Vou ali ao passado e já volto, por Manuel Soares

Não me venham dizer que há uma crise tal na justiça que é preciso mudar tudo de alto a baixo. Não é verdade.

20 de março de 2024 às 11:54
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No cinquentenário da democracia, escrevo para todos os fanáticos da claque da crise da justiça: saudosos do passado, desconhecedores do presente e descrentes do futuro. Vamos lá recuar ao "antigamente" para a prova dos nove.

Antes de Abril de 74, os juízes começavam assim: "Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas" (Decreto-Lei 27.003 de 1936 e Estatuto Judiciário de 1962). Hoje é assim: "Afirmo solenemente por minha honra cumprir com lealdade as funções que me são confiadas e administrar a justiça em nome do povo, no respeito pela Constituição e pela lei" (Estatuto dos Magistrados Judiciais de 1985). Alguém notou a diferença?

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Vamos continuar: uma investigação criminal centralizada nas polícias, sem garantias de defesa, que torturava para obter confissões, fazia buscas sem mandado, detenções sem autorização e prisões preventivas sem prazo, tribunais políticos que prendiam os opositores do regime, penas de degredo e campos de concentração por delitos de opinião, juízes controlados por um conselho superior judiciário dominado pelo governo, presidentes dos tribunais nomeados pelo ministro da Justiça, pessoas pobres sem acesso aos tribunais, a justiça politicamente neutralizada, com os litígios mais sensíveis fora dos tribunais, entregues a entidades administrativas, magistraturas que não permitiam o acesso às mulheres, juízes amordaçados por rígidas proibições em matéria de liberdade de expressão e associação e total imunidade e impunidade das elites políticas e económicas do regime.

Ao correr da pena, eis meia dúzia de "coisas" da tal justiça anterior à crise.

O que falta fazer? Muito, certamente. Como na saúde, na educação, na cultura, no ambiente, em todas as áreas da governação. A democracia é um bem inacabado e sempre em construção. Agora, não me venham dizer que há uma crise tal na justiça que é preciso mudar tudo de alto a baixo. Não é verdade.

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