Cantores que fizeram abril, por José Jorge Letria
“O número global destes cantores-autores era relativamente escasso, mas todos tinham energia e vontade de mobilizar vontades”
O papel desempenhado pelos cantores-autores na preparação e consolidação do 25 de Abril representa um dos traços dominantes desta realidade histórica e cultural. Espanha e o Chile da Unidade Popular também contavam com os seus cantores políticos, mas nenhum desses processos se aproximava, na profundidade e na expressão geográfica, do assumido por José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e outros. A gravação de um disco de 45 rotações em 1963 por José Afonso, com as canções ‘Os Vampiros’ e ‘ Menino do Bairro Negro’, representou o ponto de partida para um movimento que, sem ter reconhecimento formal, levou a seguir para o exílio em Paris Luís Cília e José Mário Branco, que só regressariam a Lisboa na manhã do dia 30 de Abril de 1974, no mesmo avião de Álvaro Cunhal.
Na origem deste movimento estava a universidade com os seus regulares convívios de estudantes e depois, num processo de alargamento, as colectividades de cultura e recreio, as escolas secundárias, os parques de campismo e os escassos sindicatos que conseguiam promover os seus convívios culturais, como foi o caso das estruturas dos bancários e dos metalúrgicos.
As crises académicas de 1962 e de 1969 contribuíram para a ampliação do espaço de intervenção dos cantores políticos, que dispunham de escassos meios tecnológicos e que sabiam estar fortemente controlados pelos coronéis da censura e pelas forças policiais, com a PIDE em destaque. Estavam unidos pela luta contra a guerra colonial e contra a repressão policial.
O número global destes cantores-autores era relativamente escasso, mas todos tinham combatividade política, energia física e vontade de mobilizar vontades. Os mais fáceis de mobilizar eram os estudantes universitários e os do secundário, mas depois surgiram os trabalhadores industriais e os membros da comunidade religiosa. Alguns programas de rádio foram essenciais para promover a obra discográfica dos cantores, caso do ‘Página 1’ e do ‘Tempo Zip’, ambos na Rádio Renascença.
Os oficiais milicianos que partiam para África levavam os seus discos na bagagem. Foi assim que os oficiais do MFA, reconhecendo a importância deste meio de comunicação e partilha, escolheram a canção ‘Grândola, Vila Morena’, composta por José Afonso em 1964, para ser a principal senha do levantamento militar libertador, na madrugada de 25 de Abril de 1974.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt