biografia do homem que abanou as estruturas bafientas do estado novo
João Pereira Coutinho 11 de Dezembro de 2011 às 00:00
Predador perfeito
Predador perfeito

George Orwell foi um dos mais importantes analistas do autoritarismo político no século XX. Mas Orwell não é apenas implacável com os ditadores; também não poupa aqueles que, cobarde e voluntariamente, se submeteram a eles. As ditaduras acontecem nas melhores famílias, parece dizer-nos o escritor; o que não acontece nas melhores famílias é a longa submissão dos filhos à longa tirania dos pais.

Orwell teria gostado de Henrique Galvão. Isto porque Galvão é um raríssimo português – e o objecto de estudo perfeito para esta biografia de Francisco Teixeira da Mota.

Começa por sê-lo na atitude de desafio e independência face a um regime ao qual poderia ter pertencido sem esforço. Fatalmente, cedo se desiludiu com o que via: o abismo crescente entre as palavras grandiloquentes da elite política e os actos mesquinhos ou desumanos dessa mesma elite.

Para esse desencanto muito contribuiu a vivência em África: o continente forneceu a Galvão uma largueza de horizontes – quer no sentido físico, quer no espiritual – que não se ajustava à estreiteza do Estado Novo e dos seus servidores. E África ofereceu-lhe também a condição degradante em que viviam e trabalhavam os nativos.

Passo a passo, desencanto atrás de desencanto, crescem em Galvão aquelas qualidades de "independência, iniciativa e imaginação" que o colocam em rota de colisão com o regime.

PÁGINAS NOTÁVEIS

São notáveis as páginas deste livro sobre os períodos de encarceramento de Galvão; como igualmente notáveis são as descrições dos actos célebres que imprimiram o nome de Galvão na história de Portugal – e até do século XX: o rapto do navio ‘Santa Maria’ e o desvio do avião da TAP para inundar Lisboa de panfletos anti-salazaristas. Foram dois actos que abanaram as estruturas bafientas do Estado Novo e colocaram o país no centro da discussão mundial.

Repito: Henrique Galvão é uma figura que George Orwell teria gostado de conhecer. Não apenas porque Galvão representa essa figura atípica de homem que não se submete a um poder autoritário; mas porque Galvão entendeu por experiência própria – tal como Orwell, aliás – que a luta fundamental do século XX não era entre o comunismo e o fascismo; mas entre a liberdade e a tirania. Neste particular capítulo, demonstrou uma lucidez – e uma intransigência – que o seu amigo, e posterior inimigo, Humberto Delgado não preservou até ao fim.

Como o próprio Galvão várias vezes refere, a sua luta não era apenas "antifascista"; era "antitotalitária", leia-se "antifascista" e "anticomunista", uma posição de grande inteligência e modernidade.

A indisponibilidade de Galvão para substituir uma tirania por outra pode não lhe ter granjeado amigos – nem à direita, nem obviamente à esquerda; mas preservou-lhe uma coerência que poucos – muito poucos – poderão reclamar na história da oposição portuguesa ao salazarismo. D

Autor: Francisco Teixeira da Mota

Editora: Oficina do Livro (401 páginas)

LIVRO: ‘IDADE MÉDIA – BÁRBAROS, CRISTÃOS E MUÇULMANOS’

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Editora: Dom Quixote

Tradução: Bonifácio Alves (760 páginas)

LIVRO: ‘MEMÓRIAS DA II GUERRA MUNDIAL ’

Muito se escreveu sobre Churchill. Tanto que, às vezes, esquecemos o muito que Churchill escreveu. Injusto. As memórias da Segunda Guerra são um dos grandes monumentos da literatura do séc. XX – perfeitamente comparável, na ambição e no tom, à obra clássica de Edward Gibbon sobre a queda de Roma.

Editora: Texto

Tradução: Manuel Cabral (1072 páginas)

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