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Droga nova nas escolas

Há uma nova droga a ameaçar os alunos das escolas básicas e secundárias portuguesas. Trata-se do cloreto de etilo, um produto químico usado em medicamentos anestesiantes e contra picadas de insectos e em ambientadores, que são de venda livre. Tem efeitos alucinogénios e pode causar a morte.

25 de abril de 2007 às 13:00

Em Portugal – ao contrário do que acontece, por exemplo, no Brasil e noutros países da América Latina – este produto ainda não é vendido, nem traficado, de forma isolada. Mas como faz parte da composição de diversos medicamentos pode ser adquirido em farmácias ou lojas.

As polícias portuguesas – que têm conhecimento do consumo esporádico do cloreto de etilo – enfrentam um problema semelhante aos relativos a outros solventes inalantes: estão presentes em muitos bens de comércio livre cuja proibição é impossível.

“Ficas o resto do dia com um zumbido esquisito nos ouvidos, mas a jarda mesmo é só um minuto. A maior sensação é que o corpo fica descontrolado: as imagens e os sons aumentam de velocidade e o coração também”, explica um adolescente que já experimentou.

Trata-se de um problema de Saúde Pública e de sensibilização dos estudantes para os malefícios da inalação de cloreto de etilo, como da cola, de diluentes ou mesmo gasolina. Nos últimos dias, só na Região Centro, o CM descobriu grupos de alunos de escolas básicas e secundárias – com 11 a 14 anos – que estão a usar esta droga, cujo modo de utilização explicam uns aos outros através da internet, com recurso, por exemplo, ao Hi5. Em Leiria e nas Caldas da Rainha o uso desta versão do ‘lança perfume’ (como é designado no Brasil) é conhecido, mas os conselhos directivos das escolas estão ainda à margem do problema, por ser recente em Portugal – os primeiros contactos com a droga serão posteriores ao ano de 2000.

Em 2005, Joaquim João Filipe, finalista na Faculdade de Farmácia do Porto, fez um trabalho científico sobre o cloreto de etilo, um anestésico local usado para o alívio das dores provocadas pelas picadas do peixe-aranha e por desportistas com sintomas decorrentes de pequenas lesões traumáticas. As suas conclusões são semelhantes às de outros estudos: é um produto muito perigoso, até mortal.

19 000 tubos de ‘lança perfume’ foram apreendidos no Brasil apenas nos primeiros seis meses de 2003, o que representava uma tendência de crescimento.

15 euros é quanto custa em média esta droga se for adquirida num país da America Latina.

REFRESCANTE

A ideia inicial do ‘lança perfume’, que tem cloreto de etilo, era ser usado para brincar no Carnaval. Quando o spray atingia o corpo causava uma sensação fria e agradável.

INALAÇÃO

É feita directamente das embalagens de spray – como se fosse uma bombinha para a asma. Ao contrário do que acontece com outros solventes, como a cola, em que é usado um saco de plástico.

'LANÇA PERFUME' DE MORTE

Na década de 1960, no Brasil, o ‘lança perfume’ inalado – usado de início no Carnaval para causar uma sensação de frescura no corpo – provocou a morte a muitas pessoas por paragem cardíaca e acabou por ser proibido.

No entanto, o seu comércio ainda hoje é livre na Argentina e o tráfico na América Latina um problema semelhante ao do ecstasy. É a quarta substância mais comum entre os jovens brasileiros – 14 por cento dos quais já experimentou pelo menos um tipo de solvente inalante – atrás apenas do álcool, tabaco e marijuana, segundo um estudo divulgado em 2003 pela revista ‘Época’.

Em Portugal as autoridades policias não têm conhecimento de tráfico, mas sabem que o consumo existe através de produtos legais que têm cloreto de etilo. É barato, de fácil utilização, de compra legal, mas tão perigoso que pode matar.

ESTUDOS SOBRE TOXICODEPENDÊNCIA PASSAM AO LADO

A inalação de solventes pelos jovens portugueses “é residual” e não consta dos estudos sobre a toxicodependência, por ocorrer apenas em casos pontuais e localizados, refere Paula Andrade, responsável pelo Núcleo de Redução de Danos do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). Há dez anos “chegou a falar-se muito nos solventes voláteis nas escolas”, sobretudo na área da Grande Lisboa.

Os técnicos das organizações não governamentais que trabalham na prevenção da toxicodependência também detectaram pequenos grupos de miúdos de rua que tinham por hábito inalar cola, mas foi um fenómeno passageiro.

Na Linha da Vida, criada pelo IDT para prestar informação, aconselhamento, apoio e encaminhamento de casos relacionados com a droga, de forma gratuita e confidencial, os pedidos de ajuda por causa da inalação de solventes foram praticamente nulos até agora. O que não quer dizer que os casos não existam. Ciente disso, Paula Andrade aproveita para deixar um alerta aos mais curiosos: “A ânsia de experimentar coisas novas pode deixar marcas irreversíveis no organismo.” Por um momento de aventura pode vir a pagar-se um preço demasiado elevado em termos de saúde, alerta a responsável.

DA EXCITAÇÃO INICIAL À MORTE DO CÉREBRO

Os solventes inalantes – como o caso do cloreto de etilo – provocam efeitos que estão divididos em quatro fases: excitação, depressão, depressão profunda e depressão tardia.

No início o consumidor fica eufórico, excitado, com tonturas e perturbações auditivas e visuais. Mais tarde entra em confusão, desorientação, com a voz pastosa, começa a ter perturbações de visão, perda de autocontrolo, dores de cabeça e alucinações.

Na fase seguinte acentuam-se estes efeitos e na última o consumidor chega a ficar em estado de coma ou a morrer. A inspiração de solventes pode levar ainda à destruição de neurónios e provocar lesões irreversíveis: danos na medula óssea, rins, fígado e nervos periféricos que controlam os músculos. Em alguns casos provoca um aumento cardíaco que pode chegar aos 180 batimentos por minuto. Comportamento apático, dificuldade de concentração e défice de memória são características dos consumidores.

O ‘lança perfume’, que tem na sua composição o cloreto de etilo, apareceu no Carnaval de 1906, no Rio de Janeiro. Era uma diversão inocente até começar a ser inalado nos bailes como uma droga. Após vários casos mortais, foi proibido no Brasil, em 1961. Hoje, ainda é uma droga que se encontra com alguma facilidade, pois a sua produção é livre na Argentina – como ambientador – de onde é contrabandeada, bem como do Paraguai. Aliás, encontra-se à venda na internet.

O ‘lança perfume’ é uma droga feita com solventes químicos, uma combinação de éter, clorofórmio, cloreto de etilo e essência perfumada. Apresenta-se geralmente em tubos na forma líquida sob alta pressão e, em contacto com o ar, evapora-se rapidamente.

As colas, os ambientadores, os desodorizantes, tintas, gasolina, benzina e gases de isqueiros são outros solventes igualmente perigosos quando inalados. O seu uso é no entanto mais típico das crianças e jovens de classes e países mais pobres, ao contrário do que está a acontecer com o cloreto de etilo, que já chegou às classes médias.

MÉDICOS E VETERINÁRIOS

É um anestésico local utilizado sobretudo por médicos, dentistas e veterinários. Também é usado em primeiros socorros.

TAMBÉM EXISTE NOS LIXOS

Durante a incineração de lixos domésticos e industriais também pode haver exposição ao cloreto de etilo.

EXTREMAMENTE INFLAMÁVEL

É um gás incolor à temperatura ambiente com um sabor adocicado e um odor éterio. É extremamente inflamável.

FALTA DE INFORMAÇÃO

Os medicamentos que incluem cloreto de etilo fornecem, regra geral, informações muito escassas sobre os seus perigos.

PERIGOSO PARA A NATUREZA

Não existe na natureza, para a qual até é considerado perigoso. Também é conhecido por cloroetano e éter moriático.

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