Rui Pedro Soares, ex-administrador executivo da Portugal Telecom (PT) e não-executivo do Taguspark, garante que o Grupo Lena, proprietário do jornal ‘i’ e ao qual Hugo Chávez encomendou 50 mil casas pré-fabricadas quando José Sócrates visitou a Venezuela em 2008, participou nas reuniões em que foi discutida a hipótese de a PT adquirir uma parte da Media Capital, dona da TVI, através do Taguspark. Essas reuniões, ocorridas em 2008, contaram com a presença de um advogado da PLMJ, escritório de José Miguel Júdice, autor de um parecer jurídico favorável à concretização do negócio.
O depoimento de Rui Pedro Soares ao Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) no âmbito do caso Taguspark é peremptório: em resposta a uma pergunta da procuradora Teresa Almeida, esclareceu que "terão existido três reuniões, entre Setembro e Dezembro de 2008, que incluíam Américo Thomati, o Grupo Lena, proprietário do jornal ‘i’, instalado no parque [tecnológico], o declarante [Rui Pedro Soares], Rui Moreira e representante da PLMJ".
Ontem, o CM tentou contactar várias vezes o director de Marketing do Grupo Lena, Pedro Carvalho, a quem enviou perguntas por e--mail. Só que, até ao fecho desta edição, não foi possível falar nem obter resposta daquele responsável às questões enviadas.
Américo Thomati, presidente da comissão executiva do Taguspark, não faz comentários sobre as reuniões em que foi avaliada a possibilidade de compra da TVI. E Rui Moreira, presidente da Associação Comercial do Porto (ACP), desmentiu, em declarações ao ‘DN’, que tenha participado nessas reuniões.
Rui Pedro Soares garante que, apesar de a compra da TVI ter sido avaliada, "nunca se envolveu muito nesta hipótese por se lhe afigurar pouco consistente". O certo é que, segundo o depoimento de Paulo Penedos, assessor jurídico de Rui Pedro na telefónica, um "parecer encomendado pela PT à PLMJ manifestou-se favorável ao negócio".
O custo da operação de compra da Media Capital podia, segundo refere Paulo Penedos, ascender a 90 milhões de euros, um valor muito inferior aos cerca de 150 milhões de euros que terão sido negociados entre a PT e a Prisa. Paulo Penedos e João Carlos Silva, convidado por Rui Pedro Soares para administrador executivo do Taguspark em 2009, também manifestaram, segundo os seus depoimentos, reservas sobre esta operação.
A verdade é que as buscas policiais aos gabinetes de Rui Pedro Soares e de Paulo Penedos na PT, no âmbito do caso Taguspark, apreenderam vários documentos relacionados com a Prisa, proprietária da Media Capital, e a operação Taguspark. É o caso de uma "Nótula Jurídica sobre a operação Taguspark" com o timbre do escritório de José Miguel Júdice e de um caderno de argolas intitulado "Informe Prisa – Dossier de Prensa", encontrados no gabinete de Rui Pedro; e ainda de um envelope, com o logotipo da PLMJ, intitulado "Algumas ideias para a negociação no assunto Tagus".
PS QUIS USAR FRASE DE FIGO NA CAMPANHA
Miguel Macedo, representante de Luís Figo, declarou ao DIAP, no âmbito do caso Taguspark, que lhe ligaram "do gabinete do primeiro--ministro manifestando a pretensão de utilizar uma frase deste [de Figo na entrevista ao ‘Diário Económico’] num prospecto no âmbito da campanha eleitoral".
O representante de Figo salvaguardou que, "em períodos eleitorais, são frequentes pedidos deste tipo". A ex-estrela de futebol recusou o pedido, mas, segundo Miguel Macedo, disse que "estava interessado em tomar parte num encontro privado".
O encontro acabou por se realizar a 25 de Setembro, último dia da campanha eleitoral para as Legislativas de 2008.
GRUPO MUDA ESTRATÉGIA CONTRA A CRISE
As origens do Grupo Lena, com sede em Leiria, remontam à década de 1950, pela mão do empresário António Vieira Rodrigues, em actividades ligadas a terraplanagens e construção. A empresa cresceu, e na década de 1990 deu-se uma acentuada evolução e diversificação das áreas de negócio. Hoje está organizada em cinco sectores (construções, ambiente e energia; automóveis, turismo e serviços; comunicação e internacional), com mais de 70 empresas e cinco mil trabalhadores. Após a fase de expansão, enfrenta agora dificuldades, com uma dívida a rondar os 600 milhões de euros. Por isso, anunciou em Março estar a repensar a sua estratégia na área da Comunicação Social (é a líder da imprensa regional). A ideia parece ser o regresso às actividades que estiveram na origem do grupo ou relacionadas. Exemplo disso é a sua nova empresa, a Equimetra, especializada na prestação de serviços de equipamentos, metalomecânica e transportes.
