De um seminário invadido no 25 de Abril às confissões de um ex-pide

Avelino Alves, padre na paróquia de Pêro Pinheiro, recorda o dia da Revolução dos Cravos, o amigo general Costa Gomes e outras histórias que com ele se cruzaram.

25 de abril de 2024 às 01:30
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Avelino Pereira Alves era seminarista e pertencia aos Missionários Combonianos, uma congregação perseguida pelo antigo regime por defender que a Igreja tinha de ser libertadora. Na manhã do dia 25 de Abril de 1974, as notícias de que Lisboa era palco de uma revolução chegaram depressa a Famalicão e foram recebidas com enorme alegria: "Abraçámo-nos e chorámos". Mas o espanto veio pouco depois, quando viu o seminário onde estudava ser invadido por mais de dez pides que pediam asilo. 

Volvidos 50 anos, Avelino, na altura com 22, consegue recordar com detalhe a entrada dos agentes da polícia política no seminário e a forma corajosa com que um dos seus superiores agarrou numa arma (de plástico) e enfrentou quem tentava vingar-se dos pides. 

Hoje, continua sem saber o que foi feito daqueles homens, mas guarda na memória que "foram saindo, um a um, noite após noite". 


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Avelino foi ordenado padre já depois da Revolução dos Cravos mas não esquece as missas pré-25 de Abril, em que todos se olhavam, desconfiados, para descobrirem onde estava o pide que os controlava. Admite que sabiam quase sempre de quem se tratava. "Se a cara era estranha, então era aquele", conta.

Capelão no Campo Militar de Santa Margarida, conheceu Salgueiro Maia e foi amigo do general Francisco Costa Gomes, um dos protagonistas do golpe militar de 25 de Abril, que foi exonerado Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e substituiu Spínola como Presidente da República, ainda em 1974.

Aos 72 anos, Avelino não esconde a emoção quando fala daquele que considera um dos grandes heróis de Abril. "O herói de Abril de quem fui amigo foi o general Costa Gomes. Era um homem que eu admirava", recorda.

Com a voz embargada, o padre lembra que se encontrou muitas vezes com o general e que chegou a confessá-lo. "Era um homem de fé. Cantava e rezava na missa. Um homem extraordinário, que admiro porque fez silêncio e sofreu em silêncio. Se não fosse ele, não sei se não teríamos sofrido uma guerra civil".

As memórias surgem-lhe agora acompanhadas de um sorriso. Entre a vida como professor, jornalista e pároco, admite ser um homem "de todos e para todos". E confessa que uma das coisas que mais o surpreendeu foi descobrir que grande parte dos pides eram ex-seminaristas. Avelino explica que tal aconteceu porque o cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, o 14.º Patriarca de Lisboa, pediu a Salazar que não reconhecesse as habilitações do seminário – porque a maioria dos homens ia para o seminário por não ter condições económicas –, pedido que foi aceite com a condição de que as habilitações apenas seriam reconhecidas para polícias e serviço militar.  

No pós-25 de Abril, era grande o estigma que recaía sobre os antigos pides. Em Pêro Pinheiro, no concelho de Sintra, onde é pároco há vários anos, conheceu um antigo agente da polícia política e depressa o apelidou de 'Zé Pide'. O tom brincalhão e descontraído ajudou a defendê-lo dos olhares e comentários da população.  



O padre descreve, com mágoa, as dificuldades que viveu durante o antigo regime mas não deixa de frisar que o pós-25 de Abril também não foi fácil.

"Politicamente éramos acusados. No Norte havia aquela guerra entre o PS e o PSD. Eu tive alguns dissabores por lá. Foi um bocado difícil. Senti-me, após o 25 de abril, mais perseguido do que pela PIDE". Recorda que a tentativa forçada de rotular as pessoas consoante o partido político impediu, muitas vezes, que a liberdade conquistada na revolução fosse vivida de forma plena.

Avelino acredita que Portugal precisa de continuar o 25 de Abril e que é necessária mais justiça e igualdade. "Precisamos de mais justiça social, sobretudo de sentirmos que é um País de todos nós, não é só um País de alguns. Quando as pessoas não vêem justiça, não há paz".

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