ESCUTAS ESTÃO DESTRUÍDAS
"Os cerca de 80 CD que continham os registos áudio das conversas que envolvem o primeiro-ministro foram destruídos", anunciou ontem ao final da manhã o juiz--presidente do Tribunal de Aveiro. Paulo Brandão revelou que a operação começou pouco antes das 09h00 e terminou por volta das 11h00, tendo sido presenciada pelo juiz do processo, António da Costa Gomes. À hora do anúncio, Paulo Brandão disse que faltava apenas destruir poucos elementos processuais referentes a certidões que estavam em Lisboa e que terão chegado mais tarde a Aveiro.
Sobre o pedido de avaliação feito quinta-feira pelo juiz de instrução de Aveiro ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Paulo Brandão esclareceu que se tratava apenas dos requerimentos da defesa de outros arguidos que contestam a destruição das escutas. Terá sido este o motivo que gerou um impasse e um manto de silêncio sobre a confirmação da data prevista (ontem) para a operação de trituração de discos e documentos.
Um dos requerimentos ao processo foi apresentado por Ricardo Sá Fernandes, defensor do arguido Paulo Penedos. "Nem quero acreditar que fosse cumprida a destruição sem sequer ter sido notificado nem recebido a resposta ao meu requerimento", disse Ricardo Sá Fernandes ao CM. O advogado de Paulo Penedos admite recorrer do cumprimento da decisão do presidente do STJ, alegando a eventual nulidade do processo ‘Face Oculta’.
Por seu lado, o advogado de Armando Vara manifestou-se satisfeito pela destruição das escutas ter sido cumprida. "Só peca por tardia", disse ao Correio da Manhã Tiago Rodrigues Bastos. "O meu cliente sempre entendeu que eram conversas privadas e as instâncias superiores declararam que não havia indícios de crime. Portanto, fez-se o que tinha de ser feito", salientou ainda o advogado de Armando Vara.
JUIZ DEFENDIA INVESTIGAÇÃO
António Costa Gomes, do Tribunal de Aveiro, defendia que as 12 escutas envolvendo José Sócrates deveriam dar origem a uma investigação. O magistrado validou a tese do Ministério Público que considerava existirem indícios do crime de atentado contra o Estado de Direito através da manipulação da Comunicação Social.
Noronha Nascimento considerou depois que o despacho de António Costa Gomes era nulo, porque aquele não tinha competência para analisar as escutas ao primeiro-ministro. Defendeu que as mesmas deveriam ter sido enviadas para o Supremo Tribunal de Justiça logo que foram interceptadas, cabendo àquele tribunal superior proceder ou não à sua validação. O imbróglio jurídico arrastou-se durante meses, terminando agora com a destruição dos suportes. n
DATAS-CHAVE
28/05/2008
Rui Pedro Soares é designado administrador não-executivo da sociedade Taguspark, sediada em Oeiras. Nessa altura, já é administrador executivo da PT, para onde entrou em 2001 com um contrato a prazo.
28/05/2009
João Carlos Silva é designado administrador executivo do Taguspark. É o novo gestor, convidado para o cargo por Rui Pedro Soares, que vai assumir um papel importante na negociação do contrato de Luís Figo.
23/06/2009
O jornal ‘i’ revela que a PT está a negociar a compra de 30 por cento do capital social da Medial Capital, proprietária da TVI. A notícia irá desencadear a suspeitas sobre a actuação do Governo de Sócrates.
24/06/2009
O primeiro-ministro afirma aos jornalistas, no Parlamento, que não teve conhecimento prévio do negócio da compra da TVI pela PT. No dia anterior, a PT informara a CMVM desse objectivo. Sócrates é acusado de mentir.
26/06/2009
O Presidente da República pede transparência nas operações da PT. Cavaco Silva diz que a empresa deve explicar as razões que a levaram a pretender comprar 30 por cento da Media Capital.
26/06/2009
José sócrates garante que o Governo vai vetar o negócio da compra da Media Capital, dona da TVI, por parte da PT. O Executivo diz que vai aproveitar a golden--share que tem na empresa para proibir que o negócio se faça.
NOTAS
MENSAGEM: VARA MANDOU SMS
A 6 de Agosto de 2008, véspera da entrevista de Figo, Vara manda um SMS a Rui Pedro Soares: "Rui, afinal, não aconteceu nada. Anda uma grande irritação. Podes dizer-me o que se passa?"
GRANADEIRO: SEM INVESTIGAÇÃO
O chairman da PT disse ontem aos accionistas que a empresa não tem conhecimento de estar a ser objecto de qualquer investigação sobre a compra da TVI
PT: À ESPERA DA JUSTIÇA
Henrique Granadeiro diz que não vai tomar nenhuma decisão sobre Rui Pedro Soares enquanto o processo decorrer. "Tanto quanto sei não há nenhuma condenação"